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Roberto Sadovski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Fiapo de história mal sustenta 3 horas de ação em 'John Wick 4 - Baba Yaga'

Keanu Reeves em "John Wick 4 - Baba Yaga" - Paris
Keanu Reeves em 'John Wick 4 - Baba Yaga' Imagem: Paris

Colunista do UOL

22/03/2023 04h09

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Pobre John Wick, não tem tempo nem para respirar. Sua quarta aventura mal começa e o anti herói já passa do caos urbano de Nova York para o deserto no Marrocos, onde ele trata de amarrar uma ponta solta do filme anterior. Bang! Um problema a menos. Ou a mais.

Como neste mundo, dominado por uma cabala de assassinos de regras rígidas, nenhuma ação passa sem consequências severas, logo ele está no Japão, agrupando o que resta de seus amigos para concluir sua jornada de vingança e liberdade. Não há tempo, já que um enxame de ninjas logo coloca suas habilidades à prova.

A essa altura, "John Wick 4 - Baba Yaga" mal começou e o diretor Chad Stahelski coloca Keanu Reeves, ao lado das lendas Donnie Yen e Hiroyuki Sanada, em uma cena de ação que parece interminável, tanto em duração quanto em brutalidade. Respirar? Esquece, é um luxo que nem a plateia tem.

Esse momento, claro, não tardaria a chegar. De aposta independente a série solidificada, "John Wick" deixa para trás suas origens humildes - o primeiro filme, sem distribuidor, quase foi lançado direto em streaming - para se assumir como produto de primeira linha, um investimento de US$ 100 milhões que dobra o orçamento de seus antecessores.

Quanto maior o orçamento, maior a ostentação. "Baba Yaga" traz mais locações exóticas e cenas de ação ainda mais elaboradas, tudo devidamente esticado num filme de longos 169 minutos. Como manda a Hollywood de 2023, o cinema-espetáculo quer compensar cada centavo investido no ingresso, deixando o público desnorteado e entretido pelo maior tempo possível.

Faltou, contudo, investimento em uma trama que acompanhasse uma produção dessa estatura. O charme do primeiro "John Wick", de 2014, estava em seu conceito simples, um filme de vingança temperado com a criação de um personagem acima da média. Dessa premissa o bolo foi recheado nos dois filmes seguintes com a criação de uma mitologia bacana, um submundo do crime em que assassinos estão sujeitos ao jugo de um comitê misterioso, a Cúpula.

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Laurence Fishburne, Keanu Reeves e Ian McShane no subterrâneo de 'John Wick 4'
Imagem: Paris

A intenção nunca foi despertar alguma reflexão profunda. Mas ao menos havia uma narrativa, por mais absurda, que mantinha a roda girando, que justificava as lutas, perseguições e vilões imbatíveis. A jornada de vingança, depois de traição e por fim de redenção e liberdade, parecia completa ao fim da trilogia. Cada nova aventura, porém, via a bilheteria decolar mais e mais. Se o povo quer mais, então o povo será atendido!

O que "John Wick 4" prova, porém, é que existe um limite a ser ultrapassado antes que esse mundo fantástico comece a se repetir. A trama coloca nosso herói mais uma vez numa corrida para quitar suas obrigações com a Cúpula, antes que uma horda de assassinos consiga finalmente interromper seu caminho.

Ele se torna alvo de um sujeito em particular, o Marquês de Gramont (Bill Skarsgard), que tem grandes ambições com a Cúpula e quer se provar eliminando John Wick. O clímax dessa corrida é um duelo ao nascer do Sol na basílica de Sacré-Coeur, em Paris. Se nosso herói não conseguir chegar a tempo, ele e seu aliado, Winston (Ian McShane), serão sumariamente eliminados.

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A lenda Donnie Yen em 'John Wick 4'
Imagem: Paris

"John Wick 4" poderia facilmente abrir mão de uma hora em sua duração. Não só a trama ficaria mais redonda, mas também evitaria a sobrecarga sensorial. As cenas de ação, não tenha a menor dúvida, são absolutamente espetaculares, um triunfo de técnica, coreografia e inventividade. Mas elas também são longas e intermináveis, esticando a corda até o limite.

Essa tensão é evidente por que, no fim, "Baba Yaga" não tem muito a oferecer a não ser material para os entusiastas radicais do gênero. A batalha inicial no Japão é seguida de uma briga em um inferninho em Berlim, com direito a música techno e plateia alheia à carnificina ao redor. Quando Keanu Reeves sai no braço com o ícone Scott Adkins, caracterizado como se Ronaldo Fenômeno assumisse o papel do Rei do Crime da série do Demolidor, eu já estava pronto para pedir arrego.

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John Wick em raro momento de calmaria antes da tempestade
Imagem: Paris

A meia hora final, ambientada nas ruas de Paris, é quando "John Wick 4" se assume sem o menor pudor como um grande videogame, em que nem o charme de Keanu Reeves consegue frear o processo de artificialização. Temos os capangas dispensáveis às dúzias, seguidos do chefe de fase aparentemente imbatível, com a ação despertando zero atenção dos "personagens não jogáveis" na paisagem.

O terno reforçado, entregue pelo Rei do Bowery (Laurence Fishburne), é como a barra de vida do personagem, diminuindo a cada pancada. As armas à sua disposição parecem deixadas pelo programador ao longo do caminho. A certa altura, John "morre" e literalmente volta ao começo da fase. Tudo é lindíssimo. Tudo é grandioso. Tudo é absolutamente exaustivo.

Quando sobem os créditos, é impossível não se sentir amortecido, exaurido pelo bombardeio sensorial promovido por "Baba Yaga". Existe a sugestão que sua jornada finalmente tenha terminado, mas não se engane. Não é assim que o cinemão funciona. O futuro da série, sem contar os produtos derivados "Ballerina" e "The Continental", depende da resposta ao novo filme. Neste 2023, em que o cinema tem visto seus super-heróis murcharem, "John Wick 4" traz um espetáculo que não fica só na promessa. O público, tenha certeza, está sedento. Respirar? Esquece.