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Roberto Sadovski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Jason Momoa mantém 'Velozes 10' na pista mesmo quando as ideias acabam

Vin Diesel e Daniela Melchior em "Velozes & Furiosos 10" - Universal
Vin Diesel e Daniela Melchior em 'Velozes & Furiosos 10' Imagem: Universal

Colunista do UOL

17/05/2023 13h00

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"Velozes & Furiosos 9", lançado em 2021, transformou a piada em realidade quando disparou um carro, turbinado com um foguete, para o espaço. "O que será que vão inventar depois dessa?" foi a pergunta, meio incrédula, na cabeça de cada ser iluminado que enfrentou a pandemia e assistiu ao filme no cinema.

A resposta, sinto informar, é um retumbante "nada". O novo "Velozes & Furiosos 10", encabeçado por Vin Diesel e sua família estendida, finalmente esgotou a fórmula. Até que demorou. Foram mais de duas décadas com carrões envenenados, corridas alucinantes e espionagem internacional. Cada novo capítulo elevou os absurdos e a adrenalina em nome do entretenimento. Mas, como dizem por aí, "todo Carnaval tem seu fim".

Não vou aqui insultar sua inteligência, caro leitor, e discorrer sobre roteiro, arco dramático ou estrutura narrativa. A série "Velozes & Furiosos" sempre trouxe um fiapo básico desses elementos para amarrar conceitos como "honra", "lealdade" e "família" em histórias absurdas e sem o menor sentido. Desta vez, os roteiristas quebraram a cabeça para bolar uma desculpa para conectar um punhado de (boas) cenas de ação.

A decisão mais esperta neste "Velozes 10" foi conectar a trama com os eventos do quinto filme, quando a dinâmica da série mudou de corridas ilegais para espionagem internacional. Ambientado no Rio de Janeiro, e de longe o melhor da saga, "Velozes 5" colocou Dom e sua equipe contra o traficante Hernan Reyes (Joaquim de Almeida), morto durante o clímax na ponte Rio-Niterói (de mentira, mas é cinema!).

Acontece que Reyes tinha um filho, Dante (Jason Momoa), que estava presente quando Dom arrebentou o carro do seu pai com um cofre (!) e o deixou à beira da morte - o tiro de misericórdia foi disparado pelo agente federal Hobbs (Dwayne Johnson, que entrou na série neste filme). Sem sua fortuna e sem seu papai, Dante jura vingança contra Dom. Seu plano em "Velozes 10" é separar a equipe, minar sua credibilidade como agentes independentes de uma organização secreta e destruir a família de nosso herói.

É até engraçado dizer que nada faz sentido em um filme da série "Velozes & Furiosos". Mas, olha, o caldo entorna legal nessa aventura que traz o operário Louis Letterier ("O Incrível Hulk", "Fúria de Titãs") na direção. A trama começa em Los Angeles, pega fogo em Roma, volta ao Rio de Janeiro, passa por Londres e chega até a Antártida. Temos bombas gigantes rolando entre carros, corridas clandestinas e perseguições em rodovias. Tudo protagonizado por efeitos especiais que, vá lá, funcionam.

Desta vez, contudo, nada parece original. Parte do charme de "Velozes & Furiosos" é ver como seus criadores superam os absurdos da produção anterior. Desta vez, é como se a ação fosse um repeteco de cenários de outros filmes: mudam as peças mas é o mesmo xadrez. As explosões, as manobras, os veículos especiais, tudo parece ultrapassado e enfadonho.

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Os carrões e as explosões de 'Velozes & Furiosos 10' já cansaram
Imagem: Universal

Não ajuda também o elenco estar em sua absoluta pior forma. Não que "Velozes" seja espaço para grandes interpretações, mas ninguém aqui escapa de níveis estratosféricos de canastrice. Ninguém. Nem Helen Mirren. Nem Charlize Theron. Leo Abelo Perry, que interpreta o filho de Dom, é um dos piores atores infantis do milênio. Tyrese Gibson consegue dobrar seu índice de inutilidade. E Vin Diesel, que funciona muitíssimo bem com o texto certo, alterna entre as expressões "estou bravo" e "estou muito bravo".

As adições à "família" não ficam muito atrás. A começar por Brie Larson, uma espiã rebelde, filha do personagem de Kurt Russell (que está "desaparecido"), que não faz a menor força para se mostrar à vontade. O mesmo pode ser dito de Alan Ritchson ("Jack Reacher"), que não vai muito além do "agente temperamental" determinado a colocar a equipe de Dom na mira das autoridades. A personagem brasileira, que arrasa nas pistas clandestinas, é interpretada por Daniela Melchior, uma atriz portuguesa. Imagine alguém dizendo "Te esculacho" com sotaque carioca-lusitano. Pois é.

Letterier, que assumiu o filme depois que o diretor Justin Lin pediu demissão pouco antes de as filmagens começarem ("diferenças criativas", claro) não tem muito material para trabalhar. Uma sequencia inteira em um cyber café em Londres podia ser limada sem nenhum prejuízo à narrativa. O retorno de Jason Statham é tão insípido que mal registra. Até os momentos dramáticos tem zero peso emocional - afinal, do que adianta matar um personagem se outros, como Han (Sung Kang) e Letty (Michelle Rodriguez), voltaram da morte sem a menor cerimônia? Fica a dica: eles não são os únicos.

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Jason Momoa é o motivo pelo qual 'Velozes 10' não derrapa
Imagem: Universal

Se existe motivo para recomendar este "Velozes e Furiosos 10" no cinema, sem perder um centavo do preço do ingresso, ele atende por Jason Momoa. O astro de "Aquaman" e "Duna" traz um senso de perigo anárquico capaz de chacoalhar o filme de sua própria lerdeza. Seu Dante é como se o Coringa criado por Heath Ledger em "Batman - O Cavaleiro das Trevas" interpretasse o pirata Jack Sparrow. Em uma cena, ele pinta as unhas dos corpos já putrefatos de dois capangas enquanto bate um papo com eles. Momoa é exagerado, andrógino, extravagante e injeta uma dose de imprevisibilidade e loucura em Dante - mesmo que o filme não colabore.

A boa notícia é que o mega vilão retornará no próximo capítulo da série, um "Velozes 11" que supostamente encerraria a saga. Bom, vã esperança, já que Vin Diesel deixou escapar recentemente seu desejo de terminar a história em uma trilogia. Há de se admirar a longevidade de "Velozes & Furiosos" como produto, e temos de aplaudir sua reinvenção como a única série de ação com compromisso real e orgânico com diversidade. Só que não dá para admirar os fogos de artifício quando não sobra nada depois que o brilho apaga. Mesmo que, convenhamos, deva ser difícil depois de ejetarem um carro no espaço.