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Novo 'Animais Fantásticos' é prego no caixão da série 'Harry Potter'
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É difícil entender a estratégia por trás da série "Animais Fantásticos". Em teoria seria a chance de expandir o mundo apresentado ao longo de uma década em "Harry Potter", revelando outros cantos de seu mundo mágico.
Na prática, porém, o trio de filmes teve efeito contrário.
Desinteressante, enfadonha e com o protagonista mais insípido do cinema moderno, a série fez o encanto construído com tanta dedicação, com o carinho de tantos fãs, evaporar-se, chegando à sua conclusão não com uma explosão, e sim com um leve tremor, quase imperceptível.
"Animais Fantásticos: O Segredo de Dumbledore" é um dos exemplos mais gritantes do pensamento corporativo, em que qualquer ímpeto artístico é abafado em prol da confecção de um produto.
O pecado maior dos engravatados foi ter deixado o controle criativo nas mãos destruidoras de J.K. Rowling, a criadora da coisa toda. É dela o roteiro dos três filmes, um emaranhado de ideias ruins que nem o melhor dos diretores poderia salvar.
Imagine, então, o que sobra quando a condução do filme está nas mãos de um operário como David Yates, diretor de tudo relacionado a Potter desde "A Ordem da Fênix".
Não há o que fazer, exceto criar o visual mais esmerado que o dinheiro pode comprar e esperar que a plateia fique encantada a ponto de não perceber que está consumindo pastel de vento.
Não há absolutamente nenhum problema em encarar o cinema como produto. A Marvel faz exatamente isso desde 2008 com resultados quase sempre acima da média (ainda não perdoei "Eternos", mas segue o jogo).
O caldo entorna quando não há sequer a vontade de manter o mínimo de coerência com qualquer narrativa já estabelecida. "O Segredo de Dumbledore" praticamente ignora as tramas abertas do filme anterior, o fiasco "Os Crimes de Grindelwald", em prol de uma aventura que começa do zero.
Como o título já entrega, o foco aqui está em Alvo Dumbledore (Jude Law), diretor da escola de magia Hogwarts. Ele precisa arrumar as peças no tabuleiro, sem contudo participar ativamente da partida.
A missão é frear a ameaça representada por seu ex-amado, o bruxo malvado Gellert Grindelwald (Mads Mikkelsen, tomando aqui o papel que era de Johnny Depp). "Ex-amado" porque o roteiro pede, já que os dois têm a fagulha sexual de um nabo.
Se na aventura anterior o vilão era alvo da maior caçada do mundo bruxo, aqui ele é inocentado sem maiores traumas e se lança como candidato a presidência da comunidade mágica (uma outra candidata é Maria Fernanda Cândido, que fala uma frase e interage com um bichinho digital). Seu objetivo, embora não fique claro o por que, é começar uma guerra com os "trouxas", os humanos normais.
Assim, toda a história envolvendo as origens do supostamente super poderoso Credence (Ezra Miller) é deixada de lado, seu arco narrativo curtíssimo é resolvido em uma cena sem nenhuma tensão dramática.
O filme acompanha o pequeno exército reunido por Dumbledore na missão mais sem pé nem cabeça do cinema moderno. Para resumir, Grindelwald adquire o poder de enxergar o futuro, então o plano para detê-lo é, basicamente, não ter nenhum plano.
No papel do pseudo protagonista Newt Scamander, Eddie Redmayne segue em sua jornada para provar ao mundo que ele é o ator mais superestimado de todos os tempos.
Como se estivesse constantemente mastigando uma batata, ele preenche seu tempo com expressões atabalhoadas e exercendo seu vácuo de carisma. Do seu lado, até o "trouxa" interpretado por Dan Fogler parece mais interessante.
Não espere de "Animais Fantásticos: O Segredo de Dumbledore" um passeio emocionante e nostálgico pelo mundo apresentado na série "Harry Potter", agora um cadáver que no cinema se arrasta há anos, mas que segue absurdamente lucrativo em lojinhas temáticas..
São personagens demais esbarrando-se em uma trama que no geral não faz nenhum sentido, amarrada por um final anti climático executado para causar bocejos.
O que me traz de volta à pergunta original: qual seria, afinal, o plano do estúdio ao sabotar uma de suas propriedades intelectuais mais valiosas com uma série de filmes tão inepta?
Se fosse para apostar, eu diria que o motivo é causar um abalo sísmico tão potente que pode ser usado como desculpa para afastar Rowling do controle criativo da série. Ela esqueceu, afinal, o que sempre foi o grande chamariz de seus livros: a aventura é para crianças!
Um dos principais apelos de "Harry Potter" foi trazer protagonistas infantis que, ao longo dos livros e, consequentemente, dos filmes, cresciam ao lado de seu público.
Nas entrelinhas das batalhas mágicas e do conflito do bem contra o mal, havia uma história sobre o fim da infância, sobre a perda da inocência, sobre o quão perigoso pode ser o mundo quando passamos a controlar nosso destino. Era fascinante!
"Animais Fantásticos", por sua vez, é protagonizado por um bando de adultos chatos, histéricos e desinteressantes. A promessa de mistério e magia fica exatamente nisso, na promessa. O que é lamentável, já que o mundo segura a respiração sempre que existe alguma movimentação no tal Wizarding World.
As possibilidades são imensas, mesmo agarrando-se na premissa do título. Imagine, por exemplo, se "Animais Fantásticos" fosse sobre os alunos de outra escola de magia, uma ambientação diferente e, ao mesmo tempo, tão familiar, em busca de criaturas desgarradas neste mundo.
Imagine se fosse sobre os magos que criaram as casas originais de Hogwarts, trazendo legado, nostalgia e novidade no mesmo pacote. Imagine se Newt Scamander fosse um protagonista com uma jornada palpável, se fosse de fato dono de sua história. Só... Imagine.
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