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James Cameron revisitado: Os filmes de um cineasta que se recusa a errar
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"Você não me assusta, eu trabalho para Jim Cameron." O recado na camiseta da equipe trabalhando no set de "Aliens - O Resgate" não podia ser mais claro. Era 1985, e o diretor logo mostrou seu estilo nos estúdios em Londres que abrigavam a continuação do clássico de terror.
Trabalhar para James Cameron, mesmo quando o cineasta estava em início de carreira, aumentava consideravelmente o risco de um colapso nervoso. Exigente, rígido e autoritário, o homem que revolucionaria o cinema mais de uma vez sabia o que queria de seus filmes, e não se contentava com menos que a perfeição.
Atritos com elenco e equipe se tornaram lendários. Os resultados, também. Com uma filmografia de poucos títulos, James Cameron pode se orgulhar de nunca ter feito um filme ruim. Mais ainda: sua obstinação irremovível alavancou, em mais de uma forma, a maneira de fazer, de ver e de perceber o que era o cinema.
A chegada de "Avatar: O Caminho da Água" aos cinemas já devia ser motivo de celebração pelo simples fato de termos um novo filme assinado por James Cameron nos cinemas. Ele divide o Olimpo com poucos cineastas que mesclaram perfeição técnica com fluidez narrativa, gerando obras frias em sua concepção, mas que são movidas por um coração pulsante.
Passei as últimas semanas reencontrando o cinema de James Cameron, e aproveitei para fazer o tour completo. De seu primeiro curta ("Xenogenesis", disponível no YouTube) a seus trabalhos mais ambiciosos, o que fica claro é que o diretor guarda sua maior rigidez e sua exigência mais absoluta para si próprio, um artista que não admite nenhuma fração de erro.
A lista a seguir deixa de fora alguns trabalhos de seus anos formativos, em especial os filmes produzidos por Roger Corman ("Mercenários das Galáxias, de 1980, e "Galáxia do Terror", lançado no ano seguinte) e "Fuga de Nova York", que é 100 por cento John Carpenter. "Caçadores de Emoção" (1991) e "Estranhos Prazeres" (1995), apesar de trazer seu dedo, são de responsabilidade de Kathryn Bigelow. O resto? James Cameron de ponta a ponta.
O EXTERMINADOR DO FUTURO
(The Terminator, 1984)
James Cameron havia dirigido - bom, ao menos parcialmente - o terror trash "Piranha II: Assassinas Voadoras" em 1982. A experiência foi tão traumática que, em seu trabalho seguinte, ele exigiu controle da produção e de seu produto. O roteiro, iniciado pela imagem de um assassino metálico que ele vira num sonho, foi vendido à produtora Gale Anne Hurd por 1 dólar, com a única condição de que ele fosse o diretor.
Mesmo sem peso em Hollywood, Cameron fez "Exterminador" do seu jeito, apoiado por um novo amigo de peso: Arnold Schwarzenegger, que também buscava se firmar no cinemão. Selecionado para fazer o herói Kyle Reese, Schwarza logo se mostrou perfeito como o ciborgue de um futuro distópico, enviado ao passado para matar Sarah Connor (Linda Hamilton), mãe do futuro líder dos humanos contra as máquinas. O resto, como dizem, é história.
ALIENS, O RESGATE
(Aliens, 1986)
Depois de escrever o roteiro de "Rambo II: A Missão", posteriormente esmigalhado por Sylvester Stallone, Cameron foi escalado para comandar a continuação de "Alien, o Oitavo Passageiro", que Ridley Scott transformou em uma das melhores misturas de terror e ficção científica da história.
Para seguir a história, Cameron radicalizou, saltando do horror claustrofóbico de Scott para um filme de ação vigoroso, com Sigourney Weaver à frente no papel de Ellen Ripley, uma das maiores heroínas da história do cinema. Escolher qual dos "aliens" é melhor depende unicamente de sua disposição para sustos ou adrenalina.
O SEGREDO DO ABISMO
(The Abyss, 1989)
O sucesso de "The Terminator" e "Aliens" credenciou Cameron para uma empreitada ainda mais ambiciosa. "O Segredo do Abismo" é uma aventura de ficção científica, que guarda em sua trama extravagante a semente do ativista ambiental que o diretor se tornaria.
A história envolve a tripulação de uma plataforma de pesquisas subterrânea, assumida com um comando militar quando a perda de um submarino nuclear sugere que alguma coisa repousa no fundo do oceano. As filmagens, realizadas em sets submersos em reatores nucleares abandonados, testou os limites do elenco e da equipe, além de abrir uma nova fronteira para efeitos especiais digitais. Cameron estava, então, inventando o futuro.
O EXTERMINADOR DO FUTURO 2: O JULGAMENTO FINAL
(Terminator 2: Judgement Day, 1991)
Retomar o conceito de uma máquina assassina vinda do futuro para assassinar o presente mostrou-se um desafio que Cameron abraçou com gosto. Na década de 1990, Schwarzenegger havia se tornado um dos maiores astros do mundo, então o vilão do primeiro filme precisava ser transformado em herói.
Para isso, Cameron criou uma ameaça ainda mais implacável: o T-1000, um androide de metal líquido capaz de mudar de forma, enviado ao passado para matar o líder da rebelião humana, John Connor, então com 10 anos. Tudo em "T2" é superlativo, da narrativa aos temas aos efeitos visuais revolucionários. E tudo isso está escancarado em cada cena. Um verdadeiro clássico moderno.
TRUE LIES
(1994)
James Cameron assistiu à comédia de ação francesa "La Totale!" e decidiu que poderia fazer melhor. Não estava enganado. Ele recrutou mais uma vez Arnold Schwarzenegger e criou um filme de espionagem que brinca com o próprio conceito do gênero. Harry Tasker (Arnold) é um espião tão secreto que sua mulher, Helen (Jamie Lee Curtis), acredita que ele trabalha como vendedor de computadores.
Uma ameaça ao "mundo livre" - representava por terroristas árabes, uma incorreção política que jamais seria reproduzida hoje - junta as duas realidades de Tasker em uma aventura divertida, intensa e tecnicamente impecável. A sequência final é de deixar qualquer aventura de James Bond no banquinho dos reservas: poucos cineastas entendem de ação como Cameron.
TITANIC
(1997)
O fascínio de James Cameron por navios naufragados sempre teve no Titanic seu ideal inalcançável. Ou quase, já que essa palavra provavelmente não existe no vocabulário do cineasta. Para convencer Hollywood a bancar uma expedição aos destroços, ele escreveu um rascunho de roteiro descrito como "Romeu e Julieta no Titanic". Hesitante, a Fox engoliu.
O que era paixão tornou-se obsessão, e as imagens do navio submerso ajudaram a desenhar a história de Jack (Leonardo DiCaprio), pobretão que se apaixona pela aristocrata Rose (Kate Winslet), na viagem fatídica. Se tecnicamente "Titanic" é um feito monumental, foi a história de amor que se agarrou ao inconsciente coletivo, fazendo do filme um fenômeno que perdura há um quarto de século. Cameron conseguiu globalizar seu entusiasmo.
AVATAR
(2009)
Depois de "Titanic", o interesse de James Cameron em fazer novos filmes pareceu arrefecer. Ele produziu o remake de "Solaris" para Steven Soderbergh em 2002, e estendeu seu fascínio pelas profundezas ao dirigir os documentários "Ghosts of the Abyss" (2003) e "Aliens of the Deep" (2005).
"Avatar" surgiu como uma necessidade tecnológica, uma vontade de testar novas tecnologias. Era a história que mais se encaixava como cobaia, mas terminou em sintonia com a verdadeira paixão do diretor: a luta pela preservação do meio ambiente. Ficção científica hardcore de fortes tintas emocionais, o filme impulsionou a tecnologia 3D e as filmagens em ambientes artificiais foto realistas.
Claro que, por trás dos computadores e das sequências binárias havia uma história de amor, verdadeiro combustível do cinema de James Cameron. Aqui é Jake Sully (Sam Worthington), fuzileiro que perdeu a mobilidade nas pernas, que é despachado para Pandora, um mundo alienígena de beleza absurda. É onde ele encontra o amor na forma da nativa Neytiri (Zoe Saldaña).
A trama romântica alimenta uma história familiar, em que um poder bélico superior é rechaçado pela determinação de um povo nativo. De alguma forma, a mistura ressoou no zeitgeist, fazendo com que "Avatar" se tornasse a maior bilheteria de todos os tempos. Muitos reduzem o filme como uma "bobagem hippie", uma cópia de tramas pregressas. É um erro: não é uma cópia, e sim um espelho. E nem todo mundo consegue a façanha de encarar a sim mesmo.
AVATAR: O CAMINHO DA ÁGUA
(Avatar: The Way of Water, 2022)
"Avatar" seria o fim da linha para James Cameron, diretor de cinema. Ele queria passar o resto da vida defendendo as causas em que acredita. O cinema, porém, tem o poder de amplificar a voz de um contador de histórias. O chamado foi irresistível.
Cameron primeiro se posicionou como defensor da tecnologia 3D (contribuindo para os filmes "Sanctum", de 2011, e "Cirque du Soleil: Worlds Away" no ano seguinte). Depois, ele finalmente tirou da gaveta "Alita: Battle Angel", em que Robert Rodriguez dirigiu seu roteiro em 2019. No mesmo ano, reencontrou Arnold Schwarzenegger e Linda Hamilton como produtor de "O Exterminador do Futuro: Destino Sombrio".
A essa altura, "Avatar: O Caminho da Água" já tomava forma há dois anos, com equipe e elenco meticulosamente ampliando o mundo de Pandora e experimentando mais uma vez os limites da tecnologia. O filme, que você precisa assistir na maior tela possível com o som mais bombástico, é um triunfo que devolve o prazer de se deixar imergir em uma experiência cinematográfica.
Um terceiro filme, já rodado, encontra-se em pós produção, com Cameron apostando em pelo menos mais dois capítulos posteriores na saga de "Avatar". Se é em Pandora que o cineasta pretende encerrar sua carreira, então que seja. Com mais de três décadas redefinindo o conceito do sonhar em tela grande, então James Cameron ganhou esse direito. Mesmo que, vez por outra, ele ainda assuste alguém.
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