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Como Vincent Cassel, o francês quase carioca, ajudou a resgatar um clássico
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"Você que é o brasileiro?" Vincent Cassel já chega empolgado para nosso papo. Ao lado de François Civil, o astro francês está no meio da maratona de "Os Três Mosqueteiros: D'Artagnan", primeiro de dois filmes que resgatam os personagens clássicos de Alexandre Dumas.
Minha resposta, em português, liga seu sorriso de 1 milhão de gigawatts. Não só por exercitar a língua que foi sua pelos cinco anos em que morou no Rio de Janeiro - o que, acredite, ele e seu sotaque perfeito definitivamente não precisam -, mas também por falar sobre um projeto que traz os heróis de capa e espada de volta para casa. De quebra, reposiciona a França no jogo do blockbuster global.
"Antes de mais nada, já faz sessenta anos desde que 'Os Três Mosqueteiros' foi feito em uma produção francesa", dispara Cassel. "Eu espero que tenhamos alcançado uma textura que os americanos e os ingleses não conseguiram em seus filmes." A obra de Alexandre Dumas vive um caso de amor com o cinema desde o começo do século passado, mesmo que, admite o astro, sua popularidade tenha diminuído.
"Acho que a última versão fidedigna do texto de foi aquela com DiCaprio e Depardieu, 'O Homem da Máscara de Ferro', e já faz tempo", continua. "As ferramentas que usamos hoje são diferentes. A ideia do diretor Martin Bourboulon foi ser imersivo ao contar a história. Muitas sequências são rodadas sem cortes, o que dá a energia e a sensação caótica de que a plateia está com os personagens ao longo da ação."
Em "Os Três Mosqueteiros: D'Artagnan", Vincent Cassel é Athos, o mais honrado e reservado dos soldados de elite do rei da França. É ele quem acompanha D'Artagnan (papel de Civil) na missão do clímax da aventura, em que a coroa francesa corre o risco graças às maquinações do Cardeal Richelieu (Éric Ruf) e da ardilosa Milady de Winter (Eva Green).
"Os clássicos são atemporais, então é possível ter varias versões deles", explica François Civil. "O texto de Dumas é como 'Macbeth', é como uma peça de Shakespeare." O ator reconhece o peso que é encarar um personagem emblemático que atravessa gerações: "Douglas Fairbanks já foi D'Artagnan, Jean Paul Belmondo já foi D'Artagnan, tivemos então de esquecer todas as outras adaptações e reinventar".
O desafio justamente em reinventar "Os Três Mosqueteiros" não está somente em seus laços com o passado. O cinema de entretenimento do novo século traz hoje uma carga sensorial, representada principalmente pelos filmes de super-heróis, que desenha um novo padrão para prender a atenção da plateia, inclinada a comparar uma aventura à moda antiga com o barulho das produções modernas.
"Para começar, o texto original é muito denso, os diálogos são interessantes, os personagens são incríveis e a dinâmica entre eles é sólida", defende Vincent Cassel. "Eu entendo a necessidade em fazer algo tão espetacular como o que pode ser encontrado no cinema ou em streaming, mas o problema é que na Europa, na maioria das vezes, não temos o orçamento para acompanhar essa ambição."
O ator aponta os entraves óbvios para transformar o cinema em uma montanha-russa: é preciso muito tempo e dinheiro. "Com esse projeto os produtores tinham a ambição de investir e apostar que poderia funcionar", continua, animado. "E, olha só, as pessoas se mostraram empolgadas em todas as sessões que acompanhamos. O filme vai abraçar o mundo, chegando no Brasil, na Itália, Espanha, Alemanha. Será lançado como um grande blockbuster francês. É um momento raro e uma oportunidade incrível!"
Outra oportunidade levantada por "Os Três Mosqueteiros: D'Artagnan" é resgatar no cinemão os valores de uma produção que, apesar de sua carga política e emocional, pertence a tempos mais simples, mesmo que as diferenças pudessem ser resolvidas na ponta de uma espada. "Um por todos, todos por um" representa, afinal, a confiança em seus companheiros.
"Honra e sacrifício são valores que precisam não só ser recuperados no cinema, mas também precisam ser discutidos", arrisca Civil. "A ideia do coletivo é muito importante, inclusive é algo encapsulado na produção de um filme. Filmamos por oito meses depois de cinco de preparação. Um grupo precisa ser forte e coeso para trabalhar em conjunto e dar vida a esses personagens."
Vincent Cassel, por outro lado, traz uma visão menos romantizada - o que, por sinal, espelha a jornada de Athos. "Não quero ser rude em minha resposta, muito menos cínico, mas eu acho que estamos falando sobre algo utópico", aponta. "Muita gente tem o hábito de demonstrar seus valores morais com orgulho e muito publicamente, mas quando olhamos com cuidado poucas pessoas agem como pregam." O astro respira, esboça um sorriso e capitula: "Um filme como 'Os Três Mosqueteiros' é mesmo uma boa forma de recuperar a discussão".
Ao longo do papo, Vincent Cassel jogou uma ou outra palavra em português, deixando por vezes François Civil fora do papo. Existe entre os atores uma camaradagem que espelha a ótima decisão em lhes entregar personagens com ideias por vezes tão antagônicas como Athos e D'Artagnan. "Eles não compartilham a mesma definição para o amor", diz Civil, antes de provocar. "Como você pode ver, Athos carrega toda sua dor em seu rosto."
"Se um homem não mostra sua vulnerabilidade, não significa que ela não está lá", devolve Cassel. "Atores como Jean Gabin e Lino Ventura não pareciam frágeis, mas era possível enxergar suas falhas em suas ações. Às vezes nossa força está na capacidade de esconder algumas coisas."
Antes de me despedir, trago o Brasil de volta a Vincent Cassel - ele prefere "Vicente" mesmo -, e pergunto se ele já teve a chance de mostrar a François Civil a beleza de uma roda de samba. O mais carioca dos franceses abre mais uma vez o sorriso, olha para o colega e encerra: "Ainda não, mas outro dia a gente estava no carro e eu coloquei 'Todo Homem', do Zeca Veloso. Agora ele ficou louco por essa música! O bicho já pegou!"
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