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Roberto Sadovski

REPORTAGEM

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'Ou Tudo Ou Nada' ganha a continuação mais inesperada (e necessária) do ano

A trupe se reúne em "Ou Tudo Ou Nada de Novo" - Star+
A trupe se reúne em 'Ou Tudo Ou Nada de Novo' Imagem: Star+

Colunista do UOL

22/06/2023 04h39

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A festa do Oscar em 1998 trazia um blockbuster histórico ("Titanic"), duas produções abraçadas pela crítica ("Melhor É Impossível" e "Los Angeles - Cidade Proibida") e um filme independente que apontava para a nova geração de Hollywood ("Gênio Indomável").

O azarão, contudo, estava na quinta vaga, uma comédia extremamente britânica, de orçamento nanico e que, meses antes, havia faturado o BAFTA de melhor filme. "Ou Tudo Ou Nada" chegou em Hollywood com quatro indicações, levou para casa a estatueta de melhor trilha sonora para uma comédia e amarrou uma pequena história de sucesso.

O filme de Peter Cattaneo vinha, na verdade, surfando no sucesso de se tornar a maior bilheteria da história do Reino Unido, batendo o então campeão "Jurassic Park". Um mérito e tanto para uma comédia sobre seis metalúrgicos que, desempregados na bucólica Sheffield, apostam tudo em um show de strip tease para recuperar, acima de tudo, a própria autoestima.

Quase três décadas depois, a Inglaterra segue com uma política social e econômica no fio da navalha, com comunidades como Sheffield lutando para manter a cabeça fora da água. Revisitar os personagens de "Ou Tudo Ou Nada" pareceu um movimento natural, ainda que totalmente inesperado, para refletir sobre o estado das coisas. E foi assim que a turma se reuniu na minissérie "Ou Tudo Ou Nada de Novo".

"Eu sei que Simon Beaufoy recusou várias ofertas ao longo dos anos para retomar a história, mas não queria explorar os personagens em 90 minutos", conta Mark Addy, que retorna como Dave, agora zelador em um colégio em Sheffield. "Sei também que ele estava cada vez mais furioso com o estado do país e queria escrever sobre isso. Ele achou, e todos concordamos, que a melhor forma de abordar o assunto talvez fosse pelo ponto de vista de personagens conhecidos, mas de uma época pregressa."

A nova série mais uma vez tem Robert Carlyle à frente. Entre o show de strip tease triunfante do filme original e a nova série, seu Gaz não alcançou a evolução pessoal que almejava. "De todos nós, Bobby foi o único que de fato retomou um personagem antigo ao fazer a continuação de 'Trainspotting' com Danny Boyle", lembra Lesley Sharp, que retoma o papel de Jean, agora uma diretora de escola. "Estamos todos vivos, estamos todos aqui, o melhor foi ninguém fingir que não se passaram quase três décadas, para nós, para os personagens e também para a comunidade."

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Mard Addy, Lesley Sharp e Steve Huison falam sobre a nova série
Imagem: Reprodução

O olhar atento para Sheffield, que após anos em decadência finalmente entrou em recuperação econômica, mostra que a desigualdade ainda é parte do DNA da cidade. Quando "Ou Tudo Ou Nada" foi lançado em 1997, a comédia conduzia a trama, mas Beaufoy teve o cuidado em sublinhar temas como desemprego, paternidade e até insegurança com a própria imagem.

A nova série aprofunda esses temas, usando da metragem menos limitada de uma minissérie. O elenco jovem, que inclui uma filha adolescente para Gaz e um garoto que sofre bullying e é acolhido por Dave, ajuda a modernizar e amplificar o escopo narrativo. Se falta a coesão do filme original, sobra nessa nova versão uma amplitude de rostos e cores que desenham a nova Inglaterra.

"Simon mescla crueza emocional e otimismo inesperado, é sua marca", continua Addy. "É uma série política, mas não com um P maiúsculo, ele não martela o tema, preferindo plantar a ideia e deixar que a trama os desenvolva." De certa forma o roteirista cria uma extensão orgânica de seu filme.

"A série cria essa empatia, assim como o filme anos atrás, porque comunidades como Sheffield existem em todo o mundo", teoriza Lesley. "São lugares que estão sobrevivendo, seus habitantes não perdem o senso de humor e, mesmo com as agruras, sempre apoiam uns aos outros."

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Talitha Wing e Robert Carlyle no encontro de geração de 'Ou Tudo Ou Nada de Novo'
Imagem: Star+

Sheffield é, de certa forma, o grande personagem em "Ou Tudo Ou Nada de Novo", com o desenvolvimento inegável dividindo espaço com a desigualdade. "Estávamos em um hotel bacana, mas a calçada trazia barracas e indigentes", aponta Steve Huison, que reprisa o papel de Lomper. "Todos precisavam ser representados, mesmo que pareça um clichê, porque essa ainda é a realidade da Inglaterra."

Lesley Sharp vê o lugar com mais otimismo. "A cena cultural é vibrante, o transporte está ótimo, algumas partes da cidade foram totalmente renovadas", ressalta. "Mas como toda cidade em recuperação os ricos se preocupam menos por ter um colchão quando a situação aperta, e os pobres tentam deixar de ser invisíveis. São essas pessoas que Simon quer trazer para a luz, são essas pessoas que contam a história na série, são rostos que não podem ser esquecidos."

No hiato entre o azarão que encontrou o sucesso e a série que marca a reunião de um grupo de química irretocável, Mark Addy entrou no jogo de Hollywood em filmes como "Os Flintstones em Viva Rock Vegas", "Coração de Cavaleiro" e a versão de Ridley Scott para "Robin Hood". Ele também escreveu seu nome na cultura pop como o Rei Robert Baratheon na primeira temporada de "Game of Thrones".

"Ou Tudo Ou Nada de Novo" é uma oportunidade para se reconectar com as próprias raízes e reencontrar companheiros com quem ele não dividia o mesmo espaço há décadas: "Ver todo mundo junto foi memorável, assim como experimentar a energia da nova geração". Esse choque do velho com o novo se estende à cidade que mais uma vez os recebe. "Muita coisa melhorou em Sheffield, em todo canto tem um canteiro de obras", diz, antes de concluir com um sorriso. "Com certeza a cidade está bem mais limpa do que antes."