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Como o sucesso de 'Barbie' poderia mudar o cinema (mas não vai)
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"Barbieheimer" não foi uma competição, foi uma celebração. Quando a poeira assentou e os números foram computados, "Barbie" fez sua estreia nos cinemas americanos faturando US$ 162 milhões em seus três primeiros dias. "Oppenheimer", por sua vez, garfou US$ 82,4 milhões no mesmo período. Com mais de US$ 300 milhões em caixa, a indústria teve seu quarto melhor fim de semana na história.
É um fenômeno duplo, que se torna ainda mais impressionante com as bilheterias no resto do mundo: "Barbie" já soma US$ 357 milhões, enquanto "Oppenheimer" segue com US$ 180 milhões. Números, claro, devem preocupar executivos de estúdio, e não o público. As consequências de resultados assim, entretanto, refletem em projetos futuros de grandes estúdios e plataformas de streaming.
A história mostra, porém, que nem sempre as lições certas são aprendidas. Pouco antes de "Barbie" chegar aos cinemas e fazer história, executivos da Mattel, dona da marca, anunciavam o desenvolvimento de inacreditáveis 45 outras propriedades intelectuais, que hoje existem como brinquedos e jogos, prontas para fazer sua estreia num cinema perto de você. Para a turma de olho na caixa registradora, volume é tudo. A história, porém, mostra que não é assim que a roda gira.
Em 2007, "Transformers" foi levado aos cinemas pelas mãos do diretor Michael Bay. Ao fazer dos robôs alienígenas um blockbuster de US$ 700 milhões, o diretor criou uma das séries mais rentáveis do cinema moderno, somando mais de US$ 5 bilhões ao caixa da Paramount. A Hasbro, detentora da marca, logo expandiu as possibilidades de seu catálogo de propriedades intelectuais e, no ano seguinte, fechou um acordo de encher os olhos com outro estúdio, a Universal.
A ideia era criar um universo compartilhado Hasbro, aos moldes da Marvel e Star Wars, em filmes inspirados em brinquedos e jogos como "Monopoly" (então desenvolvido por Ridley Scott), "Candy Land", "Clue" (que já fora filmado em 1985 como "Os Sete Suspeitos"), "Magic the Gathering" e "Stretch Armstrong". "Transformers" e "G.I. Joe", atrelados à Paramount, ficaram de fora da transação.
O movimento que agitou o mercado como um negócio potencialmente bilionário, garantindo ao menos quatro filmes em seis anos, esfarelou em tempo recorde. "Battleship: A Batalha dos Mares", único filme produzido sob esse acordo, naufragou nas bilheterias em 2012, levando consigo a carreira do então promissor Taylor Kitsch. No mesmo ano, a Universal desembolsou alguns milhões de dólares para anular o contrato com a Hasbro. As propriedades intelectuais da empresa encontram-se hoje espalhadas por Hollywood.
Operação de guerra
O sucesso de "Barbie" não é uma surpresa, um acontecimento mágico. Os números nas bilheterias refletem os esforços de uma verdadeira operação de guerra traçada em janeiro, quando o CEO da Warner, David Zaslav, reuniu seus executivos para descobrir como fazer do filme um sucesso.
A "Operação Verão da Barbie" começou com um teaser estrategicamente posicionado nas cópias de "Avatar: O Caminho da Água", e seguir nos meses seguintes em ações multiplataforma em outros braços da empresa, como a cobertura esportiva do canal TNT e a integração com a rede da Discovery.
A ação de marketing foi intensificada com a proximidade do lançamento em peças mais ousadas. Uma mansão na praia de Malibu, por exemplo, foi transformada em uma Barbie Dreamhouse em escala real, com seus escorregadores cor de rosa e uma maquiagem que fez a casa parecer feita de plástico. Não foi por acaso que Margot Robbie usou looks emblemáticos da história da boneca em toda a turnê promocional. O rosa da Barbie tornou-se em 2023 tão onipresente quanto o símbolo do morcego em 1989, quando "Batman" dominou o mundo.
A voz de uma autora
Nada disso teria o menor efeito, contudo, se "Barbie" não fosse uma produção pensada fora da caixa. Para a Warner seria fácil contratar uma diretora como Patty Jenkins e traçar uma aventura decente, porém conservadora em sua estrutura e com zero inventividade (quem assistiu a "Mulher-Maravilha 1984" sabe do que estou falando). O básico para "Barbie" seria bolar uma versão live action de suas incontáveis aventuras já existentes como animação.
O caminho escolhido pelo estúdio, entretanto, foi colocar Greta Gerwig à frente do filme, contratação que fez toda a diferença. Responsável por "Lady Bird" e "Adoráveis Mulheres", a cineasta tinha a credibilidade de "artista independente" (embora não o fosse) e uma ideia disruptiva, que somava a aventura e a comédia de um filme da Barbie com uma sugestão de reflexão.
O debate cultural desde antes de sua estreia gira em torno das tintas feministas do filme, do histórico por vezes equivocado da Mattel com a marca, do senso de humor e de inclusão que o filme levantou. A estrutura familiar da jornada do herói, adocicada por um roteiro que consegue rir do status de Barbie como marca e como ícone capitalista, levou o filme ao sucesso. Não por ser uma propriedade intelectual já festejada, mas por ter saído da cabeça de uma autora.
Gerenciando franquias
Historicamente, produtos de grande exposição no terreno da cultura pop tornam-se fenômenos quando são conduzidos justamente por cineastas com uma visão mais artística. "Batman - O Cavaleiro das Trevas" é menos um filme de super-herói da DC e mais um trabalho de Christopher Nolan. Antes dele, Sam Raimi havia transformado "Homem-Aranha" em sucesso ao não abrir mão se sua personalidade como cineasta - o que, infelizmente, não aconteceu em "Doutor Estranho no Multiverso da Loucura".
A mesma lógica pode ser aplicada a James Gunn (de "Guardiões da Galáxia"), Peter Jackson ("O Senhor dos Anéis"), Matt Reeves (o novo "Batman") e Sam Mendes ("007 Operação Skyfall"). Se nem sempre essa regra funciona (eu ainda lembro de "Planeta dos Macacos" por Tim Burton), é sabidamente melhor ter um artista do que um operário no comando de um filme. É uma lição que a Marvel precisa aprender com certa urgência. Uma lição que a própria Warner amargou este ano com o fracasso retumbante de "The Flash".
"Barbie", por sua vez, pode ser um ponto de inflexão para a indústria. Um blockbuster assinado por uma cineasta com ideias claras sobre a obra que ela quer fazer seria, em teoria, o ponto de partida para que mais estúdios confiassem na criatividade de seus artistas. A prática, porém, sempre é outra. Na visão do CEO da Mattel, o israelense Ynon Kreiz, o que ele tem em mãos é uma fábrica de marcas, um catálogo "que só perde para a Disney" em que seu trabalho seria não produzir brinquedos, e sim, em suas próprias palavras, "gerenciar franquias".
He-Man e seus amigos
O que vemos, portanto, é investimento em volume. Entre os projetos colocando de leve o pé na porta estão "Hot Wheels" por J.J. Abrams (que sequer tem roteiro, mas já tem data de estreia), o dinossauro "Barney" (com produção de Daniel Kaluuya), "Polly" com Lily Collins, "Uno" (sim, o baralho), "Magic 8 Ball" (que seria uma comédia de terror) e "Rock 'Em Sock 'Em Robots" com Vin Diesel. "Major Matt Mason", "American Girl", "View-Master", "Big Jim" e "Thomas e Seus Amigos" já estão na fila.
A essa altura é impossível dizer o que pode ou não funcionar. Existe uma lição, porém, aprendida com a outra jóia da coroa da Mattel: "Mestres do Universo". Nos anos 1980, as aventuras do herói He-Man foram transformadas em um império de mídia bilionário, ancorado em um desenho animado na TV e uma linha de brinquedos que parecia não parar de se expandir. Sua ascensão foi tão vertiginosa quanto sua queda, marcada pelo fracasso retumbante do filme com Dolph Lundgren lançado em 1987.
A Netflix ensaiou recentemente a recuperação da marca "Mestres do Universo" ao produzir dois novos desenhos animados - um deles voltado ao público infantil, outro mais sofisticado com assinatura do produtor Kevin Smith. Os brinquedos voltaram às lojas e um filme, assinado por Adam e Aaron Nee (de "Cidade Perdida", comédia simpática com Sandra Bullock) estava a caminho. A Netflix, porém, cancelou o projeto depois de um investimento de US$ 30 milhões, supostamente por divergências quanto ao orçamento do filme.
Cinema com C
A bola voltou para a Mattel, que agora busca "vender" "Mestres do Universo" para outros estúdios. Não há a menor dúvida que, com o sucesso de "Barbie", He-Man é a próxima prioridade da empresa. Para isso, os engravatados precisam entender que reconhecimento de marca é importante, mas escolher a pessoa certa para tocar o projeto desde o berço é ainda mais. A pressão aumentou: "Barbie" agora caminha para fechar 2023 como a maior bilheteria do ano, deixando "Super Mario Bros" com a medalha de prata.
Ainda assim, verdade seja dita: a vitória do "Barbenheimer", se é que precisamos apontar alguma, claramente é de "Oppenheimer". Ante o colosso de marketing pintado de cor de rosa de "Barbie", Christopher Nolan mirou no público adulto, tão negligenciado no cinemão moderno, e emplacou três horas de biografia com homens em reuniões falando sobre átomos. Assim como "Barbie", as sessões de "Oppenheimer", especialmente em salas Imax, seguem lotadas. Cinema com C.
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