Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
'O Menu' é sátira violenta e ácida sobre especialistas culturais de ocasião
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"O Menu" tem de tudo um pouco. Com senso de humor ácido e afiado, serve sátira urbana e conflito de classes salpicado com o impacto de um filme de terror dos bons. Seu texto se equilibra entre o comentário social esperto e o jorro de sangue. O melhor de tudo? Funciona à perfeição!
Apesar do currículo magro no cinema, o diretor Mark Mylod trabalhou sua habilidade em lidar com um grupo em tensão constante na TV. Com um currículo que traz "Entourage", "Game of Thrones" e, principalmente, "Succession", fica fácil perceber de onde veio a facilidade em misturar bons diálogos e reações extremas num clima passivo agressivo.
O maior trunfo de "O Menu", no entanto, é a escolha de sua ambientação. Ao conduzir a história em um restaurante absurdamente exclusivo, comandado por um chef que mal contém seu narcisismo e sua obsessão pela perfeição, Mylod escancara um microcosmo que incomoda por ser exageradamente real.
Julian Slowik (Ralph Fiennes e sua expressão de granito) é um chef celebridade que comanda o Hawthorne, restaurante isolado em uma ilha particular. Sua rotina em tratar o preparo de cada prato como um ritual divino só encontra paralelo em seu desencanto por seu ofício.
Como todo gênio, Slowik sente que sua arte é subestimada e desvalorizada pelos meros mortais. É com esse pensamento que ele organiza um jantar nababesco para uma plateia seleta. Ao decorrer da noite, no entanto, fica claro que a refeição esconde um plano de tintas sinistras.
Os clientes são escolhidos para representar um microcosmo do que há de mais desprezível no topo da cadeia alimentar social. Temos o casal milionário que frequenta o Hawthorne unicamente por ele ser caro e exclusivo. O trio de héteros top que acredita resolver qualquer problema abrindo a carteira. O astro de cinema em franca decadência. A crítica culinária pedante e enjoada.
O elemento desestabilizador é Margot (Anya Taylor-Joy), acompanhante de última hora de Tyler (Nicholas Hoult), um gourmet amador que dispara verbetes culinários para fingir erudição. Claramente fora de seu elemento, ela é a primeira a sentir que há algo de podre no reino de Slowik, e é com ela que acompanhamos o desenrolar da trama.
"O Menu" envolve nos detalhes. Existe um clima de programa culinário chique, em que cada prato servido traz sua receita e origem impressa na tela. É uma maneira divertida para acentuar o absurdo desse recorte social antes de o filme engatar uma segunda e escancarar suas verdadeiras intenções.
Mark Mylod tem pulso firme para manter o tom satírico mesmo quando a violência explode de forma inesperada, ainda que inevitável. O choque não se dá simplesmente pela surpresa da reviravolta, mas principalmente pelo incômodo da identificação com um dos lados do conflito - cabe a cada um saber qual o seu.
O mundo moderno, afinal, criou uma geração de especialistas em tudo. A tecnologia e o acesso à informação banalizaram não só o conhecimento, mas também a valorização de quem detém essa experiência. Quando todos se julgam especiais, então nada mais é especial.
"O Menu" aborda essa fissura social com a mesma finesse que permeia seu cardápio. O resultado é divertido, provocante, envolvente e nada sutil. Mas, sejamos honestos: ninguém precisa de sutileza quando a receita agrada do mais bronco ao mais fino dos paladares.
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