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Pense em um filme ruim: Perto de "Morbius", ele se torna "Cidadão Kane"
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"Morbius" é mais uma tentativa de expandir o universo dos quadrinhos do Homem-Aranha no cinema e? Quer saber? Segura um pouco, voltamos já para o assunto.
"Homem-Aranha - Sem Volta Para Casa" faturou quase US$ 2 bilhões. Isso somente nos cinemas. Ainda com as restrições da pandemia!
É inegável que o alcance do herói mais famoso da Marvel vai muito além dos fãs dos quadrinhos. É um fenômeno cultural, uma propriedade intelectual valiosíssima. Uma das criações pop mais sensacionais da história.
A pergunta que fica martelando na cabeça, portanto, é: Por que diabos os detentores dos direitos cinematográficos do Homem-Aranha continuam danificando a marca com produtos de quinta categoria?
Ok, "Morbius". A gente chega lá.
A ideia em levar o "vampiro vivo" para o cinema não obedeceu a nenhum ímpeto criativo, a nenhum clamor de fãs. O que temos aqui é o pensamento corporativo em sua forma mais pura, um cristal com cifrões lapidados nas laterais.
Criado como um vilão trágico por Roy Thomas e Gil Kane nas páginas da série em quadrinhos do Aranha em outubro de 1971, Morbius é parte do universo agregado do herói, o que faz dele um produto. O filme com Jared Leto é exatamente isso: um produto.
Aqui vale um pouco de contexto. Nos anos 1990, a Marvel, então uma empresa à beira da falência, licenciou vários de seus personagens para diversos estúdios de cinema e canais de TV para capitalizar, para encher os cofres.
Com a ascensão da empresa como um gigante de entretenimento, contratos foram encerrados, acordos foram desfeitos. Em outros casos, estúdios inteiros foram comprados por sua corporação mãe, a Disney (oi, Fox), devolvendo todos os personagens desgarrados para debaixo do mesmo guarda-sol.
Todos, exceto o Homem-Aranha, que permanece por contrato sob as asas da Sony.
Criativamente inerte com o herói depois dos dois filmes protagonizados por Andrew Garfield, e com o sucesso crescente do universo cinematográfico Marvel, a Sony entrou em acordo com o estúdio e o Homem-Aranha teve permissão para brincar na mesma caixa de areia dos coleguinhas fantasiados.
Os outros personagens de seu entorno, entretanto, permaneceram sob direção da Sony. De vilões famosos a ilustres desconhecidos, de J.J. Jameson e Mary Jane à Tia May e Miles Morales. Cada um é um filme em potencial.
O tilintar da caixa registradora é irresistível, e "Venom", vilão mais popular da galeria do herói, ganhou um filme para chamar de seu, Tom Hardy à frente. Mesmo que não houvesse nenhuma conexão com o Aranha.
O sucesso animou os executivos, que logo bancaram uma continuação, "Venom - Tempo de Carnificina", que sugeria uma ligação, ainda que tênue, com os filmes da Marvel e, claro, com o Homem-Aranha.
Nesse movimento, "Morbius" ganhou sinal verde. Não por ser um personagem com uma legião de fãs. Mas por ser "radical". Um vampiro de visual bacana. Um anti herói capaz de trazer a intensidade adolescente que esbarra nos limites do terror sem mostrar uma cena de violência ou uma gota de sangue.
É um filme que brota de uma necessidade corporativa, um plano de engravatados que buscam expandir a marca do Homem-Aranha sem precisar de fato usar o personagem. "Kraven", outro vilão do Cabeça de Teia, já está com seu filme em produção. "Madame Teia" (é sério) é o próximo.
Todo esse papo de "ação corporativa", de "espremer a propriedade intelectual", seria furadíssimo se o filme, dirigido por Daniel Espinosa ("Vida"), fosse bom. Mas não é. Nem um pouco. Na verdade, não parece que ninguém sequer está se esforçando.
Certo, vamos então a ele.
"Morbius" acompanha Michael Morbius (Jared Leto), que sofre de uma deficiência congênita em seu DNA, uma doença que o deixa dependente de transfusões de sangue diárias e constantes para sobreviver.
Adulto, ele torna-se a maior autoridade mundial em doenças sanguíneas, vencedor de prêmios pela criação do sangue sintético que salva várias vidas - menos a dele. Sua esperança é uma experiência que consiste em combinar DNA humano com o de morcegos vampiros.
Para acelerar a coisa, a experiência, conduzida em um navio em águas internacionais (por que sim), dá muito errado, e Morbius se torna um vampiro, um monstro sobrenatural que precisa de sangue humano para conservar sua força. Ou algo assim.
A verdade é que o roteiro todo é super confuso. Morbius ganha superpoderes e o físico de um atleta olímpico. Seu sangue artificial, contudo, não consegue sustentar sua sede por muito tempo, e o monstro está sempre à espreita.
Só que uma sequência sugere que a falta de sangue, ou do soro, faria com que sua condição física voltasse a se deteriorar. Outras cenas já revelam que não consumir sangue simplesmente desperta a fera, e que ele se torna incapaz de controlar os impulsos assassinos.
Ninguém se importa, claro. Espinosa parece ter dirigido "Morbius" com a empolgação de um sonâmbulo. O filme é esteticamente desastroso, feio, sem vida ou estilo. Se passa em Nova York, mas foi rodado em Londres e em Manchester, com o metrô tubular da capital inglesa. Eles nem tentam disfarçar, me senti assistindo a "Superman IV".
Uma sequência em particular, em que Morbius tem um "momento" com seus morcegos, é uma cópia tão descarada de "Batman Begins", trilha sonora e tudo, que esperei Christian Bale entrar em cena já descendo o braço.
Os efeitos visuais parecem incompletos, e às vezes são incompreensíveis, um borrão de CGI esfregado na tela como pasta de amendoim no pão de forma.
Os poderes do próprio Morbius são um mistério, que incluem planar (acho), disparar ondas de energia como um hadouken de "Street Fighter" e mover-se muito rápido em explosões de fumaça. Ah, e convocar morcegos.
Se existe alguma vantagem aqui é que, em um mundo com filmes de super-heróis que batem nas três horas de duração (estou de olho, "Batman"), "Morbius" amarra tudo em menos de duas.
E por "amarrar tudo", eu quero dizer arrumar um romance que surge absolutamente do nada (com a colega Adria Arjona), revelar uma conexão totalmente aleatória com os outros filmes com o Homem-Aranha (cena pós-créditos, mas nem se empolgue) e enfrentar seu melhor amigo.
Claro, porque nada define melhor um filme de super-heróis do que um vilão com os mesmos poderes. Também transformado em vampiro super poderoso, Matt Smith tem a vantagem da ausência de um freio moral. Seu estilo de interpretação, por outro lado, mostra que ele assistiu a Jared Leto como o Coringa em "Esquadrão Suicida". Não, não é um elogio.
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