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Roberto Sadovski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Josh Brolin volta à TV em 'Outer Range': 'Fiz por merecer meu salário!'

Josh Brolin na série "Outer Range" - Amazon Prime
Josh Brolin na série 'Outer Range' Imagem: Amazon Prime

Colunista do UOL

20/04/2022 04h00

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Havia um buraco no meio do pasto. Em "Outer Range", série que traz o ator Josh Brolin de volta às narrativas em série, o vácuo misterioso descoberto em sua fazenda é tanto real quanto metafórico, um abismo que certamente olha de volta ao ser encarado.

Foi essa premissa, que mistura a tradição do western com a ousadia da ficção científica, que mostrou-se irresistível para Brolin voltar à TV. Aos 54 anos, o ator tem uma das carreiras mais equilibradas do cinemão hollywoodiano desde que estreou, em 1985, na aventura juvenil "Os Goonies".

Uma coleção de papéis em uma seleção eclética de filmes o levou, em 2007, a trabalhar com os irmãos Joel e Ethan Coen em "Onde os Fracos Não Têm Vez", a premiada adaptação do romance de Cormac McCarthy.

Daí para frente ele emprestou seu talento a filmes diversos e sensacionais como "O Gângster", "Milk", "W" e "Bravura Indômita". Recentemente Brolin fechou o círculo ao interpretar Thanos, o grande vilão do universo Marvel no cinema, que teve seu auge em "Vingadores: Ultimato" em 2019.

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Royal Abbott (Josh Brolin) caminha para o abismo
Imagem: Amazon Prime

"Outer Range" surgiu, portanto, como um desafio. "O streaming é uma plataforma experimental que as pessoas ainda não compreendem totalmente", explica em um longo bate papo. "Somado a isso, o roteiro trazia elementos que despertavam um aspecto de meus anos formativos que há muito eu não explorava."

A primeira referência que ele traz é a obra do ator e dramaturgo Sam Shepard, morto em 2017. "Ele tinha uma abordagem híbrida de gêneros que o colocava à frente de seus pares nesse estilo de texto", lembra.

"Quando busco inspiração, eu sempre retorno a Samuel Becket, a Antonin Artaud e seu Teatro da Crueldade, que fez muita gente duvidar de sua sanidade. Obras e autores assim, por algum motivo, sempre me intrigaram."

Essa mesma sensação reacendeu quando Brolin leu a premissa de "Outer Range". Foi o gatilho para que ele abraçasse mais uma vez uma narrativa em série, sua primeira vez com o formato desde que fora protagonista do drama "Mister Sterling", cancelado após uma única temporada em 2003.

"Teria zero interesse em fazer uma série dividida em, sei lá, 22 ou 26 episódios por ano", revela. "Não era o caso com 'Outer Range'. Senti que havia espaço para tratar o material, na falta de uma palavra melhor, de forma artística. Ou de forma comportamental, que fosse dinâmico e humano e que tivesse alguma ressonância.

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Lili Taylor precisa de apoio para o supoetar a realidade de 'Outer Range'
Imagem: Amazon Prime

O que nos traz de volta ao buraco no meio do pasto. "Outer Range" apresenta-se, a princípio, como um western moderno, um drama familiar que não seria estranho com Kevin Costner à frente.

Tem o retrato da vida longe de centros urbanos. A rivalidade de famílias por um pedaço de terra, representada pelo clâ encabeçado pelo personagem de Will Patton. Os mesmos dramas com uma nova roupagem.

Josh Brolin é Royal Abbott, que administra um rancho no meio do Wyoming ao lado da mulher, Cecilia (Lili Taylor) e dos dois filhos. A chegada de uma andarilha ao vasto terreno da fazenda (Imogen Poots) amplifica a natureza fantástica da história com a revelação de um imenso buraco na propriedade.

É literalmente um vácuo sem fundo que parece torcer as noções de tempo, espaço e da própria realidade, uma aberração cósmica que intriga Royal e que logo torna-se coadjuvante de erros irreparáveis e fenômenos inexplicáveis. Pense em "Lost". Pense em "Dark". Pense em... Clint Eastwood.

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Will Patton é o vizinho com uma rixa mundana em 'Outer Range'
Imagem: Amazon Prime

O Estranho Sem Nome, personagem imortal conectado à figura de Eastwood e à própria noção do que seria um western, é parte do apelo que Josh Brolin enxerga em "Outer Range" - mas não em sua forma, digamos, clássica.

"Tento entender e seguir o mito do Estranho Sem Nome da forma romantizada que ele tomou no léxico popular", explica. "Mas não existe nada de real nele, ou em sua representação do western. Ele, sim, é ficção científica. Isso não é."

Brolin explica que "Outer Range" pode expandir seu escopo em uma jornada decididamente fantástica, mas nunca perde o foco do que seria sua base: o esfacelamento de uma família.

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Como ator e também produtor, Josh Brolin toma as rédeas de 'Outer Range'
Imagem: Amazon Prime

"Existe uma ideia de masculinidade no gênero, um arquétipo que involuntariamente tomei para mim", elabora. "O sujeito durão, a rigidez como traço do caráter. A verdade não poderia ser mais distante."

Para o ator, que se define como alguém mole como pudim, esse lado emotivo veio com a idade. "Eu era jovem e irradiava muita raiva e confusão como forma de compensação. Agora sinto o contrário", conta. "Tenho uma criança de 3 anos e um bebê de 1 ano em casa, e vivo no caos da maneira mais prazerosa. Não importa o que eu estivesse fazendo antes, era tudo perda de tempo."

Ao desafiar os arquétipos erguidos pelo gênero. "Outer Range" acertou em cheio na sensibilidade e na visão de mundo do ator. "Muita gente romantiza a noção de masculinidade do western, e gosto como a série acerta um soco na cara desses conceitos", diz. "Nada é mais real do que mostrar que, quando a base de sua família se despedaça, a realidade da humanidade é revelada."

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Imogen Poots é a chave ou uma peça do mistério
Imagem: Amazon Prime

Filmada em locação no Novo México em meio à pandemia de Covid, "Outer Range" apresentou uma série de desafios inédita para Josh Brolin. Além de assumir o protagonista da série, ele também assina o projeto como produtor.

"Em meus outros trabalhos eu terminava de filmar e ia para casa", conta, ressaltando que seus personagens ficavam lá atrás, no set. A exceção talvez tenha sido interpretar o ex-presidente George W. Bush em "W", de Oliver Stone.

"Foi o último papel que eu lembro ter dificuldade em deixar de lado, o que não percebi até muito tempo depois de terminar o projeto", lembra.

"Eu estava em um lugar de pânico constante, com medo de não conseguir fazer o que esperavam de mim. Mergulhei no papel como nunca, não como conceito, mas como mecanismo de sobrevivência."

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Josh Brolin não sabe o que está acontecendo (nesse ponto, nós também não)
Imagem: Amazon Prime

O desafio em "Outer Range" era de outra natureza, já que havia mais de um ponto de vista. Se como ator o trabalho de certa forma encerrava com o "corta", como produtor ele seguiu por um bom tempo após as filmagens.

"Todo o material rodado pode se manifestar de centenas de milhares de formas diferentes", explica. "Nosso trabalho então passa a ser descobrir qual seria a melhor forma, qual era nossa intenção no começo, e se essa intenção ainda importa depois que o projeto meio que toma vida própria".

"Tudo isso exercitou uma parte de mim que eu não havia necessariamente experimentado antes", conclui, com um sorriso. "Mas certamente eu fiz por merecer qualquer que tenha sido o salário que me deram."