Roberto Sadovski

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Opinião

Com ideias recicladas, 'A Última Viagem de Demeter' deixa Drácula à deriva

Adaptar "Drácula" para o cinema em pleno século 21 é um ato de coragem. Em um século desde a primeira versão do livro de Bram Stoker para o cinema — o húngaro 'The Death of Dracula', de 1921 —, o príncipe das trevas foi personagem em mais de 80 filmes e séries, explorado em praticamente todos os ângulos.

"Praticamente", sim, mas não todos. É o que atesta este "A Última Viagem de Demeter", em que o diretor norueguês André Øvredal ("O Caçador de Troll", "A Autópsia") expande um único capítulo de "Drácula", os "Diários do Capitão", em um longa. O resultado, embora irregular, é um filme de terror à moda antiga, que tropeça em lugares-comuns, mas, em alguns momentos, alcança seu potencial.

O Demeter é a embarcação que cruzou o Mediterrâneo de Varna, na Bulgária, até Londres (Inglaterra), levando como carga pesadas caixas trazidas da Romênia. Mal sabia a tripulação que, nos porões sombrios da embarcação, estava o caixão que transportava Drácula, repousando na terra maldita da Transilvânia. Ao longo das semanas no mar, a criatura deixaria seu sepulcro para se alimentar de marinheiros insuspeitos.

No texto assinado por Bragi F. Schut Jr. (que esboçou o conceito ainda nos anos 1990) e Zak Olkewicz, um desses tripulantes é Clemens (Corey Hawkins), um médico que sobe ao Demeter pouco antes de sua partida em Varna, e que serve como nossos olhos ao longo do filme. É dele a percepção que o filme empresta aos marujos, liderados pelo capitão Elliott (Liam Cunningham).

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Já em alto-mar, Clemens descobre uma clandestina, Anna (Ailing Franciosi), que sofre de uma infecção sanguínea desconhecida. Embora a tripulação aponto o "azar" em ter uma mulher a bordo, ela aos poucos se recupera e revela a verdade sobre o outro passageiro.

Ao mesmo tempo, as pessoas a bordo percebem que não estão sozinhos. Animais aparecem mutilados. Logo homens começam a desaparecer. Quando Drácula finalmente se revela, uma criatura que Anna conhece desde sua vila na Romênia, a viagem torna-se um verdadeiro inferno.

Embora o rei dos vampiros seja a figura central em "A Última Viagem de Demeter", o filme segue a estrutura clássica da casa mal assombrada. Assim como em "Alien, O Oitavo Passageiro" ou "O Enigma de Outro Mundo", a trama reúne um grupo isolado em lugar inóspito, obrigado a combater uma entidade maligna para não perder a própria vida.

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O problema é que, ao contrário de Ridley Scott ou John Carpenter, Øvredal não traz absolutamente nada de novo ao jogo. Personagens tomam decisões estúpidas, a única pessoa que conhece o monstro não é ouvida, paranoia e loucura atropelam a razão sem a devida construção dramática. Enquanto a turma perde o tempo com soluções ineficientes, Drácula faz a festa.

A tripulação do Demeter, Corey Hawkins à frente, tenta sobreviver à fúria de Drácula
A tripulação do Demeter, Corey Hawkins à frente, tenta sobreviver à fúria de Drácula Imagem: Universal

A seu favor, "Demeter" traz um certo charme que remete aos filmes de terror clássicos da Hammer, com tempestades iluminadas por raios tenebrosos, cantos escuros que confundem a visão e uma revelação lenta e implacável da natureza do mal. O design do vampiro, por sinal, assemelha-se mais ao Nosferatu criado por F.W. Murnau do que a figura aristocrática imortalizada por Bela Lugosi e Christopher Lee, depois lapidada por Gary Oldman.

Se não consegue firmar-se como uma versão revolucionária de um personagem já tão batido, ao menos "A Última Viagem do Demeter" é uma produção sóbria e caprichada, um filme decente que, mesmo à deriva, não ofende. É mais do que pode ser dito do outro Drácula que assombrou os cinemas em 2023: papel de Nicolas Cage no tosco e inofensivo "Renfield", este senhor dos vampiros com sua fileira de dentes de tubarão certamente teria mais diversão a bordo do Demeter.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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