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Como Martin Scorsese, DiCaprio e De Niro vão salvar a experiência do cinema
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Não existe cineasta vivo que se aproxime da excelência e do talento de Martin Scorsese. Aos 80 anos, o diretor de clássicos absolutos como "Taxi Driver", "Touro Indomável" e "Os Bons Companheiros" continua travando a batalha para preservar a experiência — a nossa experiência — de descobrir filmes no cinema.
Ok, não seria exatamente uma "batalha", estaria mais para uma "vocação apaixonada". No momento em que o cinema torna-se quase que exclusivamente palco de grandes espetáculos, deixando em segundo plano produções mais reflexivas, Scorsese insiste em inovar, em avançar a linguagem cinematográfica. Em contar histórias que precisam da cumplicidade coletiva da sala escura.
A jornada para realizar seu próximo longa, "Killers of the Flower Moon", ilustra de forma brilhante sua obstinação pelo cinema e sua paixão pela arte de contar histórias. A adaptação do livro de David Grann, lançado no Brasil como "Assassinos da Lua das Flores" chegou às mãos do diretor em abril de 2017, simultaneamente ao lançamento da obra.
A disputa pelos direitos, iniciada ainda em 2016, somada ao interesse de Scorsese, revela a dimensão da história. "Killers of the Flower Moon" aborda uma série de assassinatos de membros abastados da Nação Osage, no Oklahoma, ocorridos no começo dos anos 1920, pouco depois da descoberta de vastos campos de petróleo nas terras indígenas. A trama desenrola-se em torno da investigação dos crimes, envolvendo fazendeiros dispostos a passar por cima dos Osage, que foi conduzida por um recém-formado FBI.
O roteiro, escrito a quatro mãos por Scorsese e Eric Roth ("O Informante", " Duna"), foi o suficiente para garantir Leonardo DiCaprio e Robert De Niro no projeto. Mas não para fazer os olhos dos grandes estúdios brilharem: o orçamento, previsto pelo texto de Martin e Roth, encostou em US$ 200 milhões e assustou os executivos. Afinal, não existem em "Killers of the Flower Moon" super-heróis, batalhas espaciais ou Vin Diesel ao volante.
Essa situação mostra o quanto os bastidores do cinema do século 21 estão tortos e precisando de remendos. O cinema espetáculo deve sempre ter seu espaço incentivado. "Tubarão" e "Star Wars" fizeram da sala escura uma montanha-russa de adrenalina — e tudo bem. É saudável, por outro lado, investir também de forma permanente no trabalho de grandes autores como Scorsese. O motivo é simples: sem eles não existe cinema. O parquinho fecha as portas.
"Cinema", vamos deixar bem claro, não é apenas luz e som projetados numa tela. É arte — pop, comercial, reflexiva, complexa, cabeçuda, boba, descartável, mas arte de todo modo. São artistas, artesãos ao longo de todo o processo para tirar um filme do papel, os pilares para perpetuar o espetáculo. Quando as salas de exibição reduzem a oferta ao trivial, e afunila sua diversidade temática, o público que busca algo além de escapismo lentamente converge para outras opções, como o streaming.
Foi exatamente com essas novas plataformas que Scorsese foi buscar financiamento para executar sua visão. "O Irlandês", lançado em 2019, foi uma produção Netflix. "Killers of the Flower Moon" recebeu investimento da Apple TV+ para financiar e distribuir o longa ao lado da Paramount — garantindo, portanto, sua exibição nos cinemas.
O primeiro trailer de "Killers of the Flower Moon" traz uma amostra das respostas para todas as indagações sugeridas pela tenacidade de Scorsese. "Por que um drama custa tão caro", ou "por que insistir em filmar em locação no Oklahoma, e não num estúdio", ou ainda "por que insistir em uma metragem de três horas e meia".
As múltiplas respostas podem ser condensadas em uma só: porque Martin Scorsese sabe o que faz. Ele entendeu que uma trama tão delicada, que aborda temas potencialmente polêmicos, precisava da atmosfera do lugar onde ela transcorreu, da voz de seus protagonistas, da presença dos descendentes de quem a viveu. Precisava dos recursos para retratar a época, as pessoas e a história.
O primeiro trailer de "Killers of the Flower Moon", que deve chegar aos cinemas em outubro, sugere o escopo da reverência que Scorsese injetou no filme. Em pouco menos de dois minutos, o cineasta preenche a tela com sobriedade, com urgência, com majestade e melancolia. Leonardo DiCaprio (em sua sétima parceria com o diretor) e Robert De Niro (onze filmes juntos) encabeçam o elenco que ainda traz Lily Gladstone, Jesse Plemons, Brendan Fraser e John Lithgow.
"Killers of the Flower Moon", assim como "Oppenheimer" (de Christopher Nolan) e "Napoleão" (de Ridley Scott), mostram que ainda existe espaço para um cinema adulto e longe de propriedades intelectuais, capaz de atrair investimento considerável para ser apresentado, sim, como um espetáculo. Filmes com assinaturas de verdadeiros artistas, visionários como Martin Scorsese que nos lembram o quanto somos afortunados em viver na mesma época em que gigantes ainda caminham sobre a Terra.
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