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Roberto Sadovski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

James Cameron revisitado: Os filmes de um cineasta que se recusa a errar

O diretor James Cameron no set de "Avatar: O Caminho da Água" - 20th Century Studios
O diretor James Cameron no set de 'Avatar: O Caminho da Água' Imagem: 20th Century Studios

Colunista do UOL

20/12/2022 05h00

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"Você não me assusta, eu trabalho para Jim Cameron." O recado na camiseta da equipe trabalhando no set de "Aliens - O Resgate" não podia ser mais claro. Era 1985, e o diretor logo mostrou seu estilo nos estúdios em Londres que abrigavam a continuação do clássico de terror.

Trabalhar para James Cameron, mesmo quando o cineasta estava em início de carreira, aumentava consideravelmente o risco de um colapso nervoso. Exigente, rígido e autoritário, o homem que revolucionaria o cinema mais de uma vez sabia o que queria de seus filmes, e não se contentava com menos que a perfeição.

Atritos com elenco e equipe se tornaram lendários. Os resultados, também. Com uma filmografia de poucos títulos, James Cameron pode se orgulhar de nunca ter feito um filme ruim. Mais ainda: sua obstinação irremovível alavancou, em mais de uma forma, a maneira de fazer, de ver e de perceber o que era o cinema.

A chegada de "Avatar: O Caminho da Água" aos cinemas já devia ser motivo de celebração pelo simples fato de termos um novo filme assinado por James Cameron nos cinemas. Ele divide o Olimpo com poucos cineastas que mesclaram perfeição técnica com fluidez narrativa, gerando obras frias em sua concepção, mas que são movidas por um coração pulsante.

Passei as últimas semanas reencontrando o cinema de James Cameron, e aproveitei para fazer o tour completo. De seu primeiro curta ("Xenogenesis", disponível no YouTube) a seus trabalhos mais ambiciosos, o que fica claro é que o diretor guarda sua maior rigidez e sua exigência mais absoluta para si próprio, um artista que não admite nenhuma fração de erro.

A lista a seguir deixa de fora alguns trabalhos de seus anos formativos, em especial os filmes produzidos por Roger Corman ("Mercenários das Galáxias, de 1980, e "Galáxia do Terror", lançado no ano seguinte) e "Fuga de Nova York", que é 100 por cento John Carpenter. "Caçadores de Emoção" (1991) e "Estranhos Prazeres" (1995), apesar de trazer seu dedo, são de responsabilidade de Kathryn Bigelow. O resto? James Cameron de ponta a ponta.

O EXTERMINADOR DO FUTURO
(The Terminator, 1984)

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O ciborgue assassino de 'O Exterminador do Futuro'
Imagem: Reprodução

James Cameron havia dirigido - bom, ao menos parcialmente - o terror trash "Piranha II: Assassinas Voadoras" em 1982. A experiência foi tão traumática que, em seu trabalho seguinte, ele exigiu controle da produção e de seu produto. O roteiro, iniciado pela imagem de um assassino metálico que ele vira num sonho, foi vendido à produtora Gale Anne Hurd por 1 dólar, com a única condição de que ele fosse o diretor.

Mesmo sem peso em Hollywood, Cameron fez "Exterminador" do seu jeito, apoiado por um novo amigo de peso: Arnold Schwarzenegger, que também buscava se firmar no cinemão. Selecionado para fazer o herói Kyle Reese, Schwarza logo se mostrou perfeito como o ciborgue de um futuro distópico, enviado ao passado para matar Sarah Connor (Linda Hamilton), mãe do futuro líder dos humanos contra as máquinas. O resto, como dizem, é história.

ALIENS, O RESGATE
(Aliens, 1986)

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Sigourney Weaver em 'Aliens, o Resgate'
Imagem: Fox

Depois de escrever o roteiro de "Rambo II: A Missão", posteriormente esmigalhado por Sylvester Stallone, Cameron foi escalado para comandar a continuação de "Alien, o Oitavo Passageiro", que Ridley Scott transformou em uma das melhores misturas de terror e ficção científica da história.

Para seguir a história, Cameron radicalizou, saltando do horror claustrofóbico de Scott para um filme de ação vigoroso, com Sigourney Weaver à frente no papel de Ellen Ripley, uma das maiores heroínas da história do cinema. Escolher qual dos "aliens" é melhor depende unicamente de sua disposição para sustos ou adrenalina.

O SEGREDO DO ABISMO
(The Abyss, 1989)

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Mary Elizabeth Mastrantonio e Ed Harris em 'O Segredo do Abismo'
Imagem: Fox

O sucesso de "The Terminator" e "Aliens" credenciou Cameron para uma empreitada ainda mais ambiciosa. "O Segredo do Abismo" é uma aventura de ficção científica, que guarda em sua trama extravagante a semente do ativista ambiental que o diretor se tornaria.

A história envolve a tripulação de uma plataforma de pesquisas subterrânea, assumida com um comando militar quando a perda de um submarino nuclear sugere que alguma coisa repousa no fundo do oceano. As filmagens, realizadas em sets submersos em reatores nucleares abandonados, testou os limites do elenco e da equipe, além de abrir uma nova fronteira para efeitos especiais digitais. Cameron estava, então, inventando o futuro.

O EXTERMINADOR DO FUTURO 2: O JULGAMENTO FINAL
(Terminator 2: Judgement Day, 1991)

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Arnold Schwarzenegger é o ciborgue protetor em 'T2'
Imagem: Universal

Retomar o conceito de uma máquina assassina vinda do futuro para assassinar o presente mostrou-se um desafio que Cameron abraçou com gosto. Na década de 1990, Schwarzenegger havia se tornado um dos maiores astros do mundo, então o vilão do primeiro filme precisava ser transformado em herói.

Para isso, Cameron criou uma ameaça ainda mais implacável: o T-1000, um androide de metal líquido capaz de mudar de forma, enviado ao passado para matar o líder da rebelião humana, John Connor, então com 10 anos. Tudo em "T2" é superlativo, da narrativa aos temas aos efeitos visuais revolucionários. E tudo isso está escancarado em cada cena. Um verdadeiro clássico moderno.

TRUE LIES
(1994)

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Schwarza (de novo!) em 'True Lies'
Imagem: Fox

James Cameron assistiu à comédia de ação francesa "La Totale!" e decidiu que poderia fazer melhor. Não estava enganado. Ele recrutou mais uma vez Arnold Schwarzenegger e criou um filme de espionagem que brinca com o próprio conceito do gênero. Harry Tasker (Arnold) é um espião tão secreto que sua mulher, Helen (Jamie Lee Curtis), acredita que ele trabalha como vendedor de computadores.

Uma ameaça ao "mundo livre" - representava por terroristas árabes, uma incorreção política que jamais seria reproduzida hoje - junta as duas realidades de Tasker em uma aventura divertida, intensa e tecnicamente impecável. A sequência final é de deixar qualquer aventura de James Bond no banquinho dos reservas: poucos cineastas entendem de ação como Cameron.

TITANIC
(1997)

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Leonardo DiCaprio e Kate Winslet em 'Titanic'
Imagem: Fox

O fascínio de James Cameron por navios naufragados sempre teve no Titanic seu ideal inalcançável. Ou quase, já que essa palavra provavelmente não existe no vocabulário do cineasta. Para convencer Hollywood a bancar uma expedição aos destroços, ele escreveu um rascunho de roteiro descrito como "Romeu e Julieta no Titanic". Hesitante, a Fox engoliu.

O que era paixão tornou-se obsessão, e as imagens do navio submerso ajudaram a desenhar a história de Jack (Leonardo DiCaprio), pobretão que se apaixona pela aristocrata Rose (Kate Winslet), na viagem fatídica. Se tecnicamente "Titanic" é um feito monumental, foi a história de amor que se agarrou ao inconsciente coletivo, fazendo do filme um fenômeno que perdura há um quarto de século. Cameron conseguiu globalizar seu entusiasmo.

AVATAR
(2009)

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Sam Worthington e Zoe Saldaña como os personagens digitais de 'Avatar'
Imagem: Fox

Depois de "Titanic", o interesse de James Cameron em fazer novos filmes pareceu arrefecer. Ele produziu o remake de "Solaris" para Steven Soderbergh em 2002, e estendeu seu fascínio pelas profundezas ao dirigir os documentários "Ghosts of the Abyss" (2003) e "Aliens of the Deep" (2005).

"Avatar" surgiu como uma necessidade tecnológica, uma vontade de testar novas tecnologias. Era a história que mais se encaixava como cobaia, mas terminou em sintonia com a verdadeira paixão do diretor: a luta pela preservação do meio ambiente. Ficção científica hardcore de fortes tintas emocionais, o filme impulsionou a tecnologia 3D e as filmagens em ambientes artificiais foto realistas.

Claro que, por trás dos computadores e das sequências binárias havia uma história de amor, verdadeiro combustível do cinema de James Cameron. Aqui é Jake Sully (Sam Worthington), fuzileiro que perdeu a mobilidade nas pernas, que é despachado para Pandora, um mundo alienígena de beleza absurda. É onde ele encontra o amor na forma da nativa Neytiri (Zoe Saldaña).

A trama romântica alimenta uma história familiar, em que um poder bélico superior é rechaçado pela determinação de um povo nativo. De alguma forma, a mistura ressoou no zeitgeist, fazendo com que "Avatar" se tornasse a maior bilheteria de todos os tempos. Muitos reduzem o filme como uma "bobagem hippie", uma cópia de tramas pregressas. É um erro: não é uma cópia, e sim um espelho. E nem todo mundo consegue a façanha de encarar a sim mesmo.

AVATAR: O CAMINHO DA ÁGUA
(Avatar: The Way of Water, 2022)

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O mundo de 'Avatar' evolue absurdamente em 'O Caminho da Água'
Imagem: 20th Century Studios

"Avatar" seria o fim da linha para James Cameron, diretor de cinema. Ele queria passar o resto da vida defendendo as causas em que acredita. O cinema, porém, tem o poder de amplificar a voz de um contador de histórias. O chamado foi irresistível.

Cameron primeiro se posicionou como defensor da tecnologia 3D (contribuindo para os filmes "Sanctum", de 2011, e "Cirque du Soleil: Worlds Away" no ano seguinte). Depois, ele finalmente tirou da gaveta "Alita: Battle Angel", em que Robert Rodriguez dirigiu seu roteiro em 2019. No mesmo ano, reencontrou Arnold Schwarzenegger e Linda Hamilton como produtor de "O Exterminador do Futuro: Destino Sombrio".

A essa altura, "Avatar: O Caminho da Água" já tomava forma há dois anos, com equipe e elenco meticulosamente ampliando o mundo de Pandora e experimentando mais uma vez os limites da tecnologia. O filme, que você precisa assistir na maior tela possível com o som mais bombástico, é um triunfo que devolve o prazer de se deixar imergir em uma experiência cinematográfica.

Um terceiro filme, já rodado, encontra-se em pós produção, com Cameron apostando em pelo menos mais dois capítulos posteriores na saga de "Avatar". Se é em Pandora que o cineasta pretende encerrar sua carreira, então que seja. Com mais de três décadas redefinindo o conceito do sonhar em tela grande, então James Cameron ganhou esse direito. Mesmo que, vez por outra, ele ainda assuste alguém.