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Novo 'Homem-Aranha' volta aos cinemas como mau exemplo de versão estendida
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Poucas vezes o cinema viveu uma entressafra entre a temporada do verão americano e o respiro das produções do fim do ano tão árida. Sem os filmes-evento que geralmente lotam as salas, os estúdios tiveram de ser criativos para manter a roda girando.
"Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa" foi o maior filme do ano passado. A aventura do herói da Marvel é a sexta maior bilheteria da história e a segunda maior aqui no Brasil. Fez barulho ao juntar os três intérpretes do herói em um só filme e deu fôlego ao mercado, ainda combalido com a pandemia de Covid.
Esse retorno ao cinema não traz exatamente o mesmo filme que estreou em 2021. É uma versão estendida arquitetada para celebrar os 60 anos da criação do herói nos gibis e traz cerca de treze minutos de material inédito. É também um filme que existe unicamente como peça de marketing: a gordura extra não faz absolutamente nenhuma diferença.
Versões estendidas de filmes famosos não são nenhuma novidade. Boa parte delas são montagens do próprio diretor, que por vezes ganha o direito de voltar à sua obra e cutucar coisas que não lhe agradaram na primeira rodada.
Na maioria das vezes, uma versão do diretor melhora o filme original. Frequentemente os cortes em uma produção são imposição do estúdio para diminuir sua metragem e aumentar o número diário de sessões. Quando recolocadas seguindo a visão de um cineasta, as cenas recuperadas podem deixar um filme mais claro.
Ridley Scott, por exemplo, sofreu quando seu "Cruzada" foi retalhado antes de chegar aos cinemas. A versão estendida lançada posteriormente para o mercado de home video deixou o épico menos truncado.
O próprio Scott viu seu "Blade Runner", de 1982, ser relançado uma década depois com uma narrativa mais próxima do que ele originalmente planejara - a narração em off do personagem de Harrison Ford, por exemplo, rodou. A versão final do clássico de ficção científica foi finalmente terminada em 2007.
Recentemente Francis Ford Coppola reorganizou a montagem do elemento mais fraco na trilogia "O Poderoso Chefão" e terminou com um produto claramente superior. "Coda: A Morte de Michael Corleone", uma versão até mais enxuta do que o filme lançado em 1990, é também muito mais digna.
Nem sempre, contudo, mexer em filmes consolidados é um bom caminho. O próprio Coppola relançou outra obra-prima, "Apocalypse Now", como uma versão restaurada em 2001, três décadas depois do lançamento do original, batizada "Redux".
Os quase 50 minutos de cenas reinseridas na metragem do longa recuperam sequências que quebram o ritmo do filme. Não contente, em 2019 o diretor voltou ao épico com um "corte final" e limou 20 minutos da versão "Redux". O banho de loja com a restauração em 4K ficou uma beleza. Mas, na dúvida, fique com o original.
James Cameron é outro cineasta que gosta de "dar um tapa" em seu trabalho. Sua versão estendida de "Aliens - O Resgate" recupera elementos que ampliam a tensão da aventura. "O Segredo do Abismo", de 1989, teve uma cena grandiosa inserida em sua edição especial em DVD que aumenta o escopo de sua trama ecológica.
Já "O Exterminador do Futuro 2" ganhou uma versão do diretor que, se em nada acrescenta à trama, traz ao menos uma grande cena que usa até a irmã gêmea da atriz Linda Hamilton como eleito especial.
O Santo Graal das edições estendidas ainda é a trilogia "O Senhor dos Anéis". Peter Jackson criou um épico o mais fiel possível ao texto original de J.R.R. Tolkien, mas teve de tesourar os filmes por conta de sua metragem absurda. As versões do diretor, lançadas posteriormente em blu ray, são de longe a melhor forma de mergulhar no épico. Se for assistir, reserve um fim de semana folgado para quase 15 horas de aventura.
Existe uma linha tênue entre a empreitada artística e o verniz caça-níqueis quando o assunto são versões estendidas. É válido um autor ter o direito de retomar sua obra e lapidar sua visão original, que tenha sido tolhida de alguma forma em sua primeira visita aos cinemas. O outro lado são edições especiais que não passam de peça de marketing destinadas unicamente a arrancar alguns trocados de fãs mais entusiasmados.
Não existe, portanto, um único cenário, bom ou ruim. É impossível generalizar, e cada versão deve ser observada por seus próprios méritos. De qualquer forma, eu ainda sou partidário do autor, mesmo que o resultado possa ser decepcionante como as edições especiais de "Star Wars", ou meramente um afago no ego como a "Liga da Justiça" de Zack Snyder.
É justo "Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa" voltar aos cinemas como parte da celebração do aniversário do herói. Sua versão estendida não traz a pretensão de substituir o filme lançado praticamente anteontem, sendo um mimo curioso e inofensivo para os fãs mais inflamados.
Por outro lado, é também um grande exemplo de que, ao mexer em um filme consolidado, o maior risco é ter mais do mesmo como resultado. Várias versões estendidas merecem uma espiada, como "Era Uma Vez na América", "O Exorcista" e, vá lá, "Waterworld". "Homem-Aranha: Sem Volta Para Casa"? Se a louça estiver brilhando em sua pia, vai nessa.
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