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Roberto Sadovski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Vizinhos': comédia com Leandro Hassum é onde o humor vai para morrer

Leandro Hassum e Júlia Rabello em "Vizinhos" - Netflix
Leandro Hassum e Júlia Rabello em 'Vizinhos' Imagem: Netflix

Colunista do UOL

03/09/2022 04h00

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Cringe. O termo em inglês, traduzido livremente como "vergonha alheia", esteve em moda uns meses atrás, definindo o conflito de gerações. Se encaixa melhor ainda para aquele tio do pavê, anônimo ou com faixa presidencial, vomitando absurdos com a certeza de estar arrasando. Vale também para piadas sem a menor graça, que no máximo causam desconforto. Vergonha alheia. Cringe.

Ao terminar de assistir a "Vizinhos", filme novinho em folha com Leandro Hassum à frente, eu me peguei encolhido no sofá, pensando em minhas escolhas de vida. Em um ponto, lembrei-me de quando decidi que parte do meu trabalho seria assistir a filmes e tecer uns comentários. Em dias como hoje, imagino que seria menos prejudicial pescar caranguejos no Mar de Bering.

Por que "Vizinhos", sem meias palavras, é um desastre. A exemplo de muitos filmes estrelados por Hassum, é uma colcha de retalhos que empresta ideias, piadas e tramas inteiras de outras comédias. Ok, não espero o pináculo da originalidade em nenhuma comédia boboca. O que busco, contudo, é o básico: que ela seja engraçada.

Achar uma piada que funcione em "Vizinhos", qualquer piada que seja, é tarefa inglória. Perdidos em um roteiro escrito com o joelho, incoerente e histérico, o elenco faz o que pode. Mas é como jogar uma bigorna para quem está se afogando. Não existe nada que se assemelhe a um filme: é simplesmente uma coleção de sketches grosseiros, em que tudo é resolvido na base da gritaria.

Fugir do barulho, veja só, é justamente o mote de "Vizinhos". Walter (Hassum, mais uma vez totalmente desperdiçado), funcionário de uma loja de instrumentos musicais, está prestes a surtar. Antes de suas têmporas pipocarem em um colapso nervoso, ele e sua mulher (papel de Júlia Rabello, que faz o que pode) se mudam para longe da loucura da cidade grande.

Eu só consegui pensar na bolada que a tal loja pagava, já que eles vão morar em um condomínio fechado com mansões por todos os lados. O que joga areia em sua paz e atrapalha seu idílio é seu vizinho, Toninho (Maurício Manfrini), uma variação do papel batido do "suburbano surtudo", que promove de festas barulhentas até o ensaio de uma escola de samba em seu cafofo. Walter, não preciso dizer, declara guerra.

fencedin briga - Netflix - Netflix
Maurício Manfrino e Leandro Hassum são vizinhos em pé de guerra
Imagem: Netflix

Se "O Candidato Honesto" era uma cópia carbono de "O Mentiroso", e o recente "Tudo Bem no Natal Que Vem" pincelava sem dó "Click", "Vizinhos" constrói seu conflito com a mesma energia de... errr... "Vizinhos", em que Seth Rogen e Zac Efron travaram batalha semelhante em 2014.

Até podemos defender que uma ideia, especialmente em comédias, pode ser reinterpretada, reconfigurada e adaptada com um verniz zero bala. O que não tem justificativa, de forma alguma, é o resultado não causar nenhuma alteração nos músculos faciais. "Vizinhos" faria vergonha se fosse exibido numa reunião de elenco de, sei lá, "Bang Bang".

O Brasil possui uma longa tradição de comédias populares, de Oscarito aos Trapalhões, até o trabalho de Paulo Gustavo. Ser "popular", no entanto, não pode ser sinônimo de caretas e histeria. Descobrir quem grita mais alto não é engraçado. Ancorar-se nos piores estereótipos não é engraçado. "Vizinhos", adivinhe, não é engraçado. Vergonha alheia. Cringe.