Roberto Sadovski

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Opinião

Com Gal Gadot, 'Agente Stone' é pior do que batida de carroça

"Agente Stone", filme de ação encabeçado por Gal Gadot, me fez ter saudades da época das videolocadoras. Havia um certo tipo de astro que funcionava bem em subprodutos que faziam volume nas lojas. Quando a família já havia assistido a "Batman" ou "Esqueceram de Mim" até furar a fita, sempre pintava um filme picareta com um Jeff Speakman da vida para completar o pacote "leve na sexta, devolva na segunda".

Nesse espírito, digo sem hesitar que não há nada em "A Arma Perfeita" (é de 1990, pode garimpar) que fique devendo a esse "Agente Stone". São filmes executados com o mesmo desleixo, a mesma canastrice em seu elenco e o mesmo roteiro absolutamente genérico. Mesmo passando uma semana entre os mais alugados, é um produto audiovisual que mal se sustenta em pé. A diferença é que Jeff Speackman era um Steven Seagal de 1,99. Gal Gadot, até segunda ordem, está no primeiro time de Hollywood.

A única justificativa para a existência dessa cópia mal-ajambrada de "Missão: Impossível" é a vontade de criar um veículo para Gadot. Sem um terceiro "Mulher-Maravilha" no horizonte, e retornando a "Velozes & Furiosos" como coadjuvante número 47, resta a ela emplacar um filme que mantenha seu nome no topo dos créditos. Afinal, funcionou para Chris Hemsworth, que transformou um fiapo de personagem em dois "O Resgate".

No caso de Gal Gadot, o plano não colou. Se o segundo "O Resgate" não passa de uma sequência de cenas de ação amarradas por uma desculpa, ao menos nosso amigo Thor e o diretor Sam Hargrave miraram em seus melhores predicados — o trabalho dos dublês —, para espremer alguma personalidade. "Agente Stone", por sua vez, só é bem-sucedido em extrair nossa alegria de viver.

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A personagem-título é Rachel Stone (Gal Gadot, que troca a simpatia habitual por um vácuo infinito de carisma), superespiã de uma superagência supersecreta, a Carta. Infiltrada no MI6 (sim, uma espiã entre espiões), ela passa a ser alvo de um agente duplo (calma que vai piorar) que busca se apossar da inteligência artificial mega avançada usada pela Carta para guiar suas missões. É como jogar videogame com o tutorial ligado. Eu avisei.

As referências ao baralho — agentes são números e naipes, orientados por um valete e liderados por quatro reis — fazem tanto sentido quanto o texto de Greg Rucka (responsável também por "The Old Guard"). Em vez de desenhar um vilão de objetivos bem definidos, por mais estapafúrdios que fossem, a trama apela para uma "guerra entre agências" lambuzada em uma história de vingança, tema constante nos "James Bond" com Daniel Craig e — claro — nos últimos "Missão: Impossível".

Ao apostar na cópia escancarada de coleguinhas como base para o roteiro, resta a "Agente Stone" torrar milhões de dólares em cenas de ação para conseguir um brilho. Uma emboscada nos Alpes Italianos evolui a perseguições de carro em Lisboa, passando por um combate aéreo no deserto do Senegal até o clímax na base do vilão na Islândia, com Stone sendo localizada constantemente por aliados e inimigos como se o mundo inteiro fosse a vila do Chaves. Ainda assim, tiros, explosões, artes marciais e CGI são legais em filmes de espionagem, certo?

Vã esperança. Em vez de apostar em alguma assinatura visual bacana, o diretor Tom Harper (que fez a continuação de "A Mulher de Preto" e alguns episódios de "Peaky Blinders"), demonstra total inabilidade para orquestrar qualquer sequência de ação. Vou além: ele não conseguiu fazer um filme minimamente divertido, e sim um emaranhado de cenas feias e desinteressantes, empurradas por um elenco internacional que claramente preferia estar em casa fazendo a janta. É preciso talento para errar de forma tão absoluta.

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Streaming suaviza riscos

"Agente Stone" junta-se a uma coleção de filmes de ação produzidos para plataformas de streaming que se mostram incapazes de gerar qualquer repercussão. São bobagens como "Agente Oculto" (com Chris Evans e Ryan Gosling), "Alerta Vermelho" (Dwayne Johnson, Ryan Reynolds e a própria Gal Gadot), o já mencionado "The Old Guard" (Charlize Theron, tadinha) e "A Mãe" (com Jennifer Lopez), que passam uns dias no Top 10 para depois desaparecer para sempre.

Lançar filme de ação direto em streaming, por outro lado, é uma estratégia esperta. Fossem colocados no cinema, nenhum destes desastres faria o menor barulho. O efeito, pelo contrário, seria prejudicar a imagem e a viabilidade financeira de uma coleção de astros que não contam o tempo todo com a muleta de uma propriedade intelectual já estabelecida. O streaming suaviza os riscos e, como um bom substituto para as videolocadoras, mantém uma turma movida mais a carisma do que a talento dramático na boca do povo.

O revés da equação é que as plataformas não têm o mesmo peso de um lançamento em cinema. Por mais caprichados que sejam, seus produtos ainda são filmes para a TV que passaram um perfume. Existe um degrau que, exceto por filmes de ambição distinta como "Roma" e "Mank", é intransponível. O que não parece frear a ambição de Gal Gadot, que vê em "Agente Stone" o potencial de uma série como "James Bond" ou "Missão: Impossível". Bom, eu conto ou vocês contam?

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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