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Roberto Sadovski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

'Os Três Mosqueteiros: D'Artagnan' é belíssima aventura à moda antiga

A aventura está de volta em "Os Três Mosqueteiros: D"Artagnan" - Paris
A aventura está de volta em 'Os Três Mosqueteiros: D'Artagnan' Imagem: Paris

Colunista do UOL

19/04/2023 04h00

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Não existe uma gota de ironia em "Os Três Mosqueteiros: D'Artagnan". O novo filme com os heróis criados por Alexandre Dumas não é uma desconstrução, muito menos uma atualização do texto clássico. Pelo contrário. O diretor Martin Bourboulon desenhou aqui um épico de capa e espadas que recupera um cinema de virtudes em uma aventura decididamente nostálgica.

Foi a melhor decisão.

"Os Três Mosqueteiros: D'Artagnan" segue de perto o romance de Dumas, revigorando uma história tão conhecida quanto atemporal. Existe um verniz mais realista na ambientação, um cuidado maior com figurino e direção de arte e um prazer indiscutível em ouvir a aventura em sua língua natal. Pop quiz: é a primeira adaptação do texto na França em seis décadas.

François Civil é D'Artagnan, jovem espadachim que deseja se unir à tropa de elite do Rei Louis 13 (Louis Garrel), e termina batendo de frente com seus soldados mais festejados, Athos (Vincent Cassel), Porthos (Pio Marmaï) e Aramis (Romain Duris). A animosidade inicial transforma-se em companheirismo quando o quarteto descobre uma conspiração para conspurcar a Rainha (Vicly Krieps) e derrubar o reino.

A direção de Bourboulon se equilibra entre o charme da ambientação de época e o senso de espetáculo. Ao contrário das traduções ianques de Dumas, o novo "Os Três Mosqueteiros" está embalado em um ritmo menos estridente e, mesmo sem abrir mão do tom romântico, aposta no sub texto político da trama. É uma escolha que adiciona peso dramático e contextualização histórica.

Com habilidade, o filme faz um zigue-zague entre as tramas palacianas, invariavelmente traçadas pela Milady de Winter (Eva Green, fantástica), e os conflitos envolvendo os mosqueteiros. Civil é puro charme juvenil como D'Artagnan, enquanto Marmaï e Duris emprestam novas camadas a Porthos e Aramis. É Vincent Cassel, porém, quem puxa para si o maior quinhão da carga dramática.

No papel de Athos, Cassel incorpora com melancolia a tragédia do mosqueteiro de senso de honra inabalável. Ausente por metade de trama, seu retorno é o estopim para a trama disparar em um clímax enxuto.

"D'Artagnan" incorpora o melhor do cinema de aventura moderno sem em nenhum momento perder o foco de sua importância como herança literária francesa. Não perde o otimismo nem em seus momentos sombrios. Também não cede ao ruído do blockbuster moderno porque, honestamente, não precisa.

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Vincent Cassel (Athos), Romain Duris (Aramis) e Pio Marmaï (Porthos) são 'Os Três Mosqueteiros'
Imagem: Paris

Não existe espaço para invencionices contemporâneas na história de Alexandre Dumas. "Os Três Mosqueteiros", publicado em capítulos entre março e julho de 1844, seduziu o cinema já em seus primórdios, com uma primeira adaptação datando de 1903. O mundo abraçou a aventura quando Hollywood lançou o clássico encabeçado por Douglas Fairbanks em 1921, casamento consolidado em 1948, auge da Era de Ouro do cinema, em uma versão com Lana Turner e Gene Kelly.

O texto ganhou versões no México, na Itália e até na antiga União Soviética, com interpretações que iam da comédia ao musical, da contemporização ao clássico. Em 1973 os heróis de Dumas foram retratados no que se tornou sua versão mais popular - e também a mais picareta. Com direção de Richard Lester, "Os Três Mosqueteiros" injetou humor na obra de Dumas na melhor tradução de "superprodução hollywoodiana" possível.

Com Michael York à frente, amparado por Richard Chamberlain, Oliver Reed e Frank Finlay, a aventura trazia um artificialismo delicioso e uma estética levemente cafona, embalados por um elenco que ainda trazia Raquel Welch, Chistopher Lee, Faye Dunaway e Charlton Heston.

Planejado como um épico de três horas, o filme foi dividido em dois pelo produtor Ilya Salkind: "Os Quatro Mosqueteiros" estreou no ano seguinte, com parte do elenco reclamando que fizeram dois filmes pelo preço de um. Coincidentemente, "Os Três Mosqueteiros: Milady", continuação da nova aventura, estreia ainda esse ano. Ninguém levou calote.

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Eva Green e o charme vilanesco de Milady de Winter
Imagem: Paris

Depois dos filmes de Lester, "Os Três Mosqueteiros" entraram num hiato. O cinema de aventura estava mudando, especialmente depois dos fenômenos "Tubarão" e "Star Wars". Os anos 1980 trouxeram um outro tipo de blockbuster, com efeitos especiais cada vez mais sofisticados temperando histórias que borravam os limites da imaginação. De repente parecia não haver espaço para a suposta ingenuidade de uma história de capa e espadas que remetia aos primórdios do cinema.

Nenhum clássico, porém, permanece adormecido para sempre. A primeira tentativa em retomar a obra de Dumas foi em 1993, quando a Disney produziu, com Chris O'Donnell, Kiefer Sutherland e Charlie Sheen, um "Os Três Mosqueteiros" correto porém desprovido de charme, uma versão "Barrados no Baile" da aventura.

"O Homem da Máscara de Ferro", de 1998, trouxe o diretor Randall Wallace adaptando outra história de Dumas, com os mosqueteiros Jeremy Irons, Gérard Depardieu, John Malkovich e Gabriel Byrne defendendo Leonardo DiCaprio. Funciona como trivia pop e também como comédia involuntária.

As tentativas de "modernizar" a aventura clássica no novo século foram ainda piores. Peter Hyams dirigiu "O Mosqueteiro" em 2001 com um pé em "O Tigre e o Dragão", arrastando uma trama de vingança canhestra em cenas de luta totalmente deslocadas. O fundo do poço, contudo, viria em 2011, com Paul W.S. Anderson (de "Resident Evil") trocando capas e espadas por uma historinha de espionagem focada nos vilões Milla Jovovich e Orlando Bloom. Em 3D. Socorro.

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François Civil como D'Artagnan em 'Os Três Mosqueteiros: D'Artagnan'
Imagem: Paris

Quando eu era moleque, não existiam super-heróis pipocando no cinema. A cultura pop não era regida por "franquias", talvez a palavra mais odiosa para embalar um cinema que é só produto. A educação cinematográfica de toda uma geração começava na TV. As reprises de aventuras com Douglas Fairbanks, Gene Kelly e, claro, Michael York, transformaram Os Três Mosqueteiros em heróis genuínos, que embalavam brincadeiras com espadas de madeira e capas improvisadas com toalhas.

O maior mérito de "Os Três Mosqueteiros: D'Artagnan" é recuperar esse sentimento honesto ao abraçar, sem absolutamente nenhuma ironia, uma grande aventura. O cinema pode ser grandioso sem perder sua humanidade, pode caminhar em tons de cinza sem perder sua sinceridade. Trazer o texto de Alexandre Dumas de volta para casa foi como abrir os braços para um velho amigo. "Um por todos e todos por um" nunca fez tanto sentido.