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Nem o carisma de Dwayne Johnson sustenta o desastroso 'Adão Negro'
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Dwayne Johnson vem falando há cerca de quinze anos sobre uma "mudança na hierarquia do poder" no universo da DC no cinema. Foi o tempo de maturação entre o astro ser anunciado como protagonista de "Adão Negro" e o filme finalmente ser lançado.
Talvez a aventura precisasse de ainda mais tempo na incubadora. "Adão Negro", que coloca o artista anteriormente conhecido como The Rock no papel do anti-herói de poderes mágicos, deixa a tal hierarquia no mesmíssimo lugar. Pior ainda: o filme é um gigantesco salto para trás, um retrocesso em uma marca que precisa desesperadamente encontrar seu rumo.
Até porque "Adão Negro" é menos um filme, ou o que pode ser considerado um filme, e mais uma mera coleção de ideias, um apanhado das convenções mais rasteiras do que se estabeleceu como "filme de super-heróis". Os itens são riscados um a um, entrecortados por cenas de ação intermináveis e um fiapinho de trama que nem se dá o trabalho de fazer algum sentido.
Há de se admirar a resiliência de Dwayne Johnson em brigar pelo projeto por mais de uma década. Quando a ideia de adaptar "Shazam!" estava em estado embrionário, o então diretor Peter Segal queria o jovem astro como protagonista. Johnson, por sua vez, enxergou com mais interesse o vilão da história e bateu o pé para mudar a posição do holofote.
Na época, a DC aos poucos recuperava seu mojo no cinema, a começar por "Batman Begins" e "Superman - O Retorno". A abordagem mais realista de Christopher Nolan para o Homem-Morcego, somada à bilheteria de US$ 1 bilhão de "O Cavaleiro das Trevas", colocou "Adão Negro", que mirava um tom mais fantástico, na geladeira.
O projeto foi retomado em 2014, pouco depois de Zack Snyder começar a reforma dos super-heróis da editora com "O Homem de Aço". No meio da criação do universo compartilhado, que Snyder liderava com seu "Batman vs. Superman", Dwayne Johnson viu o projeto ser continuamente adiado, buscando o lugar certo para ser posicionado no tabuleiro.
"Adão Negro" é claramente fruto da confusão instaurada nos filmes com os personagens da DC. Zack Snyder veio e foi, o tal universo compartilhado foi fragmentado, outros projetos, como "Batman" e "Coringa", apontaram que o jogo dos filmes conectados talvez não fosse a melhor abordagem.
Ainda assim, a aventura com direção de Jaume Collet-Serra não esconde ser fruto das ideias de Zack Snyder. Mesmo após ser dispensado pela DC ao concluir sua versão de "Liga da Justiça", seus conceitos, ao menos aqui, seguem dominantes, tanto em concepção quanto em execução. "Adão Negro" é, para todos os efeitos, um filme de Snyder feito por proxy.
Isso, acredite, não é elogio. Os piores traços da passagem de Snyder pela DC foram mimetizados por Collet-Serra. Não faltam aqui cenários exageradamente artificiais, cenas em câmera lenta intermináveis e batalhas confusas, escuras ou ambos. Também sobra um verniz "sombrio", que tenta substituir maturidade e sofisticação com violência "radical" que só embala adolescentes de 12 anos.
A trama de "Adão Negro" começa 5 mil anos atrás, quando o rei da nação fictícia de Kahndaq escraviza seu povo. O que o monarca busca é a extração de um minério, o "eternium", essencial para a confecção de uma coroa que lhe dará, sabe-se lá como, poderes mágicos. Um garoto ergue-se contra o tirano, é salvo da execução por seis magos (um deles um rosto familiar) e ganha poderes para defender seu povo ao proferir a palavra mágica: Shazam!
A ação corta para o presente, quando Kahndaq encontra-se ocupada pela força militar da Intergangue. Uma revolucionária (Sarah Shahi) encontra a coroa em uma caverna e, quando se vê cercada pelos mercenários que tomaram seu país, ela liberta Teth-Adam (Johnson), protetor de sua nação, do túmulo. Desperto, ele vê zero problemas em desmembrar, explodir e mutilar seus inimigos.
Seu ressurgimento acende um alerta e logo Amanda Waller (Viola Davis) despacha um grupo de super-heróis, a Sociedade da Justiça, para conter Teth-Adam. Como manda o figurino, não tarda para os heróis e o anti-herói, depois de arrebentarem metade da cidade medindo forças, unirem os trapinhos contra um mal maior. Tem vingança, sacrifício e redenção. Sobem as cortinas. Acendem as luzes. Fim.
Nesse miolo, "Adão Negro" parece mais um rascunho do que um filme completo. A Intergangue, uma força bélica ocupando um país há quase três décadas, não tem líder ou propósito. A intenção em comentar a ação militar de países estrangeiros em nações soberanas no Oriente Médio não saiu do papel.
A Sociedade da Justiça, por sua vez, já surge como equipe de combate veterana, mesmo sem nunca ter sido mencionada nesse universo compartilhado. Esmaga-Átomo (Noah Centineo) e Ciclone (Quintessa Swindell) mal registram como personagens. O Gavião Negro (Aldis Hodge, que não está em seus melhores dias) é uma mistura de Bruce Wayne com Tony Stark com acessos de fúria. Pierce Brosnan (Senhor Destino) deve estar feliz em entrar no jogo dos super-heróis.
Em seu terceiro ato, "Adão Negro" mergulha no mesmo clima enfadonho de "Esquadrão Suicida" (o primeiro, de 2016), com um vilão digital criado unicamente para dar trabalho ao time de efeitos visuais. Sem ter como nos conectar com qualquer personagem, navegando em uma trama de tensão ausente, o peso de segurar qualquer interesse sobra para o carisma superlativo de Dwayne Johnson, hoje o maior astro de cinema do mundo. Spoiler: não é o bastante.
O entretenimento pop do novo século é um animal estranho. Não existe mais no mundo dos super-heróis o cinema como finalidade, e sim como pura antecipação. A impressão é que todo filme existe unicamente para atiçar a ansiedade para o próximo. Essa inclinação, por sinal, está na conta da Marvel.
"Adão Negro", por sua vez, é o ápice desse movimento: um filme inteiro que existe com o único propósito de ser o prólogo de uma outra aventura. É até desonesto passar duas horas apresentando personagens com o máximo desleixo para desacelerar ao chegar nos finalmentes, dando aos fãs poucos segundos de satisfação antes de fechar a lojinha.
Não existe nada em "Adão Negro" que sugira uma direção diferente ou uma "nova hierarquia". Pelo contrário: seu clímax rebobina o universo compartilhado da DC, voltando ao território desenhado por Zack Snyder. Se é esse o jogo, deviam logo devolver tudo nas mãos do homem.
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