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'Não! Não Olhe!': Jordan Peele combina terror e espetáculo em novo acerto
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Bruce, a engenhoca usada por Steven Spielberg em "Tubarão", era um desastre. Sem funcionar direito ao longo das filmagens, o diretor teve de usar o poder da sugestão, uma combinação de direção, montagem e trilha sonora, para materializar o perigo constante da presença do tubarão assassino.
É irônico perceber que um equipamento defeituoso ajudou o diretor a criar um espetáculo de tensão crescente, que amplificou o impacto da revelação do animal já no clímax da aventura. O acaso se tornou linguagem cinematográfica, vocabulário recorrente a cineastas em busca de reproduzir esse tipo de magia.
Em "Não! Não Olhe!", Jordan Peele se mostra discípulo dedicado do estilo de cinema imortalizado por Spielberg. Seu novo trabalho é um espetáculo de terror e deslumbre, uma ficção científica original que inova mesmo trilhando caminhos familiares. Um filme que tem muito a dizer em suas entrelinhas. Tudo isso sem peças que não funcionam.
Poucos diretores no cinema moderno conseguem mobilizar uma fatia significativa de público somente com seu nome. Quentin Tarantino é o exemplo mais gritante. Wes Anderson dialoga com um recorte fiel de admiradores. Christopher Nolan possui uma assinatura poderosa, mesmo depois de "Tenet".
Jordan Peele, por sua vez, firmou-se na TV do começo do século como uma nova voz do humor, equilibrando o trabalho no programa "Mad TV" com papéis esporádicos em séries de TV ("Reno 911!", "Modern Family", "Fargo") e no cinema ("Entrando Numa Fria Maior Ainda com a Família", "Viajar É Preciso").
Em 2017 ele estreou como diretor em "Corra!", um filme de terror psicológico com grandes doses de comédia ácida. Seu texto brilhante, que não se furtava do comentário social, foi traduzido em uma obra que logo tornou-se um dos filmes mais importantes do cinema moderno. Com "Corra!", Peele se revelou um cineasta que não só abundava ideias, mas tinha habilidade em transformá-las em espetáculo.
"Nós", que ele lançou em 2019, navegou por temas semelhantes à sua obra de estreia. Mesmo com sucesso comercial equivalente, o filme não chegou perto do impacto cultural de "Corra!". Hollywood, como M. Night Shyamalan pode atestar, exige excelência constante de seus garotos prodígio.
Se essa sombra acompanhou Jordan Peele ao criar "Não! Não Olhe!", ele a disfarça com habilidade e elegância. Ao usar as convenções do terror e da ficção científica como base, o diretor cria um trabalho sofisticado amarrado por ideias grandiosas. Em nenhum momento, porém, essas ideias atropelam sua narrativa.
Até porque "Não! Não Olhe!" é um filme sobre cinema. É, também, uma subversão esperta da linguagem que Spielberg traçou há décadas com "Tubarão": em vez de se livrar de uma ameaça fatal, a solução do mistério pode ser o caminho para fama, fortuna e para uma vida menos cinza. Os riscos, no caso, valem a aposta.
É o peso que vai na balança dos irmãos OJ (Daniel Kaluuya) e Emerald (Keke Palmer), que treinam cavalos para produções em Hollywood. Eles se recuperam de uma tragédia - a morte bizarra de seu pai seis meses antes - quando descobrem uma presença assustadora e fascinante no céu acima de seu rancho.
O fenômeno alienígena, embora assustador nas noites a céu aberto, é igualmente convidativo como uma curiosidade a ser registrada, embalada e vendida. É o mesmo pensamento do dono de um parque temático vizinho ao rancho, Jupe Park (Steven Yeun), que enxerga o tal objeto como parte de seu próprio espetáculo e do qual ele pode lucrar.
A revelação da natureza dessa presença de outro mundo é material para Peele traçar um paralelo sobre como a indústria do entretenimento, a mesma em que "Não! Não Ollhe!" se encaixa, é construída sobre apropriação e consumo do que nos parece exótico e intrigante. É o comentário social habilmente costurado em símbolos, nomes e temas espalhados em cada fatia do filme.
O que diferencia "Não! Não Olhe!" dos outros trabalhos de Peele é, portanto, seu escopo. Longe dos ambientes claustrofóbicos de "Corra!" e "Nós", a ação aqui é grandiosa, arquitetada em locações em que o elemento humano parece minúsculo. A semelhança com o tom e o estilo de "Contatos Imediatos do Terceiro Grau" - sim, Spielberg mais uma vez - não é ao acaso.
Muito se falou há alguns anos da "caixa do mistério" do diretor J.J. Abrams. Mais do que um recurso narrativo, a determinação em manter segredo de todos os elementos de seus filmes, de "Super 8" a seus flertes com as séries "Star Trek" e "Star Wars", tornou-se ferramenta de marketing. A hiper valorização do mistério, porém, podia terminar em frustração.
Jordan Peele, assim como Abrams ou Shyamalan, corria o risco de se tornar refém de sua própria disposição em fazer de seus filmes um enigma a ser desvendado. "Não! Não Olhe!" é esperto ao tirar o foco do mistério em si, concentrando-se em seu(s) significado(s) e em como ele impacta cada personagem. Nada é ao acaso. Como resultado, e com total entrega, não conseguimos desviar o olhar.
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