'Besouro Azul' é mais um herói genérico (mas Bruna Marquezine faz bonito)
"Besouro Azul" é uma máquina do tempo. O filme encabeçado por Xolo Maridueña e Bruna Marquezine remete a uma época, precisamente no início dos anos 1990, em que todo estúdio queria minar a fonte dos super-heróis das histórias em quadrinhos para tentar repetir o fenômeno financeiro e cultural que "Batman" se tornou em 1989.
O problema é que os pesos pesados, como Homem-Aranha, Superman e X-Men, estavam ou indisponíveis, ou no limbo dos direitos autorais. O jeito era apelar para personagens menos conhecidos, mais baratos, que no cinema poderiam ganhar holofote. E tome "As Tartarugas Ninja", "Rocketeer", "Spawn", "Aço", "O Máskara", "O Juiz" e uma turma que, bem ou mal, preparava o terreno para a invasão pop no século 21.
Hoje consolidada, essa invasão define, há pelo menos duas décadas, os rumos do cinema de entretenimento. Enquanto a Marvel (ainda) reina suprema, a concorrente DC tenta colocar o bonde nos trilhos. Em meio ao caos absoluto que se tornou sua escalação de personagens para o tratamento cinematográfico, "Besouro Azul" foi anunciado como um azarão.
Super-herói pouco conhecido até entre os entusiastas dos gibis, o jovem Jaime Reyes é herdeiro de um legado bagunçado como a maioria dos títulos da editora. Reimaginado para o cinema, ele teria a chance de simplificar sua origem e ser apresentado como produto novinho em folha para iniciados ou entusiastas. A estratégia, afinal, funcionou com "Blade". A bem da verdade, se fosse lançado nos anos 1990, "Besouro Azul" seria o precursor de uma renovação.
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Mas não adianta ter saudades do que não aconteceu. Estamos em 2023, e não existe o menor esforço em destacar "Besouro Azul" no vasto oceano que se tornou o "gênero" super-heróis. Seu maior problema é a total e absoluta falta de ambição.
O filme, dirigido pelo porto-riquenho Ángel Manuel Soto, é uma máquina copiadora, regurgitando sem o menor charme pedaços de "Homem de Ferro", "Homem-Formiga" e "Homem-Aranha", com pitadas de "Power Rangers" e até "Velozes & Furiosos". Você já viu "Besouro Azul" antes. Em todas as vezes, ele era melhor.
A trama é a milésima variação da jornada do herói. Jamie Reyes (Xolo Maridueña, de "Cobra Kai", dono de carisma genuíno) é um estudante que volta para a casa de sua família na fictícia Palmera City. O bairro dos imigrantes latinos, contudo, é alvo de especulação imobiliária pesada, promovida pelas empresas Kord — sua CEO, Victoria (Susan Sarandon), quer varrer os indesejáveis e erguer condomínios de luxo, nem que para isso tenha de usar a força.
O destino coloca Jaime no caminho de Jenny Kord (Bruna Marquezine), sobrinha de Victoria e verdadeira herdeira da empresa — seu pai, Ted Kord, encontra-se há muitos anos desaparecido. Determinada a frear o ímpeto armamentista da empresa (pense nas Indústrias Stark antes de Tony se tornar o Homem de Ferro), Jenny se apossa de um artefato capaz de criar um exército imbatível e, na confusão, o coloca sob a guarda de Jaime.
Aqui a coisa fica ainda mais derivativa. O tal artefato, um escaravelho alienígena com consciência própria, escolhe Jaime como hospedeiro, cobrindo o jovem com uma armadura de combate capaz de criar qualquer tipo de arma.
Ao perceber seu prêmio em mãos alheias, Victoria despacha seu próprio exército de um homem só, Carapax (Raoul Max Trujillo), para recuperar o objeto, que aos poucos se funde ao corpo de Jaime. Como Besouro Azul, ele agora precisa a) descobrir seus poderes, b) ter uma crise de consciência, c) sofrer uma perda trágica, d) abraçar seu destino e e) salvar o dia.
"Besouro Azul" já chovia no molhado ao se apresentar como um genérico do filme de super-herói moderno. Para adicionar insulto à injúria, a aventura mergulha pesado em todos os clichês da percepção ianque acerca da comunidade latina. É uma opção criativa no mínimo estranha, já que seus realizadores consideram seu trabalho como um reconhecimento a essa mesma comunidade.
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Quero receberNão dá para entender, portanto, como a família de Jaime Reyes é retratada de forma tão estereotipada: deslumbrados e estridentes, barulhentos e inconvenientes. É como o "núcleo nordestino" em novelas ambientadas no Rio de Janeiro, em que não falta o tio "doidão" (o mega-astro latino George Lopez), a abuela fofinha (Adriana Barraza, indicada ao Oscar por "Babel", a certa altura empunha uma metralhadora em momento "preciso pagar os boletos") e até uma referência nada sutil ao Chapolim Colorado.
Entre o roteiro preguiçoso, a direção pouco eficiente e o elenco no automático (Susan Sarandon está a um triz de torcer um bigodinho para mostrar o quanto é malvada), o único oásis em "Besouro Azul" é mesmo Bruna Marquezine.
Além da ótima química com Maridueña, a atriz arranca o melhor de seu personagem e não compromete. Ela é charmosa, se destaca entre seus pares de forma orgânica e sugere que existe uma pessoa de verdade ali. Acima de tudo, ela merecia de fato um filme melhor, e espero que Hollywood preste atenção.
Enquanto isso, o universo DC será reiniciado no cinema em 2025 com "Superman Legacy", de James Gunn. "Besouro Azul" está na posição delicada de bode na sala, uma raspa do tacho da administração anterior que inclui os fracassos "Shazam! Fúria dos Deuses" e "The Flash", além do segundo "Aquaman", agendado para dezembro.
O timing, portanto, é o pior algoz de "Besouro Azul". Sem ser terrível nem memorável, a aventura deu o azar de sair dos gibis numa época em que um filme de super-heróis não pode simplesmente existir, mas precisa estar conectado a um universo expandido, precisa fazer parte de um grande plano.
Por outro lado, o reboot iminente alivia a responsabilidade em ser parte de um todo. Pescar conexões se torna, portanto, mero exercício em futilidade. Em algum lugar do multiverso, "Besouro Azul" talvez possa festejar como se fosse, no mais tardar, 1999. Ao menos a gente tiraria o gosto ruim deixado por "Batman & Robin".
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