Topo

Roberto Sadovski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Novo "Homem-Formiga" mira em "Star Wars" e acerta em "Perdidos no Espaço"

Kathryn Newton e Paul Rudd em "Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania" - Marvel
Kathryn Newton e Paul Rudd em 'Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania' Imagem: Marvel

Colunista do UOL

16/02/2023 03h54

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Existem duas maneiras de assistir a "Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania", filme que abre os trabalhos da Marvel no cinema este ano. A primeira, vou logo avisando, é a mais entediante: encaixar a aventura no onipresente universo cinematográfico do estúdio.

É uma rotina que, a essa altura, tornou-se regra para uma geração formada no cinema dos últimos 15 anos. Cada novo produto com o selo Marvel é parte de um quebra-cabeças, montado meticulosamente ao longo de anos, espalhando-se não só por filmes, mas também em séries no streaming.

"Quantumania" tem uma função bem definida neste tabuleiro, que é apresentar o próximo grande vilão destinado a, num determinado momento, promover uma reunião de super-heróis para derrotá-lo e salvar o (multi)verso. Se você não é versado no evangelho que a Marvel construiu, bom, boa sorte para acompanhar o jogo.

Posto isso, proponho uma forma mais bacana de encarar uma sessão deste terceiro "Homem-Formiga": como uma fantasia de ficção científica com começo, meio e fim. Neste início de sua quinta (!) fase, a Marvel ao menos teve o bom senso em tecer um filme que, apesar das lacunas para os neófitos, funciona como matinê descomprometida.

Isso porque Scott Lang (Paul Rudd), nosso intrépido protagonista, não registra como outros pesos-pesados como o Capitão América ou o Homem de Ferro. Seus dois primeiros filmes deixam a escala cósmica deste universo de lado e se concentram em histórias bem mais modestas. O clímax do original, para quem não viu ou não lembra, acontece entre os brinquedos do quarto de uma garotinha.

Existe em "Quantumania" uma expansão do escopo, uma tentativa de deixar o filme maior do que ele é. Apesar de emoldurado em San Francisco, a história acontece no Reino Quântico, domínio subatômico revelado na primeira aventura do Homem-Formiga, que se tornou a chave para a derrota de Thanos no fenômeno "Vingadores: Ultimato".

antman3 janet - Marvel - Marvel
Janet Van Dyne (Michelle Pfeiffer) é a força que move 'Quantumania'
Imagem: Marvel

O Reino Quântico é também o lugar onde Janet Van Dyne (Michelle Pfeiffer) passou décadas após desaparecer em uma missão com o Homem-Formiga original, Hank Pym (Michael Douglas). Quando a filha de Scott, Cassie (Kathryn Newton), cria um aparelho para mapear esse mundo, todos eles - inclusive Hope (Evangeline Lilly) - são reduzidos a um tamanho subatômico e sequestrados para essa dimensão.

A partir daí, a trama está bem definida. Scott e sua família precisam descobrir como voltar para casa. A pedra no caminho é a descoberta que o Reino Quântico vive sob o jugo de um déspota, o conquistador cósmico Kang (Jonathan Majors). Civilizações inteiras, formadas por uma fauna de criaturas alienígenas exóticas, vivem sob sua mão de ferro.

Kang, por sua vez, precisa escapar do lugar, recuperar seus artefatos tecnológicos e, basicamente, se vingar de quem o exilou na dimensão quântica. Existe um blablablá pseudocientífico para justificar suas ações, e sua motivação é rasa feito pires. Mas é a fagulha que dispara uma aventura de altos e baixos que, no fim, não ofende.

antman3 hank - Marvel - Marvel
Hank Pym (Michael Douglas) tem seu momento Han Solo em 'Quantumania'
Imagem: Marvel

Depois de um ano marcado por filmes decepcionantes ("Doutor Estranho no Multiverso da Loucura"), ruins ("Thor: Amor e Trovão") e pretensiosamente intermináveis ("Wakanda Para Sempre"), é até um alívio encarar uma aventura relativamente enxuta (duas horinhas e boa) e bastante simpática.

Existe um desencontro no tom da narrativa, que por vezes deixa a galhofa atropelar a trama, e um artificialismo incômodo em um filme com poucos elementos cênicos reais. São pecados compensados pelo charme adolescente de Paul Rudd, pela presença imponente de Jonathan Majors e, principalmente, por Michelle Pfeiffer. A decisão em ancorar a trama em sua personagem é das mais felizes.

O clima de aventura espacial escancara a clara vontade de o diretor Peyton Reed em fazer de "Quantumania" seu "Star Wars" dentro do universo Marvel. Não só pelas batalhas espaciais ou pelos aliens que parecem saídos de "O Retorno de Jedi", mas também pelo flerte do protagonista com seu "lado sombrio", uma motivação egoísta que a certa altura impele Scott Lang a agir.

antman3 kang - Marvel - Marvel
Prepare-se para uma overdose de Kang (Jonathan Majors) nos próximos filmes da Marvel
Imagem: Marvel

O que Reed conseguiu, entretanto, foi mimetizar outra aventura cósmica pop. Ao colocar um núcleo familiar em território alienígena, trabalhando para voltar para casa, o que ele criou foi uma versão de "Perdidos no Espaço" com super-heróis. Não é uma troca ruim. No grande esquema das coisas, contudo, seria uma história mais adequada a outra família da Marvel, o Quarteto Fantástico.

Não é um detalhe aleatório. A exploração de novos mundos e dimensões paralelas, combustível dessa expansão do universo Marvel em sua nova fase, é parte essencial das aventuras da equipe criada por Stan Lee e Jack Kirby em 1961, no primeiro título de super-heróis da editora. Usar filmes com personagens familiares para preparar o terreno para os novatos é prática comum do estúdio desde sua concepção.

Ainda bem que "Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania" consegue amarrar suas pontas antes de se entregar às regras de seu universo. Para os fãs que gostam, sim, de fazer seu dever de casa e contar os meses antes de saborear uma nova peça no tabuleiro, vale ficar para as duas cenas pós crédito que fecham o filme. Os que procuram só um acompanhamento para a pipoca e o refri, por sua vez, estão liberados de ficar até o fim.