Topo

Roberto Sadovski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'O Exorcista do Papa': Russell Crowe desafia o capeta e nossa paciência

Russell Crowe em "O Exorcista do Papa" - Sony
Russell Crowe em 'O Exorcista do Papa' Imagem: Sony

Colunista do UOL

06/04/2023 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

O mundo anda muito complicado. Não há outra explicação para a avalanche de filmes sobre exorcistas e exorcismos que tem chegado aos cinemas. O problema é que todos falham espetacularmente em sua função principal: causar medo. "O Exorcista do Papa", infelizmente, não é diferente.

Existe aqui o verniz do "baseado em uma história real", desculpa para cobrir as cascatas com um manto de verossimilhança. A produção é "inspirada" nos arquivos do padre Gabriele Amorth, intitulado exorcista chefe do Vaticano por mais de uma década. O caso apresentado no filme, contudo, é fruto da imaginação de seus roteiristas.

Não espere, porém, que "O Exorcista do Papa" traga algo que os recentes "A Primeira Comunhão", "13 Exorcismos" ou "A Luz do Demônio" não apresentaram. O diretor Julius Avery ("Overlord", "Samaritan") afunda no mesmo lamaçal de clichês que inclui crianças de olhos revirados e voz gutural, marcas satânicas cortadas na pele, cruzes de ponta cabeça, gente arremessada no ar por forças ocultas e muito CGI ruim.

O fiel da balança aqui seria Russell Crowe, emprestando sua considerável carga dramática ao padre Amorth. Com seus métodos rechaçados por uma corrente "moderna" na Igreja Católica, ele é convocado para uma abadia no interior da Espanha para investigar um case de possessão demoníaca.

O lugar, deserto por anos, está sendo renovado por uma família americana que se recupera de uma tragédia (o pai foi morto um ano antes em um acidente). A mãe, Julia (Alex Essoe), precisa lidar com a filha adolescente rebelde (Laurel Marsden) e com o caçula, Henry (Peter DeSouza-Feighoney) que parou de falar após a morte do pai. É justamente nele que o capeta assombrando a abadia crava suas garras.

O orçamento mais gordo comparado à média do gênero, justificado pela presença de Crowe, é torrado em uma produção mais caprichada, que ainda assim sucumbe a efeitos digitais canhestros. Deviam ter investido em um roteiro melhor. "O Exorcista do Papa" até ensaia um mistério secular que liga a abadia à própria fundação da Igreja Católica, mas a trama faz pouco sentido e existe para disparar uma espécie de "vaticanoverso" para caça a capetas desgarrados. Socorro.

popes cama - Sony - Sony
Ao menos o elenco de 'O Exorcista do Papa' parece assustado...
Imagem: Sony

Sobram, então, os sustos fáceis, com o demônio assumindo formas diferentes e usando as lembranças de Amorth e do padre que o ajuda (papel de Daniel Zovatto) para trazer a danação. O que ele consegue são bocejos, com um elenco pavoroso (Peter DeSouza deve ser a pior criança possuída da história) e Russell Crowe, com um sotaque italiano risível, não levando nada a sério.

Nos últimos anos, foram poucos os filmes sobre possessão demoníaca que conseguiram de fato assustar. "O Exorcismo de Emily Rose" equilibrou com habilidade a linha entre religião e loucura. "Invocação do Mal" funcionou ao trazer o mal para o coração de uma família. Ainda há espaço para abordar o capeta sem ser tosco.

O mapa da mina que tirou o cinema de terror do calabouço dos filmes B ainda é "O Exorcista". O diretor William Friedkin praticamente inventou todas as convenções desse subgênero, fazendo tudo funcionar ao tratar o cinema de terror a sério. Vale lembrar que uma continuação do clássico de 1973 chega aos cinemas este ano, Ellen Burstyn no elenco e tudo.

Por sua vez, o máximo que "O Exorcista do Papa" consegue para tentar acelerar nosso ritmo cardíaco é uma mulher explodindo em sangue, outra se esgueirando pelas paredes, e um clímax que lembra, sem absolutamente nenhuma ironia, "O Exterminador do Futuro 2". Queria estar inventando tudo isso. Não estou.