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'Santo' leva Bruno Gagliasso a enfrentar seus demônios mais profundos
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Em uma cena de "Santo", o policial federal Ernesto Cardona assiste, em absoluto terror, o vídeo de um ritual de sacrifício que envolve desmembramento e loucura. O que o faz entrar em desespero é perceber que o protagonista da cerimônia, coberto de sangue e espumando como um animal, é ele mesmo.
Descer nessa espiral de extremos e testar seus próprios limites foi um dos motivos que levaram o ator Bruno Gagliasso a encabeçar a série "Santo", co produção do Brasil e Espanha para a Netflix rodada em Madrid e em Salvador, com direção de Vicente Amorim.
"É um risco que eu queria correr", conta Gagliasso, que faz aqui sua estreia em uma série para a plataforma de streaming. "O que me pegou foi o roteiro e as possibilidades que ele abre para o personagem. Existe um canto habitado pela loucura, pelo erro, pelo extremo, e é para lá que eu quero ir."
"Extremo" é uma boa palavra para descrever "Santo". O ponto de partida é uma trama policial em que dois agentes da lei, um Brasileiro (o próprio Bruno) e um espanhol (interpretado por Raúl Arévalo), precisam trabalhar juntos para descobrir a identidade do traficante que batiza a série.
O que se desenrola, entretanto, é uma trama que envolve fanatismo religioso, perda de identidade, rituais macabros e violência - você já adivinhou! - extrema. Estamos falando aqui de crianças desmembradas e assassinatos em massa, entre outros mimos.
"A violência é parte da narrativa e não existe para chocar, e sim para alavancar a história", explica Vicente Amorim, que assinou filmes ecléticos como "O Caminho das Nuvens", "Corações Sujos" e, recentemente, o thriller "A Princesa da Yakuza". "O roteiro faz com que todos os momentos de violência extrema abram uma nova janela para o personagem."
Talvez essa abertura seja menos uma janela e mais um fosso, no qual personagens já acostumados com o rigor da agressividade urbana se perdem para encarar seus próprios demônios. A barra pesa mais, por sinal, quando "Santo" escolhe não mostrar, e sim sugerir, o destino sangrento de seus participantes.
"É um buraco que revela vários círculos do inferno pessoal de cada um", teoriza Amorim. "Quando a cena não é explícita, cabe a cada um de nós preencher a lacuna, o que sugere nosso próprio demônio interior e nos conecta ainda mais com o personagem do Bruno."
O ator já havia interpretado um personagem intenso em "Marighella", filme de Wagner Moura em que ele faz um policial que, durante a ditadura militar brasileira, não se furtava em torturar seus prisioneiros. Em "Santo", contudo, o ator acredita ter encarado uma preparação ainda mais difícil.
"O Cardona me levou a um lugar mais assustador porque ele tem camadas que nem ele consegue entender", diz Gagliasso. "Cada vez que desce para seu inferno particular, ele se torna outro personagem. É impossível encarar coisas que sua mente esqueceu que você fez e permanecer o mesmo."
A aflição experimentada por Cardona é costurada de forma habilidosa na narrativa. "Santo" é contado de forma não linear, com a ação separada não só por um oceano em continentes diferentes, mas também em linhas temporais diversas. É uma opção dramática que pode embaralhar a percepção no primeiro episódio, mas que torna-se envolvente até o final explosivo.
A possibilidade de trabalhar com equipe e elenco internacional reflete o bom momento do audiovisual mundial. Mesmo assim, Amorim ressalta que "Santo" tem em seu DNA elementos impossíveis de ser desassociados dos costumes e do comportamento do Brasil e da Espanha. Não seria, portanto, o caso de uma história, do modo como ela é contada, facilmente refilmada em outros países.
O melhor da experiência, contudo, é posicionar o Brasil como peça indispensável no tabuleiro do streaming global. "Senti a equipe, especialmente o elenco, curiosos e interessados sobre nossa produção", lembra Gagliasso. "Eles conheciam filmes específicos, haviam visto 'Marighella', e deixavam clara a vontade de trabalhar aqui."
O atual momento político partidário também acena para um novo respiro na produção cultural brasileira. "Talvez isso não se aplique especificamente a 'Santo', que tem seu próprio recorte e sua própria realidade", conclui Amorim. "Mas deixando a série de lado, e falando da cultura em geral, eu sinto que a gente está pronto para um reboot."
Pergunto a Bruno Gagliasso, que traz a percepção de um ator de personagens mais intensos, se não seria hora de despressurizar e encarar uma comédia romântica. "Eu fiz uma com o Pedro Amorim, irmão do Vicente, 'Mato Sem Cachorro', que era uma bela história", diverte-se o ator. "E boas histórias são o que quero deixar de legado para meus filhos. Hoje o que eu faço é por eles, para eles e quero que eles tenham orgulho do que eu fiz."
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