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Ezra Miller, ou 'como destruir a própria carreira mais rápido que o Flash'
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Ninguém em Hollywood queria estar na pele do diretor Andy Muschietti. Seu próximo filme, a aventura de super-heróis "The Flash", corre o risco de sequer estrear nos cinemas. O motivo está além de seu controle e tem nome e sobrenome: Ezra Miller.
Nunca havia visto, em todo os anos que trabalho com cinema, um ator autossabotar a carreira de maneira tão pública e espetacular. A série de incidentes envolvendo Miller escala em progressão geométrica e vão de agressão a assédio a menores de idade, passando por aliciamento e ameaças.
Na indústria do entretenimento moderna, em que estúdios fogem de polêmicas que podem descarrilar um projeto de centenas de milhões de dólares, a presença de um astro com comportamento errático e instável é um risco inaceitável. Ezra Miller, pelo visto, não está nem um pouco preocupado com isso.
O ator de 29 anos primeiro chamou a atenção na série "Californication", o que o levou ao longa "Precisamos Falar Sobre o Kevin" em 2011. No thriller dirigido por Lynne Ramsay, Miller interpreta um adolescente que atormenta sua mãe em uma espiral descendente que termina em violência e assassinato.
O visual andrógino, aliado à coragem em assumir seu gênero neutro em 2012, fizeram de Ezra um ator requisitado para papéis fora do padrão. Ele se destacou no drama "As Vantagens de Ser Invisível" e também no tenso "O Experimento de Aprisionamento de Stanford". Não demorou para o cinemão bater em sua porta.
Zack Snyder estava preparando seu "Batman vs. Superman", já de olho em construir um universo compartilhado para os heróis da DC Comics. Ezra Miller foi escolhido para o papel de Barry Allen, o Flash, o "homem mais rápido do mundo".
Depois de pontas em "Batman vs. Superman" e em "Esquadrão Suicida", ele finalmente viu seu papel ser expandido em "Liga da Justiça". Ao mesmo tempo, o mesmo estúdio o colocou em outro projeto de grande porte, "Animais Fantásticos e Onde Habitam". O futuro, então, parecia brilhante.
Longe das câmeras, porém, Ezra passou a mostrar traços de instabilidade. Em 2020 ele pareceu sufocando uma mulher com as mãos e depois a jogando no chão em um bar na capital da Islândia. Os episódios de violência se repetiram esse ano, quando ele foi preso em duas ocasiões no Havaí por agressão.
Isso acendeu um alerta no estúdio, que então buscava de todas as formas contornar uma crise justamente na série "Animais Fantásticos". Johnny Depp, que interpretou o vilão Grindelwald nos dois primeiros filmes, foi substituído por Mads Mikkelsen em meio ao furor de seu processo com a atriz Amber Heard.
Os problemas com Ezra Miller, entretanto, não param de se empilhar. Ele foi acusado pelos pais da ativista nativa americana Tokata Iron Eyes, de 18 anos, de aliciar e manipular a jovem para que ela se tornasse totalmente dependente dele. Seu relacionamento começou em 2016, quando ele tinha 23 anos e ela, 12 anos.
Recentemente, a mãe de outra garota de 12 anos conseguiu uma medida protetiva que impede a aproximação física do ator. Ela alega que ele ameaçou a família após demonstrar comportamento inapropriado com a criança.
Em ambos os casos a polícia tentou encontrar o ator para entregar as intimações, no que ele publicou vídeos zombando das autoridades e as desafiando a encontrá-lo, antes de deletar suas contas.
O projeto para transformar "The Flash" em filme já circula desde o final dos anos 1980, quando "Batman" de Tim Burton se tornou um fenômeno global. O personagem ganhou nova forma em 2004, pouco antes do lançamento de "Batman Begins", e mais uma vez três anos depois, quando George Miller escalou Adam Brody para o papel em "Justice League: Mortal", que não saiu do papel.
Quando "O Homem de Aço" disparou a nova leva de filmes baseados em personagens da DC, agora em um universo compartilhado, "The Flash" foi anunciado para março de 2018. O filme foi trocando de diretor e equipe de produção até o estúdio finalmente fechar com Andy Muschietti, responsável pelo estrondoso sucesso de "It - A Coisa", adaptação do livro de Stephen King.
O universo estendido DC tornou-se uma grande confusão. A visão de Zack Snyder foi desmantelada logo depois do ocaso de seu "Liga da Justiça", e o estúdio tratou de fazer um controle de danos com filmes relacionados ou não uns com os outros.
"Aquaman" e "Shazam!", além de dois "Mulher-Maravilha", expandiram o universo de certa forma. "Coringa" e o novo "Batman" existem fora da cronologia compartilhada. "The Flash", que abraça o conceito de multiverso e recupera a versão do Cavaleiro das Trevas interpretada por Michael Keaton, foi planejado para colocar ordem na casa. A estreia está agendada para junho de 2023.
O problema agora está nas mãos de David Zaslov, novo presidente do conglomerado Warner Bros. Discovery. O executivo já disse em diversas ocasiões que o universo DC é prioridade máxima para o estúdio, e que cada novo projeto será desenvolvido sob sua supervisão. De cara ele cancelou um longa baseado nos personagens "Super Gêmeos", herança do desenho animado "Superamigos" dos anos 1970.
"The Flash", uma aposta de US$ 200 milhões, mais e mais se torna um caso que o estúdio dificilmente sairá ganhando. Não existe palavra oficial, mas analistas do mercado cravam algumas opções para lidar com a situação - e com Ezra Miller.
Uma delas seria substituir o ator em todo o filme. Não é impossível. Ridley Scott removeu Kevin Spacey do drama "Todo o Dinheiro do Mundo", o substituindo por Christopher Plummer. Mas era um personagem coadjuvante, e todo o material foi refeito em dez dias.
Miller, por outro lado, está praticamente em cada frame de "The Flash", fazendo com que a alternativa de refilmar todo o material se torne financeiramente e artisticamente impraticável. Zack Snyder substituiu digitalmente o ator Chris D'Elia pela comediante Tig Notaro em "Army of the Dead" - ela nunca colocou os pés no set e o resultado é invisível. Mas, novamente, não estamos falando de um personagem secundário.
Outra opção é esperar que o drama envolvendo Ezra Miller esfrie ao longo do próximo ano. O estúdio ofereceu ajuda ao ator, que recusou. Se a situação voltar a escalar, "The Flash" será lançado com uma campanha de marketing que excluiria uma turnê de imprensa com o elenco. A opção em despejar o filme direto na plataforma de streaming HBO Max não está descartada.
Em um ponto, todos produtores, executivos e analistas ouvidos acerca do caso ao longo dos últimos meses concordam em uma coisa: o tempo de Ezra Miller como o Flash parece ter chegado ao fim antes mesmo de começar. A possibilidade de ele ser dispensado pelo estúdio, da mesma forma que Johnny Depp, um astro bem maior, é cada vez mais real.
O futuro de Ezra Miller fora das páginas policiais segue, portanto, incerto. Além de "The Flash", ele tem um papel menor em Dalíland", que aborda o casamento do pintor Salvador Dali com sua mulher, Gala, já ao final dos anos 1970.
Hollywood já teve sua cota de astros que se perderam em seus próprios demônios e conseguiram uma volta por cima triunfal. Robert Downey Jr. talvez seja o exemplo mais brilhante. Havia, entretanto, a vontade de melhorar. Ezra Miller, por sua vez, parece estar confortável em sua posição. Mesmo que suas escolhas abreviem a carreira de um ator talentoso que parecia ter muito a mostrar.
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