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David Cronenberg recupera seu cinema grotesco em 'Crimes of the Future'
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David Cronenberg passou os últimos anos, digamos, "domesticado". Não que filmes como "Marcas da Violência", "Senhores do Crime" ou "Cosmópolis" tenham perdido um fiapo de intensidade. A assinatura mais visceral e explícita do diretor, porém, parecia pertencer ao passado.
"Crimes of the Future" mostra, contudo, que ainda há espaço no turbilhão criativo do cineasta para recuperar o flerte com algumas de suas obsessões. Modificação corporal, controle social, fusão de homem e máquina - tudo é filtrado por sua lente com resultados desconfortáveis e imprevisíveis.
Em um futuro indefinido, anos de exposição a poluição e alterações climáticas severas privaram a humanidade de sua capacidade de sentir dor ou de desenvolver infecções. Essa nova condição fez com que cirurgias pudessem ser executadas em público, como exploração de limites ou mesmo arte performática.
Dois artistas, Saul Tenser e Caprice (Viggo Mortensen e Léa Seydoux, à vontade da condução da trama), estão na vanguarda do movimento. Especialmente por ele sofrer de uma síndrome que acelera em seu corpo o crescimento de novos órgãos, removidos e catalogados por ela.
Esse quadro social não é bem visto pelo governo, que já estuda novas formas de controle para restringir as evidências da nova evolução humana. Burocratas, Kristen Stewart entre eles, surgem no caminho dos artistas em uma aproximação que mistura ameaça e admiração.
Saul e Caprice são, então, procurados por um grupo de evolucionistas radicais para conduzir, ao vivo, uma autópsia no corpo de um garoto de 8 anos que nasceu com a habilidade natural de digerir plástico, provando que a marcha evolutiva vai além da adulteração artificial de corpos.
A mistura de terror e ficção científica esteve presente desde a instauração da carreira de David Cronenberg, com "Calafrios" e "Enraivecida na Fúria do Sexo". Seu estilo tornou-se mais refinado em "Scanners", o que também aumentou seu fascínio pelo body horror, subgênero que flerta com a modificação física radical.
Os clássicos modernos "Videodrome" e, principalmente, "A Mosca", trouxeram o cineasta no perfeito equilíbrio do filme "de arte", com propostas reflexivas profundas sobre a condição humana, com o terror mais explícito que não se furta em ser incômodo com sua exposição de sangue e pedaços de carne humana.
"Crimes of the Future", por sua vez, estreia o diálogo com duas outras obras do diretor. Existe aqui o prazer sexual associado à fusão de homem e máquina, um dos temas do sensacional "Crash", aliado à naturalização da tecnologia intrusiva no corpo humano com propósitos mundanos - como o entretenimento -, mostrada de forma genial em "eXistenZ".
Cronenberg em nenhum momento pensa em desacelerar quando seu objetivo é o choque. Sua direção firme, porém, impede que os elementos em "Crimes of the Future" sejam apresentados de forma vulgar ou gratuita. Existe uma certa falta de cuidado em lapidar de forma mais clara os elementos políticos, mas não chega a comprometer sua visão.
Porque é justamente isso que "Crimes of the Future" oferece: um autor veterano, calejado em todos os lados da trincheira da indústria, executando sua visão artística sem nenhum compromisso a não ser com a própria história. Não é exatamente uma tarefa fácil ou um produto de fácil digestão. Nem é para ser: estamos falando de David Cronenberg.
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