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Roberto Sadovski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Thor, Batman, The Boys: Por que, afinal, gostamos tanto de super-heróis

Chris Hemsworth em "Thor: Amor e Trovão" - Marvel
Chris Hemsworth em 'Thor: Amor e Trovão' Imagem: Marvel

Colunista do UOL

17/07/2022 06h29

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Essa semana um amigo levou o filho de 8 anos ao cinema. O filme era "Thor: Amor e Trovão", a mais nova peça do universo cinematográfico que a Marvel construiu ao longo de pouco mais de uma década. "Não é tão bom", avisei.

Depois da sessão ele me ligou, entusiasmado. Fã de quadrinhos, achou a aventura de Taika Waititi divertida, um pouco desconjuntada, mas um pedaço digno de entretenimento. Perguntei de seu filho. "Ele adorou, o cinema estava cheio de crianças, todos aplaudiram no final!", contou.

A conclusão não é complicada. Todo esse papo de coerência, de o filme ser mais uma comédia e menos uma aventura do Thor, de a Marvel precisar recarregar as baterias, evapora quando encontra o mundo real. A julgar pelo sucesso deste novo "Thor", o público quer mesmo super-heróis. O mundo, mais do que nunca, precisa de super-heróis.

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Christopher Reeve em 'Superman, o Filme'
Imagem: Warner

É um fascínio à prova de modas, à prova de críticos, à prova de cínicos. A cultura pop do século 21 nunca esteve tão abarrotada de personagens fantásticos que combatem o mal usando fantasias coloridas. Se há alguns anos o entusiasmo ficava por conta do leitor de HQs, hoje a empolgação não tem idade, gênero ou tribo.

Demorou, por sinal, para que os super-heróis ganhassem tanto relevo. Em 1978, "Superman, o Filme" foi um sucesso e reacendeu o interesse pelo Homem de Aço. Poucos personagens, entretanto, seguiram a trilha.

Em 1989 foi a vez de "Batman", que Tim Burton transformou em fenômeno e disparou a produção de outros filmes baseados em heróis dos gibis. Nenhum, porém, de "Dick Tracy" a "Rocketeer" a "O Corvo", fez tanto barulho. Parecia que personagens de gibis seriam objeto de sucessos ocasionais. E só.

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Karl Urban como Billy Bruto, o herói improvável de 'The Boys'
Imagem: Amazon Prime Video

Foi em 2002, com o lançamento de "Homem-Aranha", que as peças se alinharam. A cultura pop e o cinema fantástico ganhava mais e mais adeptos, especialmente depois de "Matrix". A tecnologia também alcançara a imaginação dos criadores de HQs, tudo que era desenhado no papel podia ser traduzido para o cinema.

Há duas décadas, portanto, os super-heróis ocupam lugar de destaque em mídias fora das páginas dos gibis. Só esse ano, além de "Thor: Amor e Trovão", a Marvel entrou em cena com "Doutor Estranho no Multiverso da Loucura" e abriu seus horizontes no streaming com "Cavaleiro da Lua" e "Ms. Marvel".

Não parou por aí. "Batman" ganhou um reboot pelo diretor Matt Reeves que, com Robert Pattinson no papel do Cavaleiro das Trevas, alcançou um público que foi além dos fãs. Para sair das grandes editoras, o grande fenômeno da temporada foi "The Boys", série proibida para menores que desconstrói a ideia dos super-heróis ao mesmo tempo em que se aproveita de sua estrutura. A turma fantasiada e super poderosa chegou para ficar.

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O escritor Grant Morrison via a Liga da Justiça como um panteão de deuses modernos
Imagem: Reprodução/DC Comics

Em 2017, a universidade de Kyoto, no Japão, conduziu um estudo que atestou que os humanos são atraídos por figuras heroicas antes mesmo de aprender a falar. A pesquisa exibiu para crianças a partir dos seis meses de idade um vídeo em que um objeto perseguia e batia em outro. Um terceiro observava de longe.

Em uma das versões, este terceiro interferia e impedia a colisão. Em outra, uma versão diferente do terceiro nada fazia. Ao mostrar brinquedos das figuras, as crianças eram imediatamente atraídas ao que salvava o dia. O estudo ia além, com cenários que mostravam que crianças, mesmo as muito jovens, possuem um sentido de justiça desenvolvido desde cedo.

Super-heróis são a representação moderna dessesentimento. Podemos assumir inclusive que eles são substitutos para figuras divinas da antiguidade. O escritor Grant Morrison, por exemplo, foi explícito ao comparar a Liga da Justiça, título que ele escreveu na virada do século, com o panteão dos deuses gregos. Os heróis, que viviam em uma torre na lua, seriam entidades inalcançáveis que nos guardavam do alto.

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Tobey Maguire em 'Homem-Aranha 2'
Imagem: Sony

Histórias mais modernas, como "The Boys" ou o clássico "Watchmen", trazem os conceitos de heróis e heroísmo virados ao avesso. Ainda assim, as figuras de uniforme colante demonstram, de forma fantástica e hiper realista, a diferença entre o certo e o errado. São personagens, sim, que provocam admiração e despertam inspiração.

Em "Homem-Aranha 2", que Sam Raimi dirigiu em 2004, é a tia May, interpretada por Rosemary Harris, quem melhor define a importância de um herói. Num momento em que Peter Parker (Tobey Maguire) questiona se ele deve continuar sua jornada como o herói, são as palavras certas no momento certo.

"Crianças precisam de um herói. Corajosos, pessoas que não hesitam em se sacrificar por nós, dando o exemplo para todos nós", ela diz. "Todo mundo adora um herói. As pessoas fazem fila por eles, torcem por eles, gritam seus nomes. Anos depois, elas dirão como ficaram na chuva por horas por um vislumbre daquele que os ensinou como ser firme por mais um segundo."

Peter ouve com atenção enquanto ela conclui: "Eu acredito que existe um herói em cada um de nós, que nos mantém honestos, nos dá força, nos mantém nobres e finalmente permite que a gente morra com orgulho, mesmo que às vezes precisemos ser firmes e abrir mão daquilo que mais queremos. Mesmo nossos sonhos". Tia May sabe das coisas.