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Roberto Sadovski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Creed III' busca sair da sombra de 'Rocky' ao desenhar seu próprio legado

Michael B. Jordan em "Creed III" - Warner
Michael B. Jordan em 'Creed III' Imagem: Warner

Colunista do UOL

02/03/2023 04h00

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O cartaz de "Rocky III", lançado em 1982, trazia o lutador de forma imponente. Não era um acaso. Sylvester Stallone transformava ali a história do azarão que se tornou campeão, tema dos dois primeiros filmes, na saga de um verdadeiro ícone americano, um super-herói que escrevia seu nome na cultura pop.

"Creed III" encara um dilema parecido. O primeiro filme apresentava um personagem em busca de descobrir sua identidade. O segundo marcava a reconciliação com a memória de seu pai. Se fazia necessário um novo conflito não só para a continuidade de sua trajetória, mas também para desenhar seu próprio legado.

A solução encontrada por Michael B. Jordan, que além de protagonizar o filme também assina sua estreia como diretor, foi seguir os passos de seu mentor. Assim como Sylvester Stallone aos poucos trocou o realismo dramático pela adrenalina movida a emoção, Jordan deixou os dilemas reais de lado e buscou um antagonista artificial.

Depois da vitória sobre Viktor Drago (Florian Munteanu) na aventura anterior, Adonis Creed (Jordan) começa o novo filme no ringue, assegurando sua posição como campeão e anunciando sua aposentadoria. Poucos anos depois, agora empresário e pai de família em tempo integral, ele recebe uma visita que vai abrir feridas de seu passado.

O novo elemento é Diamond Dame (Jonathan Majors), amigo de infância que volta depois de duas décadas na prisão. Dame, um boxeador promissor já em sua adolescência, foi preso após um incidente envolvendo Creed quando ambos mal haviam saído de um abrigo juvenil. Fica óbvio que a cordialidade inicial do reencontro esconde fúria de um lado e culpa do outro.

Nesse ponto, "Creed III" segue à risca a cartilha dos filmes de ação ambientados no mundo do esporte. Isso é traduzido em uma série de eventos, como conflitos em família e aliados severamente machucados, que culminam na volta de Creed ao ringue para uma "última luta". Quer uma sequência de montagem ao som de hip hop motivacional? Temos!

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Jonathan Majors está sempre muito bravo em 'Creed III'
Imagem: Warner

Na prática, "Creed III" é uma empreitada com absolutamente nenhuma surpresa. Tudo bem, é da natureza dos dramas esportivos seguirem essa cartilha. A seu favor, Michael B. Jordan se mostra um diretor de escolhas criativas intrigantes, capaz de manter fluxo narrativo e interesse dramático mesmo quando os resultados são telegrafados.

O outro lado da moeda é que, ao lado do carisma genuíno e do talento dramático sutil de Jordan - em algumas cenas ele chega a lembrar Denzel Washington -, Jonathan Majors fica preso no registro "sujeito muito bravo", fazendo de Dame um antagonista unidimensional e pouco interessante. É também imperdoável a ausência não justificada da figura que começou todo esse caminho.

A verdade é que a exclusão de Sylvester Stallone - e de Rocky Balboa - de "Creed III" tem motivos corporativos, e não criativos. O astro deixou bem pública sua insatisfação com o produtor Irwin Winkler, "dono" dos direitos de seu personagem desde que o jovem Sly assinou um contrato abrindo mão de sua alma quando fez o primeiro "Rocky", lá nos anos 1970.

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Michael B. Jordan em função de diretor no set de 'Creed III'
Imagem: Warner

Sem Stallone não existiria "Rocky", muito menos seu posicionamento inegável como marco cultural moderno. Sem "Rocky" e suas décadas de história, não existiria "Creed" e sequer estaríamos tendo essa conversa. Mas é assim que Hollywood opera como negócio, é assim o jogo.

Bastidores à parte, "Creed III" mostra que Michael B. Jordan aprendeu a melhor lição com Stallone: construir seu legado, tecer as relações familiares, povoar este mundo com personagens sólidos. O novo filme é superior a seu antecessor justamente por trazer um protagonista que, mesmo em um cenário fantástico, luta por si e também contra si, dilemas com os quais a plateia pode se identificar.

Talvez seja cedo especular para onde "Creed" vai caminhar como série. Se fosse seguir o tom geopolítico de "Rocky IV", a evolução natural seria ele abraçar o nacionalismo e se mandar para a China em uma luta "maior que a vida". Vai saber. Por enquanto "Creed III" é mais do que suficiente como entretenimento e espetáculo, pavimentando assim seu próprio legado. Mas, verdade seja dita, nunca será "Rocky".