Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
'Bardo': Alejandro Iñárritu encontra beleza no caos em filme autoindulgente
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Não é de hoje que o cinema serve como sessão de terapia para seus criadores. Recentemente, James Gray revisitou a própria infância em "Armageddon Time", ao passo que Steven Spielberg desenhou uma autobiografia com "Os Fablemans".
Em "Bardo: Falsa Crônica de Algumas Verdades" é o mexicano Alejandro González Iñárritu quem parece ter contas a ajustar com o passado. Ao usar um avatar menos óbvio, mesmo que nada sutil, o diretor reflete sobre o sucesso, a busca pela identidade, a história colonialista do México e um legado à sombra de sua mortalidade.
O resultado é um filme genial, ainda que profundamente imperfeito. "Bardo" exibe o rigor técnico e a delicadeza impressa no olhar de Iñárritu, ao mesmo tempo em que ressalta sua tendência em ser prolixo. São tantas ideias em choque sobre o peso da arte e o papel do artista que ele parece não sair do lugar.
No centro da trama está Silvério Gama (Daniel Giménez Cacho), jornalista e documentarista que há duas décadas trocou seu México natal por uma vida em Los Angeles, no coração de Hollywood. Ao ser escolhido para receber um prêmio internacional, ele enxerga a necessidade de voltar a seu país para se reconectar a suas raízes, o que gera uma crise existencial profunda.
Existe um paralelo óbvio com a trajetória de Iñárritu, que começou sua carreira na TV mexicana e hoje é autor internacional consagrado com o Oscar. "Bardo" mostra, em um influxo de imagens e ideias que por vezes se atropelam, um cineasta quase constrangido com o próprio sucesso. É como se o diretor tivesse erguido um espelho para admirar a própria imagem, defeitos e tudo, e projetasse o reflexo como filme.
O modo como "Bardo" conduz essa jornada é tão fascinante quanto exaustivo. Iñárritu por vezes encara o cinema como uma máquina de fax, imprimindo mensagens que se repetem incessantemente, não deixando que temas e entrelinhas encontrem sua própria voz.
O paradoxo é que, ao temperar sua linha narrativa com fantasia e imaginação, ele abre espaço para que a plateia busque sua própria interpretação. Alinhar nossa sintonia com a visão desenhada por Iñárritu exige certo esforço, mas ajuda a entender o pacote lisérgico com o qual ele embala uma história tão pessoal.
O cinema de Alejandro Iñárritu busca desde o começo essa cumplicidade, uma imersão que ajuda a entender sua visão artística. Às vezes sua fragmentação narrativa incomoda e encanta, como em "Amores Brutos" ou "21 Gramas". Outras vezes ele passa do ponto, e a experiência de filmes como "Babel" e "Biutiful" torna-se um fardo.
Nos últimos anos, o cineasta combinou os melhores traços de seu talento de forma absolutamente brilhante ao assumir o papel de contador de histórias, e não de pregador, nos excepcionais "Birdman" e "O Regresso". No momento em que ele aponta a câmera para o próprio umbigo, seu cinema torna-se irregular e autoindulgente.
Não que ele tenha buscado outro caminho para "Bardo". Em bom português, o termo significa um contador de histórias, o guardião de mitos e lendas. Em espanhol, por outro lado, "Bardo" é sinônimo de confusão, de problemas. De desordem. Alejandro Iñárrito prova, com som, luz e movimento, que é possível enxergar beleza no caos.
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