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Roberto Sadovski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Moonage Daydream: David Bowie ressurge em celebração de inspiração e beleza

A vida de David Bowie é celebrada com som e imagem em "Moonage Daydream" - Universal
A vida de David Bowie é celebrada com som e imagem em 'Moonage Daydream' Imagem: Universal

Colunista do UOL

15/09/2022 04h00

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"Se não houver outra razão, é sempre algo excepcional ouvir a música de Bowie." Logo no começo de minha conversa com Brett Morgen, diretor de "Moonage Daydream", o papo convergiu para os fãs que, antes mesmo de o filme chegar aos cinemas, reclamavam de uma ou outra ausência biográfica.

Uma bobagem que só seria compreensível se "Moonage Daydream" fosse uma biografia formal do gênio musical que partiu do planeta em 2016, deixando um dos legados mais espetaculares da cultura pop. Não é o caso. O filme de Morgen vai além do documentário, além da biografia. Além do esperado.

Ao ter acesso ao imenso arquivo do músico, o diretor construiu uma odisseia cinematográfica de som e imagens que traça um mosaico de emoções ao acompanhar as diversas fases das mais de cinco décadas de carreira de Bowie. "Moonage Daydream", ao contrário de filmes musicais mais tradicionais, não oferece respostas. Em vez disso, nos faz prestar mais atenção às perguntas.

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'Moonage Daydream' é uma experiência sensorial única
Imagem: Universal

"Eu comecei a trabalhar com a ideia de não fazer uma biografia, inserindo o mínimo de informação bibliográfica para clarear a narrativa", conta Morgen, que assinou os docs "Cobain: Montage of Heck" e "The Rolling Stones: Crossfire Hurricane". "O que me pegou completamente despreparado foi perceber que o filme se tornaria uma espécie de mapa sobre como experimentar a vida de forma tão rica e tão completa, exatamente como David teve."

"Moonage Daydream" é uma colagem febril e vigorosa de uma vida retratada em momentos, com narração do próprio Bowie. Ao longo da jornada, vemos como ele surgiu na Londres dos anos 1960 já como um artista completo, evoluindo em uma nova criatura ao longo dos anos, escrevendo e redefinindo os próprios conceitos da cultura pop.

Cada transformação, cada revolução, não partia das engrenagens do sistema corporativo que move o mundo da música mercadológica: a mente de Bowie de fato operava em uma frequência que enxergava o amanhã. "Moonage Daydream" captura, de forma abstrata e inebriante, como ele transformou essa visão em arte.

Para traduzir esse sentimento em cinema, Brett Morgen precisou construir um vocabulário visual capaz de dar sentido ao ataque sensorial em suas mãos. "Eu fui para a sala de edição não só com a arte de David como ferramenta, mas também com a arte que o inspirou", explica. "Busquei então a liberdade para usar cada fragmento, como filmes e peças intrínsecas à sua formação, como os tijolos que formam o filme."

Outra decisão artística que ajudou Morgen a dar forma a "Moonage Daydream" foi encarar tudo que Bowie fazia como uma performance. "Eram suas aspas, seus momentos como artista", continua. "Ele faz uma performance quando dá entrevistas. É uma performance no palco, é uma performance em 'O Homem Que Caiu na Terra', é uma performance nos documentários."

Ao enxergar o trabalho de Bowie como uma atuação, Brett Morgen se sentiu livre para usar imagens de "O Homem Que Caiu na Terra", filme dirigido por Nicolas Roeg, não como Bowie atuando, mas como um registro do artista capturado nesse momento específico. "Cada pedaço de 'Moonage Daydream' foi trabalhado assim", ressalta. "Esse foi o pacto que eu fiz com o público para entrelaçar a vastidão do material."

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Brett Morgen, diretor de 'Moonage Daydream'
Imagem: Reprodução

Seria muito fácil fazer de "Moonage Daydream" um desfile das canções de David Bowie, entrecortadas por imagens do astro. Não seria, contudo, condizente com sua a própria natureza inconformista. Sua música não pode ser desassociada como meio de expressão de sua vida e sua arte. O que Brett Morgen captura, entretanto, é que ela não foi não a única.

O maior triunfo de "Moonage Daydream" é usar a imersão visual e sonora para apontar o norte criativo que guiava Bowie. O que emerge da cacofonia criativa é um vibrante manual musical contemporâneo, um caminho celebratório que embala o público na complexidade da mente criativa de um gênio. É como se o próprio Bowie conduzisse a mão de Morgem ao pintar sua própria vida.

O retrato trazido por "Moonage Daydream" é, por fim, de reverência e celebração. De revelação e mistério. Não precisamos entender por que David Bowie foi esse colosso de inspiração e beleza, basta saber que ele foi. Basta sentir. Qualquer tentativa de explicar este sentimento seria um exercício em futilidade. "Se não houver outra razão, é sempre algo excepcional ouvir a música de Bowie."