Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
'Os Vingadores': Há 10 anos a Marvel apostou alto e mudou a cara do cinema
Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail
Era julho de 2010, encerramento da Comic-Con em San Diego, com um painel apresentando as primeiras cenas de "Thor" e "Capitão América: O Primeiro Vingador". Antes de se despedir, porém, o produtor Kevin Feige disse que ainda tinha "uma coisinha" a mostrar.
Essa "coisinha" era levar ao palco, pela primeira vez, o elenco de "Os Vingadores", que entraria em breve em produção. Era o sonho dos fãs: uma reunião de super-heróis, pincelados de filmes individuais, em uma aventura que consolidaria no cinema o conceito do universo compartilhado.
Dois anos depois, "Os Vingadores" provou que a ideia não era um capricho somente para os iniciados. O filme de Joss Whedon, que chegou aos cinemas exatamente uma década atrás, rompeu a barreira de US$ 1 bilhão nas bilheterias e passou de "aposta arriscada" a modelo que toda Hollywood tratou de tentar copiar.
O verbo em questão aqui é justamente "tentar". A ideia de um universo compartilhado não é, nem de longe, uma novidade. Os monstros clássicos da Universal vem por outra zanzavam um no filme do outro. A Toho colocou seus kaijus trocando tapas em uma época em que o melhor efeito eram homens em fantasias.
O caso da Marvel, por outro lado, é fruto de planejamento e de uma dose cavalar de ousadia. Quando o estúdio lançou-se como entidade independente, os bastidores do negócio entraram em ebulição.
Avi Arad, até então produtor das aventuras Marvel feitas em parceria, como "Homem-Aranha", "X-Men" e "Motoqueiro Fantasma", retirou-se da liderança da empresa, vaga que foi então ocupada por Kevin Feige.
Fã de quadrinhos, mas profissional da indústria do cinema desde que trabalhara na produtora do diretor Richard Donner, Feige enxergou na Marvel o potencial para uma experiência até então inédita e potencialmente lucrativa.
Sem os pesos pesados da editora em sua caixa de brinquedos, ainda com seus direitos enroscados em contratos com outros estúdios, ele voltou-se para o lado B do elenco de heróis da Marvel.
Ainda sob um contrato de distribuição com a Paramount, "Homem de Ferro" foi um sucesso em 2008, mesmo eclipsado pelo rolo compressor "Batman - O Cavaleiro das Trevas". "Hulk" saiu pela Universal, e "Homem de Ferro 2" chegou aos cinemas dois anos depois.
A essa altura, "Os Vingadores" já estava mapeado na agenda de Feige. Antes, porém, ele sabia que outros personagens de menor apelo precisavam ser apresentados ao público, o que aconteceu em 2011 com os primeiros "Capitão América" e "Thor".
Até ali, nenhum filme da Marvel nessa fase solo havia incendiado as bilheterias, mesmo que todos fossem um sucesso sólido. A escolha de Joss Whedon para dirigir "Os Vingadores" vinha mais da necessidade de colocar na mistura um roteirista com experiência com grandes elencos (o que ele fizeram muito bem nas séries "Buffy" e "Firefly") do que em apontar um diretor de grande personalidade.
Whedon, então, criou uma aventura de gibis na tela grande. Loki (Tom Hiddleston) é o catalisador de uma invasão alienígena em Nova York, combatida pela equipe formada pelo Homem de Ferro (Robert Downey Jr.), Capitão América (Chris Evans), Thor (Chris Hemsworth), Viúva Negra (Scarlett Johansson), Gavião Arqueiro (Jeremy Renner) e Hulk (Mark Ruffalo).
Ainda assim, era uma aposta grande, que colocava não só a carreira de Feige em jogo como também a do estúdio recém-formado. Para aumentar a pressão, a Disney colocou US$ 4 bilhões na mesa e comprou a Marvel em meio ao processo.
A jogada começou a dar sinais de sucesso com a cena pós-créditos em "Capitão América: O Primeiro Vingador". Não era exatamente uma cena, e sim um teaser de "Os Vingadores", uma peça meticulosamente montada sem entregar muito, mas que apelava com sua promessa de espetáculo para muito além da esfera do fã.
A sessão para a imprensa, realizada no lendário cinema El Capitán em Los Angeles, estava coalhada de convidados, provavelmente uma turma que não conseguiu garantir um assento na pré estreia agendada para o dia seguinte.
Havia uma expectativa gigante em relação ao sucesso de "Os Vingadores", que muitos apostavam ser o segundo maior filme de 2012, atrás somente de "O Cavaleiro das Trevas Ressurge".
Quando a aventura chegou aos cinemas, porém, foi uma sucessão de superlativos, a começar pelos números de estreia, primeiro filme a romper os US$ 200 milhões em um fim de semana. Quando a poeira assentou, a reunião dos heróis Marvel tinha pouco mais de US$ 1.5 bilhão em caixa.
A indústria do entretenimento, claro, cresceu o olho. Se uma década antes o Santo Graal eram fantasias épicas no rastro da trilogia "O Senhor dos Anéis", o sucesso de "Os Vingadores" escancarava uma nova fórmula mágica em potencial, a dos universos compartilhados.
A concorrência imediata correu atrás do prejuízo, mas o universo estendido DC tropeçou na pressa e na falta de planejamento, falhando em construir um compilado de filmes que dialogassem entre si, culminando no engodo "Liga da Justiça".
Mas não foram só os super-heróis que entraram na dança. "Harry Potter" gerou o Wizarding World, o Mundo da Magia, que até agora só derrapou com três "Animais Fantásticos". A Universal morreu na praia com o revival de seu Dark Universe, que nasceu e evaporou na cola do fracasso "A Múmia", com Tom Cruise.
Até "Star Wars", decano dos universos compartilhados, teve seu morde e assopra com "Rogue One" (um sucesso incontestável) e "Han Solo" (um filme que pouca gente sequer lembra que existe.
Enquanto isso, a Marvel nada de braçada. Em pouco mais de uma década, com 27 filmes (!) no portfólio, o estúdio já faturou US$ 26 bilhões, e prepara-se para planejar nas próximas semanas seus passos pelos próximos dez anos.
Até porque o segredo do sucesso é planejamento. Sim, existe uma fadiga incontestável na fórmula do estúdio, mas por enquanto ela é mais criativa do que comercial. Ano passado foram nove produtos Marvel em cinema e streaming, e o ataque não vai sossegar tão cedo.
Essa overdose é meticulosa e, em sua grande maioria, tem sido construida em cima da força de seus personagens, e não na exploração gratuita de suas marcas mais famosas. É louco pensar que, uma década depois de "Os Vingadores", heróis e vilões como Groot, Loki, Shang-Chi, Capitã Marvel e Thanos sejam tão populares quanto, sei lá, o Superman.
Todas as sementes foram plantadas em "Os Vingadores", o verdadeiro ponto de partida de um universo que, para o bem e para o mal, definiu a tapeçaria da cultura pop contemporânea.
"Vingadores: Ultimato" encerrou um ciclo em 2019, concluindo o arco dramático de diversos personagens. Mas a máquina segue firme, com "Doutor Estranho no Multiverso da Loucura" em cartaz, "Thor: Amor e Trovão" e "Pantera Negra: Wakanda Para Sempre" agendados ainda para este ano, e "Cavaleiro da Lua", "Ms. Marvel" e "Mulher-Hulk", estreando no streaming.
Um universo inteiro, dúzias de personagens e uma infinidade de novas propriedades intelectuais. Tudo gerado por uma aposta calculada que, em 4 de maio de 2012, reuniu "os heróis mais poderosos da Terra" contra uma ameaça comum. E acertaram, veja só, em nosso bolso.
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.