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Jamie Lee Curtis, de 'Halloween Ends': 'Filmes de terror não são para mim'
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Jamie Lee Curtis está levemente contrariada. Ela começa a maratona de entrevistas para "Haloween Ends" e encontra, em vez de um jornalista de carne e osso, um monitor. "Se eu soubesse nem teria saído do quarto", diverte-se. Nestes novos tempos em que o mundo virou ao avesso, improvisar é essencial.
Foi mais ou menos de improviso que a atriz, hoje com 63 anos, conseguiu seu primeiro papel no cinema. Depois de fazer algumas pontas em séries de TV, Jamie Lee foi escolhida em 1978 para ser a protagonista de um filme de terror de baixo orçamento, "Halloween". Ela sequer atravessou um processo seletivo: o produtor a escolheu por sua herança.
Jamie Lee Curtis é, afinal, da realeza cinematográfica, filha de Tony Curtis e de Janet Leigh. Colocar à frente de um filme de terror a filha da estrela de "Psicose", de Alfred Hitchcock, foi uma proposta atraente demais para os realizadores de "Halloween", em especial o diretor John Carpenter, pensarem duas vezes.
Sua origem pode ter aberto as portas, mas foi seu inegável talento que a manteve no topo. Primeiro se estabelecendo como a "Rainha do Terror" nos anos 1980, à frente de títulos como "A Bruma Assassina", "Baile de Formatura" e "O Trem do Terror".
Com a comédia "Trocando as Bolas", ao lado de um Eddie Murphy ainda verde e de Dan Aykroyd, Jamie saiu do nicho e aos poucos se consolidou como uma profissional sólida, fosse em projetos independentes, fosse em filmes de autores consagrados, fosse em candidatos a blockbusters.
A sombra de "Halloween", porém, sempre esteve lá. A continuação obrigatória em 1981 poderia ter encerrado esse capítulo em sua carreira. Jamie, porém, retomou a personagem Laurie Strode em 1998 com "Halloween H20", que descambou para um destino boboca quatro anos depois com o desnecessário "Halloween: Ressurreição".
Apesar dos projetos de qualidade rasteira, Jamie Lee ainda enxergava fôlego em Laurie Strode, a final girl original. O termo foi cunhado pela escritora Carol Clover, que nos anos 1990 escreveu o livro "Homens, Mulheres e Motosserras", sobre feminismo e mulheres em perigo
A ideia era denominar as últimas sobreviventes em slasher movies, filmes em que um psicopata elimina com violência um grupo de desavisados. Ao enxergar uma possibilidade evolutiva para a personagem, a atriz retomou o papel em 2018, quando o diretor David Gordon Green passou uma borracha em toda a série, apagando continuações e refilmagens, para contar uma história a partir do terror original de quatro décadas antes.
O filme do meio, "Halloween Kills", chegou aos cinemas em 2021, e agora a saga de Laurie Strode e de Jamie Lee Curtis ante o psicopata Michael Myers chega ao fim com "Halloween Ends". Foi uma despedida agridoce, como você confere na entrevista a seguir.
"Halloween Ends" encerra uma jornada longa e estranha para você. Em retrospecto, você imaginou que Laurie Strode se tornaria parte de sua carreira por tanto tempo?
Não. (risos) Sendo sincera, de forma alguma. Mas eu não acho que as pessoas tenham a habilidade de saber que algo nos afetará para o resto de nossas vidas. Acho que isso acontece aos poucos, com o tempo. Na época eu senti que tive muita sorte pelo simples fato de ter um trabalho! Eu não fazia ideia.
Como foi fazer de Laurie Strode não uma vítima, mas também uma predadora, ao longo dessa nova trilogia?
O motivo pelo qual eu disse sim para o filme de 2018 foi justamente por sentir que ele retratava com precisão o que acontecia a vítimas de violência que experimentam aquele nível de trauma quando elas são inocentes. O roteiro expressava de forma fiel o que acontece quando você não encontra apoio, quando você não tem nenhuma ajuda psicológica, quando ninguém te acompanha no período de luto. Essas ferramentas todas que temos hoje em momentos de crise, coisas que Laurie Strode não teve acesso. Eu fico contente ao perceber a evolução da personagem ao longo dos anos, mas eu não tenho gerência sobre ela... Bom, eu não teria feito o filme se o roteiro fosse outro, mas eu não sou a roteirista, só a intérprete. Eu não determino o destino de Laurie. Eu só o interpreto.
Uma imagem que eu acho interessante ao longo dos novos filmes é a máscara de Michael Myers. Ela parece cada vez mais apodrecida, como se fosse um sinal aparência de deterioração. A impressão é que Laurie não está tão inteira quando parece, mas suas cicatrizes não são tão visíveis. Ela obviamente não é Michael, mas havia alguma linha que você, o diretor e os roteiristas determinaram que ela jamais cruzaria?
Nunca chegamos a discutir algo assim, porque não houve em todo o processo nenhuma imposição com a qual eu não concordasse. É uma série que durou 44 anos... e às vezes dá merda! (risos) As pessoas envelhecem. Michael Myers também envelhece. A máscara é queimada, tentam destruí-la de várias maneiras. Não consigo imaginar algum cenário em que eu discordasse de alguma decisão de David (Gordon Green). Eu sou produtora executiva, mas nesse filme eu não sou a roteirista. Meu trabalho é basicamente fazer o que eles escrevem!
Como foi encerrar de vez sua participação em "Halloween"? Como foi rodar sua última cena?
Minha última cena foi trivial, no sentido da hierarquia do filme. No sentido de sua importância. Foi simplesmente um adeus não só a Laurie, mas também às pessoas que fizeram esses últimos filmes comigo, que se tornaram meus amigos e que não verei mais. Claro que foi um momento emocionante. Até porque eu já estava longe da minha família há um tempo, então significava que eu iria para casa! Veja bem, eu não estou reclamando: é um trabalho emotivo, é uma história emotiva, é um encerramento emotivo de uma experiência que durou 44 anos... E eu finalmente estaria livre para resgatar Jamie, que não é Laurie e que tem sua própria existência criativa e sua vida pessoal. Foi agridoce, como todas as coisas boas da vida.
O cinema de terror, especialmente o slasher movie, evoluiu nos últimos 44 anos. Alguns são diversão descomprometida, outros são um comentário sobre trauma. Para onde você acha que o gênero pode seguir depois de "Halloween Ends"?
Eu não saberia nem como começar a te falar! Eu não tenho interesse no gênero. Não é um estilo que eu presto atenção, não sou especialista. Eu faço parte dele, mais por uma necessidade de meu trabalho do que por afeto ao gênero. Filmes de terror não são para mim. Eu posso, contudo, dizer o seguinte. David Gordon Green concebeu, escreveu e dirigiu uma trilogia de slasher movies. Filmes de terror que envolvem esse maníaco e essa jovem, agora não tão jovem. Ele tinha, porém, algo a dizer com esses filmes. Cada um deles estimula uma conversa social e política profunda.
De que forma?
O filme de 2018 é sobre empoderamento feminino, sobre recuperar o controle da própria vida, coincidindo com o movimento #MeToo. O filme do meio é sobre violência urbana, quando uma comunidade percebe que o sistema está quebrado e busca assumir o poder, em paralelo com o ativismo social que explodiu em todo o mundo, uma resposta à insatisfação com o sistema. Agora esse último filme é tanto sobre o confronto final entre Michael e Laurie quanto uma denúncia sobre o ódio nas redes sociais. A bile que despejamos uns nos outros por meio desses portais, quando cidades inteiras culpabilizam as vítimas em atos de violência. Eu obviamente espero que o gênero aprenda que é possível fazer um filme sobre justiça social, ou uma história de amor, ou qualquer história, inserida em um slasher movie genuíno que possa ter um sucesso financeiro enorme! O gênero pode perdurar contando histórias que precisam ser contadas. E em nenhum momento ele precisa interromper o rio de sangue jorrando pelo chão!
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