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'E.T. O Extraterrestre' aos 40: O filme que fez o mundo reaprender a sonhar
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Não existia nada como "E.T.: O Extraterrestre" nos cinemas há quatro décadas. Não é exagero dizer que não existe nada como "E.T." nos cinemas hoje.
O que Steven Spielberg fez quando dirigiu a aventura do alienígena na Terra foi capturar um momento, transformar em imagem e som uma de suas próprias lembranças de infância.
Ao compartilhar esse instante, inspirado por um amigo imaginário que ele inventou após o divórcio de seus pais, o cineasta não só criou um fenômeno como também realizou seu trabalho mais íntimo e pessoal.
A abordagem ressoou no público de maneira irrefreável. "E.T." não era um filme infantil, ou uma ficção científica, ou mesmo um drama sobre famílias fragmentadas. Era tudo isso, embalado em um pacote de aventura e emoção, um conto de fadas que unificou a plateia e alterou o cinema e a cultura pop.
O cinema de fantasia havia redescoberto seu lugar apenas cinco anos antes, quando George Lucas, amigo de Spielberg, conquistou o mundo com "Guerra nas Estrelas". O gênero ganhou fôlego, impulsionado nos anos seguintes por novas aventuras de James Bond e do Superman.
Ainda assim, eram filmes que materializavam fantasias juvenis representadas por diferentes interpretações da jornada do herói. O próprio Spielberg abraçou esse mesmo sentimento ao dar ao mundo o arqueólogo Indiana Jones em "Os Caçadores da Arca Perdida" em 1981.
"E,T,", por sua vez, não privilegiava o espetáculo. Sequer buscava uma aventura em grande escala. Seu protagonista não era um adulto com a missão de salvar o mundo. Era um menino em um subúrbio, morando com a mãe e os irmãos, que torna-se melhor amigo de um visitante tão solitário quanto ele.
A ideia de olhar para o espaço chegou para Spielberg em 1977, quando ele dirigiu "Contatos Imediatos do Terceiro Grau". Ao contrário de invasores alienígenas malignos, reflexo do medo da "ameaça comunista" que assolou o país na década de 1950, as criaturas chegavam à Terra para unificar os povos, para mostrar que, mesmo tão pequenos, fazíamos parte de algo maior.
Com o sucesso do filme, o diretor chegou a desenvolver um projeto chamado "Night Skies" com ETs do mal que ameaçam uma família. Seu sentimento de isolamento durante as filmagens de "Caçadores", porém, trouxe de volta a lembrança do amigo imaginário de sua infância.
Uma nova história foi, então, escrita com a roteirista Melissa Mathison. Não era uma trama sobre alienígenas na Terra, e sim um conto de fadas sobre um visitante perdido, uma aventura vista sob o ponto de vista de uma criança.
Spielberg levou a história para a Columbia, mas seus executivos não enxergaram potencial comercial, considerando o projeto infantil demais. O conceito de "filmes para a família" não existia, e produções para crianças, na época, eram vistas como suicídio comercial.
A Disney, ainda longe de seu renascimento com "A Pequena Sereia", enfrentava uma crise criativa e financeira profunda, agravada em 1981 com a partida do animador Don Bluth e de boa parte da equipe do estúdio no meio da produção de "O Cão e a Raposa".
O roteiro de "E.T." foi, então, comprado pela Universal, que injetou US$ 10 milhões na produção. O design da criatura foi encomendado para Carlo Rambaldi, que trabalhara com Spielberg em "Contatos Imediatos".
Henry Thomas foi escolhido entre centenas de crianças para o papel de Elliott. Sua família foi completada com Dee Wallace, que fazia sua mãe, e seus "irmãos" Robert MacNaughton e Drew Barrymore. As filmagens começaram em setembro de 1981, com os trabalhos concluídos em pouco mais de dois meses.
Depois de uma pré estreia no festival de Cannes, "E.T.: O Extraterrestre" chegou aos cinemas americanos em 11 de junho de 1982. O filme alcançou o primeiro lugar nas bilheterias, e permaneceu no topo do pódio ao longo das seis semanas seguintes.
Até dezembro, "E.T." manteve-se entre os filmes mais assistidos nos cinemas americanos, ao mesmo tempo em que lotava salas e quebrava recordes no resto do mundo. Em 1983, superou "Guerra nas Estrelas" como a maior bilheteria da história, perdendo a posição uma década depois para o próprio Spielberg com "Jurassic Park".
Sua marca na cultura pop é inquestionável, assim como sua importância para o cinema. A maior qualidade de "E.T.", contudo, é seu poder em unir todas as pessoas, independente de idade, gênero ou nacionalidade, em torno de uma história com a qual qualquer um consegue se identificar.
Não há segredo. "E.T.", mesmo sendo uma aventura fantástica, é sobre memórias, sobre lembranças que todos temos quando crianças. Sobre momentos que, reais ou imaginários, ajudam a determinar a pessoa que vamos nos tornar.
Essas lembranças abraçam um oceano de sensações, do medo da solidão ao encanto em descobrir as engrenagens do mundo; das amizades forjadas para a eternidade à dor da perda de alguém querido.
Sentimentos experimentados e compartilhados, lembranças de uma época mais inocente. Coisas que unem a todos nós como seres humanos. Tudo capturado com delicadeza pelas lentes de Spielberg.
Não é ao acaso que os adultos em "E.T.", à exceção da mãe de Elliott, são mostrados apenas nas sombras ou da cintura para baixo pela primeira metade do filme, como nos desenhos animados de Tex Avery.
É um modo de ressaltar que a história até então se desenvolve longe de seu olhar. Quando os adultos tomam a frente da trama, com o personagem de Peter Coyote à frente, eles aparecem como figuras autoritárias, armas em punho, "vilões" que esqueceram o que é sonhar.
Spielberg entende que um futuro de entendimento e empatia, de abnegação e lealdade, está nas mãos de uma geração intocada pelo cinismo brutal que esfacelou o "sonho americano" após a derrota dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã. É com Elliott que reaprendemos a sonhar.
Ao restaurar essa conexão do público com sua própria inocência, Spielberg também lhe devolveu o prazer de compartilhar essa experiência - em família, com os amigos, em comunidade.
Ele criou uma memória que, quatro décadas depois, não perdeu seu encanto. Um filme tão fascinante hoje como em 1982. Um momento capturado no tempo.
Há alguns anos um amigo pediu emprestada minha cópia de "E.T." em blu ray. Ele queria mostrar o filme para sua filha, então com 4 anos. Duas semanas depois, ele devolveu o filme com palavras que eu nunca esqueci: "Obrigado por ter proporcionado a ela essa experiência tão bonita".
Spielberg Disse que jamais fará uma continuação de "E.T". Ele chegou a escrever o rascunho de uma sequência com Melissa Mathison, mas abandonou a ideia. Disse saber que jamais fará algo tão perfeito quanto o original, e que não faria sentido criar um filme inferior. "E.T. Não voltará para o planeta", disse.
Eu nunca esqueci a primeira vez que vi "E.T.: O Extraterrestre". Foi no Cine Peduti, em Maringá, nas férias de verão em 1983. Sala lotada, meus olhos de 9 anos grudados em cada cena, cada palavra.
Quando E.T. fez Elliott voar em sua bicicleta, sua silhueta marcada pela lua cheia, eu chorei. Pelo crescendo emocional, pelo espetáculo triunfante, pela sensação de pura felicidade. E por estar ali, no cinema, redescobrindo que eu também podia sonhar.
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