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Celebrando James Caan: Sempre no primeiro time, nunca em primeiro plano
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"Rollerball - Os Gladiadores do Futuro." Eu quase posso ouvir a voz do locutor da Globo anunciando em suas "próximas atrações" a ficção científica distópica de Norman Jewison. Mas não era ninguém "aprontando uma grande confusão", e sim uma fantasia que transformava esporte em violência.
Foi a primeira vez que eu me lembro de ter visto James Caan em ação. Para um moleque crescendo nos anos 1980, o subtexto político da trama, com corporações substituindo países e a violência na TV como ferramenta de controle, estavam em segundo plano. Legal mesmo era ver aquele sujeito arrebentando geral por sua liberdade.
O tempo foi ensinando quem era "aquele sujeito". Quando o VHS ainda não dominava a TV da sala, era na programação dos canais abertos que estava toda uma educação cinematográfica. Gente como Charles Bronson, Lee Marvin, Clint Eastwood e Steve McQueen definiam um ideal de masculinidade nas madrugadas da telinha. "Rollerball", sem dúvida, elevou o jogo.
Alguns anos se passaram antes de o cinema se tornar mais sério em minha ainda curta vida. Foi nessa época que descobri a força de "O Poderoso Chefão" e sua influência enorme na indústria e na cultura pop a partir dos anos 1970.
Era a "Nova Hollywood", nascida na rebeldia que gerou obras como "Bonnie & Clyde" e "Sem Destino", servida a uma novíssima geração na programação da TV. O filme de Francis Ford Coppola, contudo, era um animal diferente.
Um animal representado pela ameaça silenciosa de Marlon Brando. Pela descida dolorosa ao abismo do crime de Al Pacino. Pelo desconforto e inadequação emitidos por John Cazale. Por fim, pela força da natureza personificada por James Caan.
Sonny Corleone era sua escolha, mesmo que o estúdio o quisesse como Michael. James Caan possivelmente representava o estereótipo do "astro de cinema" mais que o nada imponente Al Pacino. Não importava. Caan e Coppola sabiam que Michael era o coração de "O Poderoso Chefão", mas sua fúria residia em Sonny.
James Caan abraçou essa fúria, e deu ao mundo um dos personagens mais emblemáticos da cinematografia mundial. Sua morte permanece um dos momentos mais horrivelmente belos da história. Sua sombra também acompanhou seu intérprete até o fim.
Ao longo dos anos 1970, Caan abraçou o estigma do sujeito durão e nele ergueu sua carreira. Fosse em dramas, comédias ou thrillers, ele irradiava exatamente o personagem que dele se esperava: ladrões, trapaceiros, o sujeito durão que você gostaria do seu lado em uma briga de bar.
Na maioria das vezes, James Caan ligava o automático e fazia sua parte com louvor. Foi assim em "Os Covardes Vivem Bem" e em "Duas Ovelhas Negras". Em "Elite de Assassinos" e em "Dois Vigaristas em Nova York".
Quando ele enxergava um personagem de maior riqueza dramática, o circo pegava fogo. Como no excelente "O Jogador", de 1974. Ou no épico de guerra "Uma Ponte Longe Demais", ao lado de uma dúzia de outros gigantes. Ou em "Rollerball".
Ainda assim, James Caan nunca alcançou o mesmo patamar de seus pares. Nunca foi tão festejado como Al Pacino ou Robert De Niro. Não emprestava seu nome a filmes que ficavam gravados na história. Ele trabalhava, ganhava dinheiro, gastava dinheiro.
A década seguinte viu James Cann afastado de sua maior paixão. Ele enterrou a depressão causada pela morte de sua irmã por leucemia com o vício em cocaína. Estava cansado de Hollywood. Ainda assim, cometeu em 1981 o que para mim é seu melhor filme: "Profissão: Ladrão", de Michael Mann.
No papel de um ladrão de joias decidido a sair do jogo, o que espelhava seu próprio olhar sobre a indústria do cinema, Cann protagonizou o que talvez seja o melhor paralelo com o fim da era de experiências e descobertas no cinema dos anos 1970 para o individualismo e os excessos que dominariam a década seguinte.
O trabalho só engrenou novamente já em 1988, quando ele fez as pazes com o cinemão na ficção científica "Missão Alien". Em um futuro próximo, a Terra torna-se lar de uma raça de alienígenas presa no planeta quando sua nave despenca aqui. Integrados à sociedade, os "visitantes" logo abraçam nossos vícios, e o personagem de Caan, um policial casca grossa (claro), torna-se parceiro de um alien, papel de Mandy Patinkin.
Uma ponta em "Dick Tracy", do chapa Warren Beatty, abriu espaço para que ele voltasse aos holofotes em grande estilo. Caan brigou para trabalhar com Kathy Bates em "Louca Obsessão", adaptação do livro de Stephen King dirigida por Rob Reiner.
Foi um choque. De repente, o sujeito que representava o ápice da masculinidade imbatível estava aos prantos, preso em uma cama, os pés arrebentados por uma lunática. Completamente quebrado. Indefeso, emasculado, traumatizado para toda a vida.
"Louca Obsessão" fez com que Caan se libertasse de seu passado, saísse da sombra de Sonny Corleone, e relaxasse. Nos anos seguintes, não foram raras as ocasiões em que ele brincou com essa imagem, especialmente quando fez comédias.
Foi um sujeito durão em "Lua de Mel a Três", com Nicolas Cage e Sarah Jessica Parker. Enfrentou Arnold Schwarzenegger, o novo "macho alfa", em "Queima de Arquivo". Fez um traficante em "À Prova de Balas" e um mafioso (!) na comédia "Mickey Olhos Azuis".
Em 1996, James Caan provou o quanto era um sujeito generoso ao aceitar um papel no longa de estreia de três moleques que buscavam seu lugar em Hollywood, ajudando a produção, uma ideia iniciada como um curta, a se expandir.
"Pura Adrenalina", título cretino que arrumaram para "Bottle Rocket", foi o ponto de partida na carreira dos irmãos Luke e Owen Wilson - este escreveu o longa ao lado de Wes Anderson, que fez então sua estreia na direção. O filme, que traz uma aura de trabalho estudantil (o que basicamente era verdade), só conseguiu sua legitimidade com a presença de Caan no elenco.
Seu último grande trabalho é tão surpreendente quanto emblemático. "Um Duende em Nova York", de Jon Favreau, tornou-se um clássico de Natal moderno, graças principalmente a seu senso de humor anárquico, carregado pela performance de Will Ferrell. Mas é James Caan, com sua expressão de granito e sua personalidade de túmulo do humor, quem dá ao filme o lastro necessário para que ele se eleve, e muito, acima da média.
No começo deste ano, o elenco de "O Poderoso Chefão" se reuniu para celebrar os 50 anos da obra-prima de Francis Ford Coppola. Foi um momento emocionante para o cinema moderno, quando o diretor reapresentou seu trabalho ao lado de Pacino e DeNiro, além de Talia Shire, Robert Duvall e Diane Keaton.
Entre eles, claro, estava James Caan. Aos 82 anos, o ator continuava ativo em seu ofício, emprestando seu talento e sua figura hercúlea a filmes nem sempre à sua altura. Tudo bem. Existe um momento na vida de um homem em que ele pode olhar para trás e ter orgulho do legado que construiu.
James Caan certamente assim o fez - sempre no primeiro time, mesmo que não em primeiro plano. Rob Reiner, Al Pacino, Adam Sandler, Barbra Streisend e Francis Coppola recorreram às redes sociais para externar seu pesar e celebrar a vida de seu amigo. Se pudesse, Caan encerraria sua jornada com as três palavras que se tornaram sua marca recente na rede social em que ele era bem ativo: Fim do tweet.
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