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'Indiana Jones e a Relíquia do Destino' traz o tempo como vilão implacável
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O professor Henry Jones Jr. entra na sala de aula onde, ao longo da última década, lecionou arqueologia na Universidade Hunter, em Nova York (EUA). História é sua paixão e, mesmo sem o fervor de outras épocas, ele se empolga ao dividir conhecimento, ao iluminar o passado... Em vão. Os alunos, entendiados, estão em outra sintonia.
A atenção da classe, que ignora por completo o velho professor, está voltada ao burburinho das ruas, o ruído que chega pelas janelas. Logo, um grupo de jovens invade a classe trazendo um aparelho de TV. O que todos querem assistir é a parada que toma a cidade, celebrando o retorno dos astronautas da missão Apollo 11. O homem pisou na Lua! Com a chegada tão fulgurante do futuro, que chance teriam aqueles que vivem em desvendar os mistérios do passado?
A marcha inexorável do tempo, e a forma que ela nos faz encarar nossa própria mortalidade, é o fio condutor de "Indiana Jones e a Relíquia do Destino", que estreia nesta quinta-feira (29) nos cinemas. É a quinta e (até segunda ordem) derradeira aventura do arqueólogo apresentado ao mundo em "Os Caçadores da Arca Perdida".
Ao sair de seu conformismo melancólico para atender mais uma vez ao chamado da aventura, o herói abraça uma nova jornada em que passado, presente e futuro se entrelaçam em uma despedida agridoce.
O diretor James Mangold, assumindo o posto defendido em quatro filmes por Steven Spielberg, encaixa as peças de sua história com reverência, por vezes alcançando a excelência das produções que, nos anos 1980, redefiniram o cinema de entretenimento. Seu triunfo conta com uma peça que tem nome e sobrenome: Harrison Ford.
Existe em "Relíquia do Destino" um brilho que Ford não mostrou ao recuperar outros de seus personagens emblemáticos, como Han Solo (em "Star Wars: O Despertar da Força") ou Rick Deckard (de "Blade Runner 2019"). Aos 80 anos, o astro transfere o peso da idade ao personagem. Indy traz impressa em seu rosto, e nas marcas que coleciona em seu corpo, uma vida em busca de fortuna e glória. O roteiro usa essa longevidade como parte da trama, mesmo que não seja comentário recorrente.
Como resultado, o novo filme traz uma camada que faltou em "Indiana Jones e o Reino da Caveira de Cristal", aventura que, mesmo sendo melhor que sua fama, é conduzida de forma esquemática, sem assumir a passagem do tempo exceto pela escolha da ambientação durante a Guerra Fria.
"Relíquia do Destino", por sua vez, tem ritmo mais regrado e usa sua contemporaneidade — a trilha tem de "Magical Mystery Tour", que abre o disco homônimo dos Beatles, a "Space Oddity" de David Bowie" — como ferramenta narrativa.
O que não significa que Indiana Jones tenha perdido seu faro para a ação. Assim como ninguém ousaria dizer a Harrison Ford que está na hora de ele pisar no freio, Indy chacoalha as dobradiças enferrujadas e traz a disposição de um homem que dedicou sua existência a rodar o mundo em busca de artefatos perdidos, colecionando ao longo do caminho aventuras que lhe valem três vidas. "Não é a idade, é a quilometragem", disse o próprio, há pouco mais de quatro décadas, em "Caçadores".
O flerte de "Indiana Jones e a Relíquia do Destino" com o tempo começa em 1944, quando o aventureiro é capturado por nazistas ao tentar recuperar a Lança de Longino, arma que perfurou Cristo na cruz. À bordo de um trem em meio à confusão da fuga dos soldados alemães ante a derrota iminente, Indy depara-se com um artefato mais complexo, a Máquina de Anticítera, aparelho desenvolvido por Arquimedes que seria capaz de detectar fissuras no tempo.
O mecanismo comanda também a atenção de Jürgen Voller (Mads Mikkelsen), cientista nazista que percebe seu potencial. Mas o prêmio termina perdido e Indy, ao lado do colega Basil Shaw (Toby Jones), vivem para contar a história. Em todo esse prólogo, Harrison Ford surge rejuvenescido digitalmente, truque absolutamente perfeito que nos faz imaginar que toda a sequência foi rodada em 1981 e guardada num cofre até agora. Por um momento, esquecemos até que o filme logo saltará algumas décadas em sua trama.
É quando a Anticítera volta ao holofote, já em 1969. Depois de celebrar sua aposentadoria, Indy reencontra Helena Shaw, filha de Basil e também sua afilhada, agora ela mesma uma arqueóloga. Sem a orientação de alguém com bússola moral firme, Helena — interpretada com fibra e senso de humor ácido por Phoebe Waller-Bridge —, tem mais semelhanças com Belloq, antagonista de Indiana em "Caçadores": uma "ladra de túmulos" que busca vender artefatos para quem pagar mais. A máquina de Arquimedes, mesmo dividida em dois pedaços, vale uma fortuna.
Um dos potenciais compradores é justamente Voller, "premiado" depois da Segunda Guerra com uma nova identidade para trabalhar como cientista para o governo americano. Amparado por um exército de capangas, ele cobiça a Anticítera por acreditar ser capaz de voltar no tempo e, em suas palavras, "corrigir os erros de Hitler". É o gancho para Indiana Jones deixar sua letargia e, reconectando-se aos trancos com Helena, encontrar as partes fragmentadas do artefato antes que ele caia nas mãos de nazistas.
A busca por um macguffin, um objeto que serve como motivador da jornada do protagonista, sempre foi o coração da série. Seu poder, da Arca da Aliança à Caveira de Cristal, passando pelas Pedras de Sankara e pelo Santo Graal, sempre obedeceu desejos egoístas dos vilões e foi prêmio inalcançável para Indiana Jones. No caso da Máquina de Anticítera, a trama é erguida não em torno de um objeto, e sim de seu conceito, o que casa com a história desenvolvida por Mangold.
Embora o tecido temporal faça parte de filmes modernos como "Tenet", "O Projeto Adam" e, recentemente, "The Flash", ele encontra em "Relíquia do Destino" o veículo dramático ideal. De certa forma, Indiana Jones sempre buscou estes momentos históricos na forma de artefatos arqueológicos. Ao fazer do próprio tempo um instrumento narrativo, o diretor transforma temática em trama, uma reflexão adequada à conexão de Harrison Ford com a série.
James Mangold nunca obedeceu as tendências da Hollwood moderna. Cada um de seus filmes remetia ao passado, e não ao cinemão moderno. Ele removeu a estampa de "herói de ação" de Sylvester Stallone e o colocou ao lado de intérpretes consagrados em "Cop Land", seguiu a cartilha da biografia sem invencionices com "Johnny & June" e, em meio aos filmes de super-heróis acelerados, teve a ousadia de colocar o Wolverine em um western contemplativo em "Logan".
Esse vocabulário clássico o fez ser escolhido para comandar "Indiana Jones e a Relíquia do Destino", e eu imagino o quanto foi difícil para ele não ceder e simplesmente mimetizar o estilo de Spielberg. Seu trabalho, embora traga o mesmo espírito de matinê de domingo das aventuras anteriores do herói, não carece de personalidade. A fluidez do movimento sofre um pouco mas, sejamos honestos, poucos cineastas tem o olhar cinético do sujeito que dirigiu "Tubarão".
Não que "Relíquia do Destino" economize na ação, embora ela possa parecer repetitiva, com perseguições demais (em Nova York, em Tânger, na Sicília) e personagens pouco aproveitados (como Boyd Holbrook e Antonio Banderas). Por outro lado, se o bê-a-bá técnico dá tração ao cinema de aventura, sua cola são os personagens e seus conflitos; como eles enxergam o mundo e como o mundo os vê de volta.
É nesse recorte, dominado com maestria por Harrison Ford, que "Relíquia do Destino" encontra seu centro emocional. Existe o apelo da nostalgia, o charme de uma aventura à moda antiga e um clímax divisivo que pede para o público abraçar o absurdo. Nem todas as peças se encaixam, mas a aventura final do arqueólogo não hesita em aceitar suas imperfeições e apagar as luzes de forma comovente. Nada mais adequado, especialmente em um filme que faz Indiana Jones encarar o tempo, o perdido e o que lhe sobra.
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