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'Guardiões da Galáxia 3' é (quase) o filmaço que a Marvel estava devendo
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"Guardiões da Galáxia Vol. 3" não é perfeito. Tem personagens demais, velhos e novos, que às vezes se atropelam em suas narrativas. A trama não é tão sólida e por vezes dá muitas voltas para sair do lugar. Por isso, o bom ritmo por vezes emperra em ponto-morto.
Mas, vou te dizer: que filmaço divertido, empolgante, por vezes brutal e cruel (mil gatilhos para quem gosta de bichinhos) e, por fim, irresistivelmente emocionante! Para fechar sua trilogia - e dar uma pausa em suas atividades na Marvel -, o diretor James Gunn abraçou as imperfeições de seu bando de renegados espaciais e criou o melhor filme do estúdio desde antes de o planeta entrar em lockdown.
Para isso, ele deixou de lado as ameaças de proporções cósmicas e se concentrou em uma jornada extremamente pessoal para cada um dos Guardiões. O gancho é a busca por um macguffin, uma traquitana necessária para salvar a vida de um dos heróis, gravemente ferido já na cena de abertura. É o gatilho para uma aventura homérica, que passa por diferentes mundos - e diferentes traumas.
No centro da trama está Rocket (com a voz de Bradley Cooper), que finalmente precisa encarar seu passado, e ele não é nada agradável. Em flashbacks, "Guardiões da Galáxia Vol. 3" mostra sua dolorosa origem nas mãos do cruel Alto Evolucionário (Chukwudi Iwuji), geneticista obcecado em "aperfeiçoar" o universo, que agora conta com o poder de Adam Warlock (Will Poulter, num papel pequeno porém crucial) para recuperar sua, digamos, propriedade.
A viagem para salvar um companheiro já seria o bastante para rechear o filme. James Gunn, porém, usa esse último suspiro comandando o destino dos heróis para amarrar sua trilogia por completo. Na prática, ele precisa, em um único filme, resolver o relacionamento de Peter Quill (Chris Pratt) e Gamora (Zoe Saldana), em frangalhos depois dos acontecimentos de "Vingadores: Ultimato", além de buscar um final mais ou menos definitivo para toda a gangue.
Essa obrigação com as pontas abertas na conclusão da saga de Thanos é, por sinal, o único elo que conecta "Guardiões da Galáxia Vol. 3" com o resto do universo Marvel. Não existe aqui referências, participações especiais, pistas ou qualquer relação com os outros filmes do estúdio. A nova aventura existe, para todos os efeitos, dentro de suas próprias fronteiras. Exatamente por isso ela se torna ainda melhor.
A Marvel sabia o tamanho do pepino que tinha em mãos, especialmente depois de lançar uma coleção de aventuras longe de seu padrão de qualidade habitual. O estúdio, portanto, não poupou esforços para recolocar o trem nos trilhos. Além da liberdade reservada a Gunn para fazer o filme que ele tinha em mente - e dar controle a seus autores não é exatamente política da Marvel -, "Guardiões da Galáxia Vol. 3" é, acima de tudo, um produto refinado.
O filme é bem acabado, sem efeitos visuais trôpegos (como em "Thor: Amor & Trovão"), roteiro por comitê ("Doutor Estranho no Multiverso da Loucura", um filme criminosamente roubado da genialidade de Sam Raimi) ou uma combinação de ambos ("Eternos", provavelmente o pior produto destes quinze anos de universo compartilhado).
Mesmo com falhas pontuais, este "Guardiões" é visualmente riquíssimo, com ideias ousadas executadas com humor e elegância. Como, por exemplo, a criação de uma base espacial construída com matéria orgânica. Ou mesmo a Contra Terra, planeta habitado pelas criações genéticas do Alto Evolucionário e que espelha o ápice da sociedade moderna de nosso globo azul em seu melhor e também em seu pior.
Na melhor tradição dos filmes assinados por James Gunn, toda a perfumaria visual existe unicamente para dar suporte ao temas que ele coloca como pilares de sua história. A cola que une os fragmentos narrativos em "Guardiões da Galáxia Vol. 3" é a oportunidade de amadurecer ao completar ciclos.
Cada personagem precisa, à sua maneira, aceitar que seu lugar neste universo talvez não seja o que ele imaginava: entender que a perfeição é uma ilusão estilhaçada faz parte da jornada para chegar em um lugar, se não melhor, pelo menos que traga paz interior. É uma verdade aplicada não só a Rocket, Quill e Gamora, mas também em Nebulosa (Karen Gillan), Mantis (Pon Klementieff) e Drax (Dave Bautista), todos com igual oportunidade para brilhar.
A necessidade em encerrar ciclos pode custar um pouco da dinâmica do filme, também desacelerada com criação de uma nova trama já no fim do segundo ato. Gunn consegue, por sua vez, transformar o que seria sentimentalismo oco em uma forma bonita de amarrar uma fantasia espacial que não economiza no espetáculo. Acredite, quando os créditos rolarem, todos os pecados de "Guardiões da Galáxia Vol. 3" não passarão de notas de rodapé.
A Marvel encontra-se agora em um momento decisivo. O estúdio que ditou os rumos da cultura pop cinematográfica no novo século, nublou seu caminho quando apostou no volume, combinado em produções para o cinema e o streaming. Como resultado, os novos jogadores ainda não tiveram tempo de mostrar serviço, ao mesmo tempo em que personagens "clássicos", como neste terceiro "Guardiões", penduram o chapéu.
A decisão em desacelerar e espaçar o tempo entre seus lançamentos pode, por fim, ser benéfica para o estúdio. Além de "As Marvels", que estreia em novembro nos cinemas, o universo compartilhado tem somente duas produções em streaming para 2023, "Invasão Secreta" e a segunda temporada de "Loki". A greve de roteiristas de Hollywood pode inadvertidamente ampliar ainda mais o hiato.
James Gunn, por sua vez, encerra seu próprio ciclo de forma positiva, em uma nota agridoce e totalmente apaixonada. Fica evidente em "Guardiões da Galáxia Vol. 3" o amor genuíno que ele sente por estes personagens, e também sua evolução como contador de histórias. Gunn firma-se como diretor de grandes espetáculos que não perde o pulso de seu coração. "Superman: Legacy", sua estreia na concorrência agendada para 2025, não poderia estar em melhores mãos.
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