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Wolverine polêmico: Por que a arte de Frank Miller incomoda tanto
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Uma ilustração do Wolverine. Foi o que bastou para a internet, ao menos a bolha pop, virar ao avesso. Tudo porque a Marvel divulgou quatro ilustrações para capas de alguns de seus títulos com a assinatura de Frank Miller. Longe dos super-heróis perfeitos que povoam os gibis, as versões do desenhista são brutais, exageradas, anatomicamente incorretas. Marcantes. Geniais!
Não foi com esse entusiasmo, contudo, que o traço de Miller foi recebido entre parte dos apaixonados por histórias em quadrinhos. Sua versão do Wolverine disparou um debate acalorado sobre a evolução de sua arte, mas terminou por revelar a absoluta inflexibilidade de alguns fãs de gibis em relação aos que eles toleram como "um bom desenho".
Gostar ou não de uma ilustração, independente da bagagem de cada indivíduo, é algo totalmente subjetivo. Se um desenho desagrada alguém, é um ponto de vista válido. O que esse caso deixou mais evidente, entretanto, é a intolerância de uma fatia dessa turma com qualquer coisa que escape de sua definição de arte para personagens dos quadrinhos.
O fã de gibis de super-heróis, como o material atualmente produzido pela Marvel e a DC deixa claro, é bastante conservador. Ele foi "educado" em um padrão que raramente foge da produção industrial. A arte da HQ moderna, salvo as exceções, traz o estilo popularizado pelo desenhista Jim Lee ainda nos anos 1990: detalhista, dinâmico, realista e eficiente. Sem surpresas.
Frank Miller, por sua vez, nunca foi muito afeito às regras do mercado. Ao desenhar a série do Demolidor, ainda no começo dos anos 1980, o artista incorporou elementos do cinema noir e de autores fora do circuito norte-americano a seu traço. A minissérie "Wolverine", de 1982, ressaltava essas influências, mesmo que tenha sido produzida dentro dos padrões da Marvel.
A arte de Miller em "Batman - O Cavaleiro das Trevas" de 1986, trazia ainda mais rupturas com o padrão vigente, em que seu suposto realismo era quebrado com intervenções que pareciam caricaturas. "Elektra Vive", graphic novel de 1990, mostrou o estilo de Miller, ainda dentro de uma estrutura corporativa, caminhando para a evolução que ele mostraria nos anos seguintes.
Daí para frente, o artista abandonou de vez qualquer convenção em suas criações. "Sin City" é um arraso estético de alto contraste de preto e branco, de luz e sombras. "300" é ficção histórica de apuro visual único. Fora do universo dos super-heróis, a massa de fãs aplaudiu de pé, reconhecendo Frank Miller como um dos maiores gênios da história dos quadrinhos.
A recepção dos mesmos entusiastas já foi radicalmente diferente quando, no começo do novo milênio, Miller voltou para a DC com "DK2", continuação de sua minissérie do Batman. Ele optou por um estilo experimental, quase abstrato, que por vezes brigou no papel com a colorização digital assinada por sua colaboradora habitual (e então esposa) Lynn Varley. A blindagem do artista pela primeira fez encontrou fissuras entre seus admiradores.
Não que Miller tenha dado a mínima. A essa altura, ele já se preparava para outros saltos criativos, retomando um diálogo com Hollywood, interrompido depois que seus roteiros para "RoboCop 2" e sua continuação foram retalhados e desvirtuados. O convite de Robert Rodriguez para codirigir a adaptação de "Sin City", contudo, parecia irrecusável.
Seu retorno eventual aos quadrinhos foi sempre cercado por polêmicas. "Holy Terror", uma graphic novel explicitamente anti-islâmica, foi rejeitada pela DC como aventura do Batman e encontrou seu caminho como HQ independente, uma resposta tardia de Miller ao 11 de setembro - recentemente ele disse que, embora não possa apagar a arte que produziu, não existe mais "diálogo" com a obra.
"Xerxes", ficção histórica no mesmo universo de "300", publicada inicialmente como minissérie entre abril e agosto de 2018, foi o último trabalho integralmente desenvolvido com o traço de Miller. A desconstrução de seu estilo, desde que desenhou Demolidor para a Marvel quatro décadas antes, parece finalizada. As capas que ele eventualmente produz para a Marvel - além do Wolverine, a editora mostrou sua interpretação para Blade, o Coisa e o Cavaleiro da Lua - são um presente.
Ao longo de sua carreira, de Miller aos poucos reduziu sua arte ao que ela tem de mais simples. Ele aparou todas as arestas, tirou toda a gordura e consolidou seu estilo. Toda sua influência, do argentino Alberto Breccia ao "rei" Jack Kirby, do mangá ao cinema noir, impõe-se como abstração, em que o grotesco resulta em figuras super-humanas que não são necessariamente super heroicas.
Seu estilo é exatamente tudo que faz o fã tradicional de super-heróis torcer o nariz. São as mesmas críticas ao estilo cada vez mais minimalista de Mike Mignola. Ou ao traço que remete à pop art de Mike Allred. Ou ainda à arte punk e brutal de Paul Pope. São artistas que até trafegam pelo universo dos justiceiros fantasiados. Mas é uma visita vista por muitos como incômoda.
A verdade é que uma única ilustração do Wolverine assinada por Frank Miller recolocou os super-heróis da Marvel no holofote. Seus pares aplaudiram, entendendo que a arte, quando permanece estática, especialmente em um meio dinâmico como as histórias em quadrinhos, também se torna enfadonha.
No traço de Miller, Wolverine foi traduzido como um amontoado de músculos, pelo e selvageria que transmite perigo. É exatamente o que ele sempre foi: brutal. Há quem diga que Frank Miller "desaprendeu a desenhar". Nada poderia estar mais distante da verdade. A Marvel - e os quadrinhos - só tem a ganhar quando um gigante decide caminhar entre os mortais. Seus desenhos pertencem não só nas páginas dos gibis: eles merecem estar expostos em uma galeria de arte.
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