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Roberto Sadovski

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Astros reinventados: Como o streaming abraçou Stallone e Schwarzenegger

Arnold Schwarzenegger em "FUBAR" - Netflix
Arnold Schwarzenegger em 'FUBAR' Imagem: Netflix

Colunista do UOL

15/06/2023 04h00

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"Rota de Fuga" foi o projeto que finalmente colocou Sylvester Stallone e Arnold Schwarzeneger para dividir a cena. Não em uma ponta, muito menos como uma paródia: era um filme de ação em que os maiores astros do gênero dividiam o topo do cartaz e o tempo em cena.

Se tivesse sido lançado no começo dos anos 1990, uma produção promovendo esse encontro de titãs, mesmo não sendo nada além de ok, ficaria fácil entre as maiores bilheterias do ano unicamente pela força do nome de seus protagonistas. O lançamento, contudo, foi em 2013. "Rota de Fuga" terminou como um capricho fora de seu tempo que mal fez barulho.

A palavra-chave aqui é "tempo". Stallone e Schwarzenegger, responsáveis pela criação dos filmes com um exército de um homem só nos anos 1980, como "Rambo II - A Missão" e "Comando Para Matar", viram seu momento acontecer e evaporar. Seu legado é inquestionável, mas nem de longe eles são a potência global que um dia foram.

É curioso, portanto, perceber que, em pleno 2023, os astros buscam ressignificar sua carreira longe do cinema. Se a sala escura não parece ter mais espaço para eles, nas plataformas de streaming Sly e Schwarza são os astros do momento em projetos que vão da ficção (as séries "Tulsa King" e "FUBAR") ao documentário (o intenso "Arnold) ao reality show ("A Família Stallone" é... algo!). É um movimento que, longe de buscar atingir a um novo público, procura polir sua própria história.

Falar da história de Sylvester Stallone e Arnold Schwarzenegger, que já foram de rivais na tela grande a sócios no mundo dos negócios de Hollywood, é observar duas figuras totalmente diferentes. Stallone sempre foi melhor ator e abraçou todos os clichês do artista sem ter onde cair morto. Insistiu até escrever e, por sua teimosia, protagonizar, o drama "Rocky, Um Lutador" em 1976. Foi o passo que precisava.

O sucesso lhe deu oportunidade de trabalhar com diretores como Norman Jewinson ("F.I.S.T.") e John Huston ("Fuga Para a Vitória"), além de ele mesmo estrear atrás das câmeras ("A Taberna do Inferno"). "Falcões da Noite" e "Rambo - Programado Para Matar" flertavam com a ação sem perder consistência dramática, e ele ainda lapidou o conceito de série cinematográfica ao expandir a saga de Rocky Balboa.

Schwarzenegger, por sua vez, traçou um caminho totalmente diferente. Um atleta real, e talvez o ser humano mais carismático e determinado do planeta, ele começou a treinar como fisiculturista ainda adolescente em sua Áustria natal. Sagrou-se Mr. Universo aos 20 anos - título que ele ganhou cinco vezes, somado a outras sete vitórias como Mr. Olympia.

Disposto a se tornar astro de cinema, Schwarza fez uma estreia folclórica em 1970 com "Hercules em Nova York", só acertando o prumo sob o comando do diretor Bob Rafelson seis anos depois em "O Guarda-Costas", ao lado de Jeff Bridges e Sally Field. O documentário "O Homem dos Músculos de Aço", de 1977, apresentou seu carisma ao mundo melhor do que qualquer ficção. "Conan, o Bárbaro", de 1982, foi a cereja no bolo de sua consagração.

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Sylvester Stallone em 'Tulsa King'
Imagem: Paramount+

Os anos 1980 foram emblemáticos de maneiras diferentes para os atores, solidificando seu status como potências nas bilheterias e astros globais. Para Stallone a consagração veio em 1985 com "Rambo II - A Missão" e "Rocky IV", que só perderam o topo do pódio do ano para "De Volta Para o Futuro". "Cobra", "Falcão - O Campeão dos Campeões", "Rambo III", "Condenação Brutal" e "Tango & Cash", embora nem todos bem-sucedidos, irrigaram a conta bancária e a estética marombada do astro.

Schwarzenegger, por sua vez, mostrou com "O Exterminador do Futuro", de 1984, que ele não só tinha total domínio de sua própria imagem ao assumir o papel de vilão, como tinha segurança ao optar pelo ecletismo. Fez ação, claro: mais um "Conan", além de "Guerreiros de Fogo", Comando Para Matar", "Jogo Bruto" e "Inferno Vermelho". Mas também experimentou terror ("O Predador"), ficção científica ("O Sobrevivente") e até comédia ("Irmãos Gêmeos").

Sua cadeira na elite hollywoodiana aconteceu em 1990, quando ele trabalhou com o diretor Paul Verhoeven no ambicioso "O Vingador do Futuro", antecipando a avalanche "O Exterminador do Futuro 2" no ano seguinte. Assinado mais uma vez por James Cameron, "T2" tornou-se fenômeno global e consolidou o nome de Schwarzenegger como o mais poderoso do cinema.

Para os dois ícones, os anos 1990 foram uma década de acomodação em seu status. Não havia muitos riscos, e ambos cravaram ao menos um filme emblemático - mesmo que por motivos diferentes. Schwarza fez o ótimo "True Lies", novamente com Cameron, mas ficou marcado pelo surreal "Batman & Robin", em que ele assumiu o papel do vilão "Mr. Freeze". Já Stallone trouxe uma coleção de ótimos filmes de ação ("Risco Total", "O Demolidor") mas surpreendeu com sua atuação equilibrada no drama "Cop Land".

O novo século trouxe também um novo cinema. O exército de um homem só foi aos poucos substituído por outro tipo de super-herói. "Matrix" trouxe a estética cyberpunk e os avanços tecnológicos, "X-Men" abriu as páginas das HQs e "Homem-Aranha" consolidou o caminho. Ao mesmo tempo, "O Senhor dos Anéis" e "Harry Potter" recuperavam a fantasia para todas as idades. As bilheterias responderam com bilhões de dólares. O jogo era outro.

Schwarzenegger rascunhou sua própria fuga e, depois do terceiro "Terminator" em 2003, foi se aventurar em outros cenários, o da política, assumindo por fim o cargo de governador da Califórnia. Stallone, por sua vez, enveredou-se em uma série de escolhas inacreditavelmente deploráveis, com "O Implacável", "Alta Velocidade", "D-Tox" e "Missão Perigosa" raspando o fundo do poço da irrelevância.

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Sylvester Stallone e Arnold Schwarzenegger em 'Rota de Fuga', de 2013
Imagem: Paris

A maré começou a virar quando Robert Rodrigues lhe jogou uma boia com o terceiro "Pequenos Espiões" em 2003. O fôlego extra tornou-se uma maratona vitoriosa quando Stallone voltou seu olhar ao passado, recuperou suas origens e seu legado e fez de "Rocky Balboa", lançado em 2006, um pequeno milagre. "Os Mercenários", de 2010, colocou Schwarza numa ponta, papel ampliado na continuação lançada dois anos depois. O que nos traz de volta a "Rota de Fuga" e ao estado atual das coisas.

Nem Schwarzenegger, muito menos Stallone, reencontraram um mercado disposto a recebê-los de braços abertos. O primeiro viu duas tentativas de revigorar a série "O Exterminador do Futuro" implodirem junto com sua viabilidade como astro de cinema. O segundo se deu melhor como coadjuvante de filmes de hominhos ("Guardiões da Galáxia", "O Esquadrão Suicida") e cravou com "Creed" uma indicação ao Oscar, mas sequer arranhou sua glória passada.

Uma porta fechada termina abrindo a seguinte, e o streaming surgiu como opção lógica. Se no cinema o jogo é bruto, nas plataformas digitais Stallone e Schwarzenegger surgem como ícones de uma era pregressa, ricos no capital que, quando bem utilizado, rende horrores: a nostalgia.

Stallone entendeu que seus dias com músculos flexionados chegaram no limite, e usou as ferramentas do streaming para proteger seu legado como intérprete, escolhendo projetos com peso dramático maior. "Tulsa King", em que ele faz um gângster despachado para uma cidade no Oklahoma após um quarto de século na prisão, tem bom equilíbrio de brutalidade, senso de humor e intriga. É um acerto da Paramount+.

Sly se saiu bem melhor do que o "True Lies" da Shopee que Schwarza levou para a Netflix. Para sermos justos, "FUBAR" é melhor do que aparenta. Arnold faz um superespião que esconde sua verdadeira profissão da família. Prestes a se aposentar, ele é convocado para ajudar na captura de um terrorista e descobre, durante a missão, que sua filha (papel de Monica Barbaro) é outra espiã disfarçada. O orçamento é de uma paçoca e uma caixa de Bis, mas "FUBAR" não ofende.

Além das séries, as duas plataformas de streaming estenderam um mimo pessoal para cada astro, uma tentativa de consolidar sua própria história, só que por caminhos distintos. Schwarzenegger, o mestre do picadeiro do carisma, apresenta "Arnold", documentário em três partes que reconta sua trajetória. O que parecia uma egotrip maçante termina como um olhar intenso e carinhoso para um personagem maior do que a vida, que personificou como ninguém o tal "sonho americano".

"A Família Stallone", por sua vez, é levemente constrangedor no melhor dos sentidos. Cravado em algum lugar entre "Os Osbournes" e "Keeping Up With the Kardashians", o reality show promete, e cumpre com louvor, tudo que o formato oferece. Existe um otimismo insuspeito permeando cada episódio, que mesmo com o carisma de um nabo do trio de filhas do astro, conta com o charme natural de Stallone e da afeição genuína da família.

O que parecia um fim de feira para Arnold Schwarzenegger e Sylvester Stallone, terminou como um epílogo extremamente confortável se a dupla decidir que é hora de pendurar as chuteiras. Tudo bem. A essa altura eles não precisam provar absolutamente nada, já que tem um legado inigualável, espelhado por poucas personalidades com décadas na estrada. Melhor do que arriscar o cinema para uma plateia que dê de ombros é ser o tio do pavê no conforto da sala de cada fã. Existem destinos piores.