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Roberto Sadovski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Há 40 anos, Eddie Murphy quebrava tudo em seu primeiro filme, '48 Horas'

Nick Nolte e Eddie Murphy em "48 Horas" - Paramount
Nick Nolte e Eddie Murphy em '48 Horas' Imagem: Paramount

Colunista do UOL

09/12/2022 18h43

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"48 Horas", o filme que criou o modelo da comédia policial moderna, quase não saiu do papel por conta de... bom... de fake news. Nick Nolte, então um grande astro em Hollywood, voou para Nova York para encontrar o ator que seria seu parceiro em cena, um pronto para sua estreia no cinema: Eddie Murphy.

Antes do encontro, porém, Nolte passou uns dias com um amigo músico, e disse que ia encontrar o tal sujeito, que então era um dos astros do programa "Saturday Night Live". "O carinha preto?", perguntou o tal amigo, incrédulo. Quando Nolte balançou a cabeça positivamente, veio a resposta: "Não chegue perto dele, ele é doidão, se amarra em crack e pó!".

A informação, acontece, era falsa. O tal amigo músico se equivocou, imaginando que Nolte se referia a Garrett Morris, um veterano do "SNL" que tinha, sim, um problema com drogas seríssimo. Murphy, por sua vez, mal tinha idade para beber legalmente. Os dois se encontraram e, como dizem por aí, aconteceu a magia do cinema.

Não que Walter Hill, diretor de "48 Horas", tenha reinventado a roda. Duplas policiais não eram novidade no cinema. Duplas interraciais, então, eram raras mas existiam desde que Sidney Poitier e Rod Steiger dividiram a cena no clássico "No Calor da Noite".

Havia, contudo, algo diferente na mistura de "48 Horas", que chegou aos cinemas americanos em 8 de dezembro de 1982. A tensão racial, acentuada pela luta pelos direitos humanos, ainda recente na sociedade americana, era aos poucos quebrada pelo senso de humor sarcástico e veloz como uma rajada de metralhadora provocado por Eddie Murphy. A cena em que seu personagem desafia, com total domínio da situação, um bar cheio de caipiras racistas, é o registro do nascimento de um astro.

Até então, Eddie Murphy já havia lapidado seu nome em clubes de stand up e, depois, no "SNL". Sua presença não trazia, por exemplo, a agressividade do genial Richard Pryor. Pelo contrário: ao fazer troça de sua própria presença como um performer negro, dominando com facilidade o palco reservado a comediantes brancos, Murphy exalava carisma irresistível.

O cinema, porém, era outra arena. Walter Hill havia considerado atores mais tarimbados, como Gregory Hines e o próprio Pryor. Fechou com Murphy, mesmo sabendo que ele chegaria ao set ainda "verde" - um comediante jovem que dividiria o holofote com Nolte, ele mesmo uma presença intimidante.

O papel de Murphy era Reggie Hammond, criminoso a seis meses de sair da prisão. Ele termina sob a tutela do policial Jack Cates (Nolte) por dois dias, 48 horas em contagem regressiva para que o primeiro ajude o segundo a capturar um assassino (James Remar). Cates não vai com a cara do parceiro involuntário, um bandido assumido; Hammond, por sua vez, detesta policiais.

Embora o estúdio tenha vendido "48 Horas" como uma comédia, o correto seria classificá-lo como um thriller de ação salpicado de momentos cômicos. Mesmo que todos sejam cortesia de Eddie Murphy, ele não traz aqui sua personalidade ligeira e brincalhona - essa surgiu dois anos depois em "Um Tira da Pesada".

Talvez por sentir o peso de sua estreia no cinema, o astro criou um personagem que usa o humor para cobrir uma vida regada a fúria e ressentimento. Hammond e Cates não são colegas que eventualmente se bicam: eles genuinamente detestam o que o outro representa, e essa tensão é o fio condutor de "48 Horas".

Tantos elementos aleatórios foram combinados com precisão por Walter Hill - ele mesmo descobrindo a química genuína entre seus protagonistas, e espertamente trabalhando o roteiro em torno dela. A identificação com o público foi imediata, "48 Horas" se tornou um sucesso nas bilheterias e a comédia policial moderna foi criada.

Como é o dinheiro quem manda em Hollywood, os anos seguintes viram os cinemas coalhados de produções que buscavam recapturar o gênio na garrafa. A esmagadora maioria fracassava, mas filmes como "Máquina Mortífera" e "Fuga à Meia-Noite" traduziram o mesmo espírito do filme dirigido por Hill, mesmo que a comédia não fosse incidental, e sim parte da narrativa.

Recapturar o gênio na garrafa não é tarefa fácil. Quando o mesmo time se reuniu em 1990 para "48 Horas Parte 2", Eddie Murphy já era um dos maiores astros do planeta. "Um Tira da Pesada" foi seguido por "O Rapto do Menino Dourado", "Um Tira da Pesada II" e "Um Príncipe em Nova York". A fagulha que fez do primeiro tão especial, porém, não estava mais lá.

De lá para cá, Murphy teve seus altos e baixos, buscando incessantemente, e talvez de forma inconsciente, a fórmula do filme que o levou ao cinema. Ao longo dos anos, ele teve vários parceiros de dança, de Martin Lawrence e Robert De Niro, de Steve Martin a Mike Myers.

Depois de anos preso em um loop de comédias ruins ("Norbit", "O Grande Dave", "Imagine Só", "As Mil Palavras"), ele recentemente voltou a sair da casca com escolhas mais seletivas, acertando em "Mr. Chruch" e "Meu Nome É Dolemite".

A glória do passado, porém, é uma sombra difícil de perder. "Um Príncipe em Nova York 2" foi um pequeno desastre. E sabe-se lá o que vai sair de "Um Tira da Pesada 4". Por outro lado, cobramos demais de nossos astros. Não importa o que está por vir para Eddie Murphy. Com quatro décadas de serviços (bem) prestados ao cinema, eu arrisco dizer que ele não precisa provar nada a ninguém. Talvez só para si próprio.