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Roberto Sadovski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Fenômeno trash, o terror 'Terrifier 2' não é para todos os estômagos

Art, o Palhaço, quer matar geral em "Terrifier 2" - Imagem
Art, o Palhaço, quer matar geral em 'Terrifier 2' Imagem: Imagem

Colunista do UOL

29/12/2022 04h00

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O cinema ainda sofre para recuperar seu público na ressaca de uma pandemia que ainda joga sua sombra. Em 2022, entre os filmes-evento que trouxeram parte do espetáculo de volta, um gênero apontou o caminho para celebrar a experiência coletiva: o terror.

Assistir a um filme criado para assustar até funciona bem no sofá da sala. Mas nada se compara com a sensação de compartilhar o medo, o pulso acelerado e as risadas nervosas ao lado de estranhos. Para a indústria, são só vantagens: filmes de terror geralmente não exigem grandes orçamentos e habitualmente garantem um retorno gordo.

Foi um ano recheado. Com a exceção de "Não! Não Olhe", que teve orçamento de blockbuster (e rendeu quase três vezes mais), os filmes de terror mais festejados de toda a temporada custavam entre US$ 10 e US$ 20 milhões. O que não paga um motoboy em "Avatar".

Esse valor bateu no teto para bancar continuações como "`Pânico" e "Halloween Ends", e ficou na média em filmes ótimos como "O Telefone Preto" e "Órfã 2: A Origem". Todos eles, sem exceção, resultaram em bilheterias fartas, fazendo a alegria de estúdios e produtores.

Ainda assim, houve espaço para surpresas. A maior provavelmente foi "Sorria", que passou os US$ 200 milhões nas bilheterias com um orçamento de US$ 17 milhões, e as performances acima da média de "Noites Brutais" (que no Brasil chegou direto em streaming) e "X - A Marca da Morte".

No meio de tudo isso, encontra-se "Terrifier 2".

Mesmo em uma lista de filmes de terror de vários tamanhos e propostas, o longa de Damien Leone destoa. Não por ser melhor ou pior que seus colegas, mas por não ter sido planejado para, digamos, consumo de massa. É o tipo de produto criado e executado em esquema de guerrilha, destinado ao circuito independente, aplaudido em festivais específicos e posteriormente descoberto em outras plataformas.

Foi assim com "Terrifier", que Leone lançou em 2016 depois de garantir o orçamento em uma campanha de financiamento coletivo. O filme, que trazia o personagem Art, o Palhaço, era um slasher film radical, em que a ausência de qualquer coerência narrativa era compensada pelo sangue em profusão. "Terrifer" teve uma curtíssima carreira no cinema e em seguida foi rechear a sacola dos fãs do gênero em mídia física e digital.

Seria o fim da história, se Leone não estivesse obcecado com uma personagem que ele não conseguiu encaixar: uma heroina vestida como um anjo. Ao começar a rabiscar o roteiro para uma continuação, agora com a guerreira angelical, o diretor levantou parte do orçamento com investidores privados e colocou na rua outra campanha de financiamento coletivo, basicamente para bancar os efeitos de maquiagem. Rodado com pouco mais de US$ 250 mil, "Terrifier 2" parecia destinado a seguir os passos de seu antecessor.

Então aconteceu a pandemia, filmagens de centenas de filmes foram adiadas ou mesmo canceladas, e "Terrifier 2" ficou pronto em um cenário em que os cinemas precisavam de produtos para fazer a roda girar. Para recuperar seu público. Entre "Top Gun" e "Avatar", o terror cumpria sua função social como gênero de ponta, salva vidas da indústria em tempos de crise, e Leone enxergou uma janela.

O que aconteceu em seguida foi, na falta de uma palavra melhor, um fenômeno. "Terrifier 2" rendeu US$ 400 mil em seu dia de estreia, dobrando esse valor em seu primeiro fim de semana. Na semana seguinte, o filme embolsou mais US$ 1 milhão. À medida que as semanas passavam, a bilheteria aumentava, com os cinemas ampliando o circuito exibidor. "Terrifier 2" fechou as contas mês passado com pouco mais de US$ 10 milhões em caixa. "A Bruxa de Blair" e "Atividade Paranormal" estão orgulhosos.

Embora não exista uma fórmula que garanta o sucesso de um filme nas bilheterias, não é difícil entender a trajetória de "Terrifier 2". Sem grana para uma campanha de marketing, o filme se apoiou no boca a boca, voltado especialmente para sua violência extrema. É como a baleia encalhada na praia que todo mundo quer dar uma espiada, não importa o mau cheiro.

Se pudesse definir um cheiro para "Terrifier 2", seria o odor metálico de sangue. Poucos filmes de terror na história - e a hipérbole não é ao acaso - são tão explicitamente brutais quanto este. A estética trash, menos uma escolha criativa e mais uma evidência da pobreza da produção, amplia o choque e a crueza da jornada guiada por Damien Leone.

À frente do massacre está Art, o Palhaço. Poucas vezes um personagem de terror nasce emblemático, como Freddy Krueger, Pennywise, Chucky ou, claro, Michael Myers. Art, o palhaço mímico assassino com um leve toque sobrenatural, precisou de uma segunda chance para encontrar seu espaço. Ocupou sua posição no pódio com mérito.

Não que "Terrifier 2" busque reinventar o gênero. Pelo contrário: é um slasher tradicional, com direito a mortes cruas e criativas em uma cidade pequena, personagens rasos feito um pires e uma final girl bacana. Um bom apanhado do melhor do gênero dos anos 1970 e 1980, apostando na nostalgia (como sempre) e no gore.

Não existe muita história para digerir. Sem nenhuma sutileza dramática, é até dispensável assistir ao filme anterior (disponível na Prime Video) para entender o que está acontecendo. Seguindo a tradição de assassinos irrefreáveis, Art acorda em um necrotério e começa a matar. Seu alvo é uma jovem, Sienna (Lauren LaVera, uma ótima final girl) e seu irmão, Jonathan (Elliott Fullam), adolescente fascinado pelos crimes cometidos pelo palhaço um ano antes.

Entre o inevitável encontro de Art e Sienna, o palhaço enfileira uma série de assassinatos que são difíceis de digerir. Pode acreditar: poucas vezes morte e mutilação foram mostradas de forma tão explícita e tão cruel. Uma morte em particular arrasta-se por longos minutos com direito a globo ocular rasgado, escalpelamento, braço quebrado, o outro removido, e água sanitária jogada com sal sobre a vítima. Ainda viva. Se existe alguma entrelinha que justifique retratar mortes perturbadoras e violentas como em "Terrifier 2", eu não li o e-mail.

Os fãs do gênero, há muito relegados pelo cinemão e com opções magras no streaming (saudades das locadoras), tem um prato cheio para satisfazer seu sadismo pop. Canibalismo, tortura e evisceração entram na receita, e alguns retoques digitais, como o olho de uma vítima mutilada ao extremo, são sutis e eficientes.

A experiência de uma sessão grindhouse em um multiplex pode até ser antropologicamente educativa, mas é recomendada aos de estômago forte. Existe em "Terrifier 2" um certo sadismo adolescente que caracteriza boa parte das produções (e dos fãs) do gênero. Aqui, porém, a coisa vai além, deixando "Jogos Mortais" com pinta de comédia romântica. Que existe arte no trash é indiscutível, mas se prevenir nunca é demais. Portanto, vá preparado.