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'Samaritano': Filme de super-herói com Stallone é um desastre honesto
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Sylvester Stallone não é muito chegado em se divertir com brinquedos alheios. Ao perceber que heróis fantasiados seriam a força motriz da indústria do entretenimento do novo século, o astro flertou com a Marvel ("Guardiões da Galáxia Vol. 2") e com a DC ("O Esquadrão Suicida") antes de investir em um super para chamar de seu.
O resultado é "Samaritano", aventura que coloca Stallone como um herói aposentado que ganha uma nova chance de redenção. O diretor Julius Avery ("Operação Overlord") até rabisca uma mitologia que, como manda o figurino, pode ser ampliada no futuro. O problema é que o filme não colabora para garantir qualquer futuro para essa versão super poderosa do astro.
Dizer que "Samaritano" é derivativo seria chover no molhado. Não existe uma vírgula no roteiro de Bragi F. Schut que não seja canibalizada de um filme melhor. Existe o protagonista relutante ao estilo "Corpo Fechado", a condução da trama sob o olhar de um garoto invocado como em "O Exterminador do Futuro 2", e até o justiceiro combalido que só quer ser esquecido, espelhando "Logan".
Apesar do carbono elegante, o filme que mais se aproxima da proposta de "Samaritano" é o desastroso, pouco visto e já esquecido "RoboCop 3". A Detroit futurista é aqui substituída pela igualmente cinza Granite City, em que gangues imperam, a lei cruza os braços e os oprimidos se viram para passar mais um dia em um único pedaço.
A comparação com a aventura dirigida em 1993 por Fred Dekker, infelizmente, é precisa. Assim como o terceiro filme com o Policial do Futuro, uma produção caidaça que mal consegue disfarçar o orçamento de uma pinga e duas paçocas, "Samaritano" tem jeitão de filme B do começo dos anos 1990. O tipo de produto que facilmente traria Jean-Claude Van Damme, e não Sylvester Stallone, como protagonista.
Como "Samaritano" explica já em sua abertura, dois irmãos gêmeos, dotados das mesmas habilidades sobre-humanas, deixaram sua marca na cidade décadas atrás. Se Samaritano era o herói abnegado, Nêmesis era o maestro do caos. Os dois finalmente se enfrentaram em uma batalha definitiva e, após uma explosão devastadora, nunca mais foram vistos.
Corta para vinte anos depois, e o crime em Granite City atinge índices alarmantes. Mais ainda: uma nova geração de criminosos, liderada pelo carismático Cyrus (Pilou Asbæc), acredita ser herdeira da "missão" de Nêmesis. Eles espalham o símbolo do vilão lendário e enxergam em sua luta contra o "sistema", mesmo com toda a violência, uma missão justa.
É nesse cenário desolador que encontramos Sam (Javon Walton), o estereótipo do adolescente que sofre bullying, não conhece o pai e vive sozinho com a mãe batalhadora. Por motivos totalmente aleatórios, Sam desconfia que seu vizinho, Joe Smith (Stallone), um sujeito recluso que trabalha reciclando lixo, seria na verdade um herói lendário, escondido à plena vista.
Fica evidente que o sangue nos olhos que Julius Avery trouxe a "Overlord" foi amenizado como diversão ligeira para o público movido a algoritmo. Não existe uma linha narrativa, e sim recortes que cabem num vídeo de TikTok. São explosões, batalhas e frases feitas que simulam uma história, mas não passam de intensidade juvenil fajuta.
Nada que seja, portanto, muito diferente de boa parte da produção encabeçada por Stallone nos anos 1990. Já estabelecido como astro como Rocky ou Rambo, o astro se divertiu em filmes que não raramente o colocavam como um sujeito sobre humano. Bobagens como "O Demolidor" ou "O Juiz", entretanto, tinham a vantagem de ser um retrato dos excessos de seu tempo.
"Samaritano" traz a mesma energia, com a diferença que o sujeito casca grossa que Stallone se especializou em interpretar agora pode encarar os vilões de frente, sem temer tiros ou facadas. Cada soco projeta seus adversários pelo ar. Um atropelamento pode arrebentar seus ossos, mas nada que uns minutinhos (e bastante água) não consertem. Não espere, entretanto, efeitos especiais de ponta: o orçamento magrinho garante um grande quebra-pau de super-herói e olhe lá!
A disposição de Sylvester Stallone, que aos 76 anos não se furta em manter-se como astro de ação ("Os Mercenários" tem um quarto filme a caminho), é a boia que mantém "Samaritano" flutuando. Ele repete aqui o mesmo sujeito silencioso com raiva reprimida e passado trágico (a reviravolta do texto é mais batida que massa de pão) mostrado à exaustão em seus filmes.
A profundidade do personagem, porém, não vai muito além. Sly até pode se enganar ao encarar o filme como uma alegoria sobre luta de classes, ou mesmo sugerir um drama mas vultoso sobre redenção. Mas está evidente que a intenção aqui é entrar no jogo dos super-heróis e, quem sabe, se divertir um pouco no processo.
Quer saber? Dada a escala do projeto, até que funciona. Planejado inicialmente para um lançamento em tela grande, "Samaritano" caiu por entre as frestas da aquisição da MGM pela Amazon e terminou como produto com grife para o streaming.
Sem a responsabilidade de encher cinemas, Stallone tem mais chance de encontrar seu público. Em casa, afinal, somos menos exigentes. Sejamos justos: "Samaritano" não é "Pare! Senão Mamãe Atira". Estamos no lucro.
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