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Roberto Sadovski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Os Anéis de Poder' é um retorno digno ao mundo de 'O Senhor dos Anéis'

Morfidd Clark é Galadriel em "O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder" - Amazon Prime
Morfidd Clark é Galadriel em 'O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder' Imagem: Amazon Prime

Colunista do UOL

02/09/2022 04h00

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Não existe nada na TV que se compare em escala ou ambição a "O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder". Nada. A série que retoma o mundo imaginado por J.R.R. Tolkien busca ser um épico de fantasia tão empolgante e mágico quanto os filmes capitaneados por Peter Jackson duas décadas atrás.

Se a estreia da série ainda não alcança a grandiosidade da trilogia que redefiniu a fantasia na cultura pop moderna, "Os Anéis de Poder" ao menos já coloca no tabuleiro as peças que traçam esse caminho. É uma jornada árdua, que ainda precisa ser lapidada, mas que também surge cheia de esperança.

A primeira boa decisão dos criadores de "Os Anéis de Poders", J.D. Payne e Patrick McKay, foi injetar elementos familiares o suficiente para nos situar mais uma vez na Terra-Média, ao mesmo tempo em que desenham uma trama que não entra em choque com a história que já acompanhamos.

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Bronwyn (Nazanin Boniadi) e Arondir (Ismael Cruz Córdova) são o melhor deste começo de 'Os Anéis de Poder'
Imagem: Amazon Prime

Ambientada alguns milênios antes de Bilbo Baggins encontrar o Um Anel, ou de Frodo partir em sua jornada para sua destruição ao lado da Sociedade do Anel, a série traz ao menos um ponto de interseção: a elfa Galadriel. Mostrada no filme de 2001 como uma semideusa defendida por Cate Blanchett, ela aqui é uma guerreira em busca de vingança, agora com voz e corpo de Mortydd Clark.

É com ela que a história começa, narrando a guerra entre elfos e o senhor do mal Morgoth. O conflito clama a vida de seu irmão, e Galadriel empreende nos séculos seguintes uma busca infrutífera pelo discípulo de Morgoth, o poderoso Sauron. Com a relativa paz na Terra-Média, e sem vestígios do mal, os elfos decidem pendurar o chapéu e encerrar sua vigília, mesmo sob protestos de Galadriel.

É o gatilho para "Os Anéis de Poder" apresentar aos poucos seus núcleos e personagens. Além de Galadriel, outro nome familiar é o de Elrond (Robert Aramayo). Longe de ser o líder interpretado por Hugo Weaving nos filmes de Jackson, ele aqui ainda é um aprendiz, um observador que se coloca ao lado da amiga, mesmo discordando de sua convicção.

O passeio por elementos familiares continua com os Pés Peludos, povo precursor dos hobbits (que ainda não existem na época em que a série é situada), com anões (aqui, sim, os senhores de reinos fulgurantes construídos dentro de cavernas) e com os humanos. Estes últimos, pobres e derrotados, não lembram em nada a nobreza de seus descendentes.

É no mundo dos homens que surge o núcleo mais interessante de "Os Anéis de Poder". Desprezados por sua colaboração com Morgoth séculos atrás, as tribos humanas vivem sob vigília de elfos, o que cria uma animosidade entre as raças. Isso não impede que surja uma conexão entre Arondir (Ismael Cruz Córdova), elfo estoico e reservado, e Bronwyn (Nazanin Boniadi), uma curandeira.

Sua relação se estreita quando, mesmo depois que os elfos decidem encerrar sua proximidade forçada com os humanos, sinais de um mal ancestral começam a se espalhar pela terra, envenenando animais, revelando fragmentos de armas usadas pelo lado mais sobrio da guerra, e trazendo os famigerados orcs de volta aos holofotes.

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Opa. um orc!
Imagem: Amazon Prime

A proeminência do "núcleo" defendido por Arondir e Bronwyn é de explicação simples: além da tensão trágica ressaltada com o relacionamento de um elfo e uma humana, eles de fato representam, entre apresentações de povos, terras e costumes, uma narrativa nova no mundo de "O Senhor dos Anéis".

Mesmo inspirada no livro "O Silmarillion", além de anotações e outros documentos de Tolkien, "Os Anéis de Poder" traz uma trama inédita, com muitos personagens criados para a série. O novo torna-se mais atraente mesmo em um mundo fantástico. Além disso, o texto que coloca elfos e humanos em choque é melhor trabalhado que boa parte do roteiro amarrando este começo de série.

Entende-se que Payne e McKay tenham pouquíssima experiência para conduzir um projeto dessa estatura, o que causa um desequilíbrio na narrativa - os diálogos ainda soam pomposos demais e, por vezes, incoerentes e desencontrados. O que mantém este começo de "Os Anéis do Poder" flutuando é a experiência do diretor J.A. Bayona, que assina os dois episódios iniciais.

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Os elfos e a escopo assombroso de 'Os Anéis de Poder'
Imagem: Amazon Prime

Assistir a "O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder" é como reencontrar um amigo querido e há muito distante. A conversa pode fluir com o combustível da nostalgia, mas ele definitivamente não é a mesma pessoa. A boa notícia é que, com o tempo, a amizade pode ressurgir com fôlego redobrado.

Existe, por óbvio, um plano intrincado e extremamente ambicioso regendo a nova série. Se falta nesse pontapé inicial a majestade que Peter Jackson conseguiu já na largada quando lançou "A Sociedade do Anel", as peças ao menos estão bem posicionadas e suficientemente intrigantes para justificar uma visita semanal. O segundo episódio, note-se, já é superior ao primeiro!

Temos tempo para nos acostumar que "Os Anéis de Poder" é uma visão diferente para a obra de Tolkien. Mesmo havendo diálogo com os filmes de Peter Jackson (evidentes nas escolhas visuais, óbvia no tema assinado por Howard Shore), aqui são novos personagens para assimilar, outros mistérios para desvendar e um mundo inteiro a ser descoberto. Tudo embalado em uma promessa que, por hora, me deixa cautelosamente otimista.