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Roberto Sadovski

REPORTAGEM

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Diretor de 'O Convento' explica o fascínio pelo terror religioso

Jena Malone em "O Convento" - Imagem
Jena Malone em 'O Convento' Imagem: Imagem

Colunista do UOL

02/08/2023 12h00

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Dos 20 filmes de terror que chegaram aos cinemas brasileiros em 2023, 7 traziam religião como tema central. É o caso de "O Convento", em cartaz desde a última quinta, em que uma jovem cética viaja a um monastério na Escócia para investigar a morte de seu irmão, um padre.

Apesar do elenco caprichado, com Jena Malone à frente e Danny Huston como coadjuvante de luxo, "O Convento" derrapa entre o drama familiar e o thriller investigativo. Ainda assim, entre símbolos divinos e freiras macabras, ele encontra sua vocação para cutucar o terror que nasce da crença religiosa.

"A religião tem algo intrinsecamente sobrenatural", explica o diretor Christopher Smith, que traz no currículo outros exemplares do terror independente como "Triângulo do Medo" e "O Ritual: Presença Maligna". "Demonstrações de fé sem limites, que ultrapassam a razoabilidade, são assustadoras", continua. "Esse poder é aterrador. Para mim, tudo começou com 'Agnes de Deus'."

Smith conta que assistiu ao drama religioso de Norman Jewinson, aos 16 anos. Em "Agnes de Deus", lançado em 1985, Meg Tilly interpreta uma noviça que, enclausurada em um convento, esconde uma gravidez e mata a criança logo após o parto. Isolada do mundo exterior desde criança, ela diz não se lembrar de estar grávida ou sequer de dar à luz.

O choque entre a razão trazida pela ciência contra a fé inabalável deixou uma marca no cineasta, que usou a referência como base em "O Convento". "Pensei primeiro nos personagens, uma mulher cética e seu irmão, um devoto", lembra. "Depois um amigo me apresentou à história de um padre que foi reconsagrar uma igreja após um assassinato. O que fiz foi juntar as duas tramas."

Assim como em "Agnes de Deus", Smith ficou fascinado pela ideia do embate entre ciência e religião. O terror, entretanto, surge quando os dois polos passam a se misturar. "Acredito que o segredo é levar a religião a sério", continua. "Mesmo que alguns dogmas pareçam antiquados, a fé exerce um poder assustador, não importa se a história se passa em uma igreja ou em uma sinagoga."

Nascido em Bristol, na Inglaterra, Christoper Smith não teve criação religiosa, embora lembre de estudar o catecismo aos domingos na igreja. "A Inglaterra não é um país religioso, é laico", ressalta. "Já a Escócia é mais religiosa, enquanto a Irlanda obviamente é muito religiosa." Religião, acredita, é parte da condição humana, e mesmo quem está no limite da crença pode entender o valor da fé.

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O diretor Christopher Smith com Danny Huston e Jena Malone no set de 'O Convento'
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"Vivemos em um mundo de incertezas que não oferece todas as respostas", filosofa o cineasta. "A religião de certa forma nos dá segurança." O impacto de um filme de terror inserido nesse tema vem do desafio aos dogmas, o que traz uma sensação de insegurança e a plateia se sente vulnerável. "O grande mérito de 'O Exorcista', um de meus filmes favoritos, é mostrar o quão assustador pode ser esse desafio à fé."

O sucesso geracional do cinema de terror é resultado da reinvenção de conceitos que parecem constantes, como vampiros e assassinos sobrenaturais, maldições e demônios. "Ter medo é o gatilho que nos impele a correr quando nos sentimos ameaçados", arrisca. "Compartilhar esse medo tem algo divertido, especialmente em um ambiente seguro como o cinema."

O terror religioso se impõe como uma dessas constantes pela experiência coletiva. "Talvez nos reunir em tribos esteja em nosso DNA", diz o diretor. "Se essa tribo for desafiada, você também sentirá medo." A renovação do público contribui para deixar a experiência sempre revigorada: "O terror ainda é algo 'proibido', e essa atmosfera torna o gênero mais atraente".