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Como 'O Último Grande Herói' quase enterrou a carreira de Schwarzenegger
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Não existia, no começo dos anos 1990, astro maior que Arnold Schwarzenegger. Após lapidar sua carreira e imagem pública na década anterior, o gigante austríaco começou um novo ciclo indo para Marte em "O Vingador do Futuro", para em seguida conquistar o planeta com "O Exterminador do Futuro 2". Ele parecia invencível! E então veio "O Último Grande Herói". E o ídolo mostrou ter pés de barro.
O fracasso da aventura pilotada por John McTiernan, lançada há exatos 30 anos, ilustra exatamente como Hollywood operava em seu balaio de egos, e como até as melhores ideias podem sucumbir quando elas se tornam mero produto. Seria ótimo dizer que o cinemão aprendeu as lições escancaradas a duras penas pelo filme uma vez alardeado como "o ingresso imperdível" de 1993. Em vez disso, vez por outra vemos a história se repetindo.
No caso de "O Último Grande Herói", a história começou no lugar certo: a paixão de dois jovens pelo cinema. Zak Penn e Adam Leff tinham acabado de se formar, e decidiram transformar seu apreço pelo cinema de ação em um roteiro que combinava a desconstrução do gênero com um filme mergulhado em adrenalina por méritos próprios.
O projeto, então batizado "Extremamente Violento", abraçava absolutamente todos os clichês das produções encabeçadas por Steven Seagal, Sylvester Stallone, Charles Bronson, Chuck Norris e, claro, Arnold Schwazenegger. O texto mostrava um adolescente abduzido para dentro de um filme de ação, que usava seu conhecimento das convenções do gênero para ajudar seu herói, Arno Slater. Era como "A Rosa Púrpura do Cairo", de Woody Allen, só que ao contrário.
Como uma fábula hollywoodiana, "Extremamente Violento" caiu nas mãos de Chris Moore, produtor de "Perseguição", "Agentes do Destino", "Manchester à Beira-Mar" e da série "American Pie", que em 1991 ainda atuava como agente em Los Angeles. Ele fez o texto de Penn e Leff circular entre os grandes estúdios, com o conceito da metalinguagem enchendo os olhos de executivos atrás da próxima mina de ouro. A Columbia terminou colocando US$ 350 mil na mesa, mais ou menos na mesma época em que a trama chamou a atenção do próprio Arnold Schwarzenegger.
Nesse ponto, as engrenagens de Hollywood passaram a operar em modo turbo. Schwarza não tinha pressa para assumir o projeto, e também estava de olho na comédia "Sweet Tooth", na qual ele interpretaria uma versão bombada da Fada dos Dentes (esse filme eventualmente foi feito em 2010 com Dwayne Johnson). O estúdio, temendo perder uma oportunidade de negócio com Arnold, cedeu às suas exigências.
Assim, Zak Penn e Adam Leff, que tinham entregado um roteiro "pouco profissional", foram ejetados do próprio projeto, e Arnold chamou Shane Black para reescrever a aventura. Nesse ponto, "Extremamente Violento" já fora rebatizado "O Último Grande Herói", com Arno transformado em Jack Slater. A maior ironia é ter um filme criado para desconstruir um gênero, agora encabeçado por seu maior astro e pelo responsável por "Máquina Mortífera" e "O Último Boy Scout".
Enquanto Black anabolizava as cenas de ação e tentava manter o clima autodepreciativo do texto original, John McTiernan foi escolhido como diretor. E tudo mudou. Em vez de o estúdio trazer um cineasta que pudesse abraçar a ironia, como Joe Dante ou Robert Zemeckis, preferiram colocar o homem por trás de "O Predador", "Duro de Matar" e "A Caçada ao Outubro Vermelho" para reinterpretar um universo do qual ele mesmo fazia parte.
McTiernan tratou de reconfigurar todo o roteiro, e foi aí que os executivos da Columbia começaram a entrar em pânico. Quanto mais o texto de "O Último Grande Herói" era reescrito, mais ele se afastava de seu propósito original. Para não assumir a culpa de um problema maior, os engravatados fizeram o que faziam melhor: jogaram dinheiro no projeto.
William Goldman ganhou US$ 1 milhão para reescrever tudo mais uma vez. Carrie Fisher foi chamada para dar um "toque feminino" à história. Novos personagens substituíam antigos; estes, vez por outra eram recuperados. Era o caos.
Mais uma dúzia de outros roteiristas contribuíram para o texto, alterando sequências inteiras ou mudando a personalidade de personagens ao longo da aventura. Em algum momento, Arnold Schwarzenegger foi transformado em personagem, que surge na estreia do blockbuster "Jack Slater 4" enquanto o próprio Jack, agora fora do filme e em nosso mundo, tenta salvar o garoto Danny Madigan (papel do novato Austin O'Brien).
Mesmo sem um roteiro fechado, em agosto de 1992 "O Último Grande Herói" entrou em produção ao custo de US$ 60 milhões, além dos US$ 15 milhões que foram direto para o bolso de Arnie.
As filmagens foram um pesadelo, impulsionado por um problema que Hollywood só conseguiu piorar ao longo dos anos. Mesmo com a tensão alta, o estúdio cravou a estreia de "O Último Grande Herói" para 18 de junho de 1993. A data, atrelada a uma campanha promocional igualmente mastodôntica, que incluía videogames, brinquedos, uma trilha sonora roqueira e uma promoção com o Burger King, era imutável. McTiernan arregaçou as mangas e tentou encontrar algum sentido em tudo aquilo.
Mas nem um milagre seria capaz de corrigir o curso. Quanto mais problemas surgiam no set, mais os executivos do estúdio os cobriam com dinheiro. Locações e cenários milionários eram erguidos em toda Los Angeles, mesmo que o texto nunca estivesse no lugar.
Em vez de criar um filme coeso, tudo que McTiernan poderia fazer era costurar fragmentos, como uma colcha de retalhos, e esperar que eles fizessem algum sentido. O filme sequer teve tempo de edição decente, com várias cenas entrando no corte final exatamente como McTiernan havia filmado.
O maior desafio em "O Último Grande Herói" era encontrar o tom certo para contar a história. Não por incompetência do diretor ou de sua corte de roteiristas — Shane Black terminou voltando ao set, assim como Zak Penn —, mas por indefinição do próprio estúdio, que não decidia se o projeto era mais um filme de ação ou uma aventura infantojuvenil para toda a família. Schwarzenegger, por sua vez, queria passar uma imagem menos violenta, então o filme não poderia ter a intensidade de "T2".
Quando as filmagens se aproximaram do fim, Shane Black deu uma espiada em um corte do filme e enxergou um desastre. Ele viu cenas escritas por Penn e Leff, por Goldman, por Fischer, por outros escribas e por ele mesmo, amontoadas sem fazer nenhum sentido.
A ideia original, que era criar um mundo ao estilo "Máquina Mortífera" em que é possível identificar e rir dos clichês, já não existia mais. Arnie fazia "Hamlet"! A polícia tinha um gato de desenho animado como investigador! Em um momento, Slater e Danny entram em uma vídeo locadora para encontrar um poster de "T2" estrelado por... Sylvester Stallone! As risadas não eram com o filme, e sim dele mesmo.
Enquanto isso, o estúdio seguia despejando uma tonelada de dinheiro, agora em sua campanha de marketing. Um teaser que alardeava "O Último Grande Herói" como o filme do ano custou US$ 750 mil. Mais meio milhão de dólares foi torrado para colar um anúncio em um ônibus espacial — que, por problemas técnicos, só decolou depois da estreia. Em Cannes, Arnold bradava para quem quisesse ouvir que havia feito "outro grande filme", e que "o sucesso era garantido". Tudo só aumentava a pressão em John McTiernan.
O golpe final veio, por fim, da concorrência. "Jurassic Park" estava agendado para estrear uma semana antes de "O Último Grande Herói". Os executivos da Columbia se recusaram veementemente a alterar a data do lançamento da aventura com Schwarzenegger, acreditando em sua arrogância que Steven Spielberg, que cometera um equívoco alguns anos antes com "Hook", não era uma ameaça. Erraram feio.
"Jurassic Park", depois de meses de expectativa, estreou com fabulosos US$ 50 milhões nas bilheterias em 11 de junho. Na semana seguinte, "O Último Grande Herói" entrou em cartaz com US$ 15 milhões, garfando um segundo lugar e sem conseguir remover os dinos do topo do pódio. Quando a poeira finalmente assentou, a produção encabeçada por Arnold Schwarzenegger acumulou US$ 137 milhões em todo o mundo, mal recuperando seu investimento. Já a aventura jurássica de Spielberg rendeu, até hoje, mais de US$ 1 bilhão.
Schwarza sentiu o baque. Para quem realmente se enxergava no topo do mundo, o fracasso foi uma experiência reveladora. Nas bilheterias mundiais, "O Último Grande Herói", o "ingresso imperdível" de 1993, estacionou atrás de filmes diversos como "Sintonia de Amor", "Free Willy", "Filadélfia" e "O Fugitivo". Sylvester Stallone, quem diria, teve duas produções mais bem sucedidas no mesmo ano: "O Demolidor" e "Risco Total".
James Cameron disse recentemente que nunca viu o amigo de longa data tão inconsolável como nas semanas seguintes à estreia de "O Último Grande Herói". O cineasta colocaria Schwarzenegger em um filme de ação mais eficiente em desconstruir o gênero no ano seguinte, o ótimo "True Lies". Mas seus dias como astro de ação evaporaram, e filmes como "Queima de Arquivo", "O Sexto Dia" e "Efeito Colateral" causaram zero impacto.
A sombra de "O Último Grande Herói" cobriu, de certa forma, todos os envolvidos. Shane Black eventualmente passou à direção em 2005 com "Beijos & Tiros", que à sua maneira celebrava as convenções estabelecidas em seu próprio "Máquina Mortífera". Adam Leff se afastou de Hollywood, ao passo que Zak Penn construiu uma carreira sólida como roteirista, trabalhando intensamente em adaptações de HQs da Marvel como "X-Men 2", "Elektra", "O Incrível Hulk" e "Os Vingadores".
John McTiernan, por sua vez, saiu relativamente ileso do pesadelo que foi dirigir "O Último Grande Herói". Ele ainda fez "Duro de Matar: A Vingança", o elegante "Thomas Crown - A Arte do Crime" e o subestimado "O 13º Guerreiro", além do desastroso remake de "Rollerball". "Violação de Conduta", de 2003, foi seu último trabalho antes de ser processado e condenado por perjúrio em uma investigação federal, o que lhe rendeu um ano na prisão e sua falência financeira. Ele nunca se recuperou do baque e nunca mais dirigiu um filme.
"O Último Grande Herói", por sua vez, envelheceu surpreendentemente bem. A distância ressaltou a ironia que percorre sua narrativa, e seus defeitos (que não são poucos) terminam hoje contribuindo para essa percepção. Não é o melhor filme sobre Hollywood, muito menos o melhor comentário sobre o cinema de ação. Definitivamente não está no topo da filmografia de Arnold Schwarzenegger.
Ainda assim, é uma cápsula do tempo curiosa, sobre ideias e possibilidades, sobre superlativos e exageros. É também sobre ego e arrogância, firmando-se como uma lição que deveria ser estudada por todo executivo em Hollywood. O problema é que essa turma não aprende. "The Flash" carregou uma produção caótica que, em vez de ser redesenhada do zero, tornou-se um amontoado de ideias que às vezes parece com um filme. Sua estreia nos cinemas foi um fracasso. O mesmo que Schwarzenegger experimentou tão amargamente três décadas atrás
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