Roberto Sadovski

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Opinião

Diversão descartável, 'Gran Turismo' segue cartilha dos filmes de esporte

O "cinema de coisas" é quase um gênero. Nos últimos meses, cineastas criaram histórias em torno de um tênis ("Air"), de um salgadinho ("Flamin' Hot"), do pré-smartphone ("BlackBerry"), de bichos de pelúcia ("The Beanie Bubble"), de um jogo eletrônico ("Tetris") e, claro, de uma boneca ("Barbie", duh). Já dá para apostar em um universo compartilhado.

"Gran Turismo" junta-se à tropa com um tempero extra. Sim, o filme de Neill Blomkamp leva aos cinemas o simulador de corridas mais popular da história. Mas o diretor de "Distrito 9" foi além da mera "adaptação de videogame". Ao arriscar uma abordagem original, talvez a única forma de levar um jogo ao cinema sem precisar quebrar a cabeça para inventar uma trama, ele encontrou a solução perfeita: basear o filme em uma história real.

Essa história não foi, por óbvio, a criação do jogo — mesmo que ela seja parte do filme. Em 1992, o game designer Kazunori Yamauchi se propôs a bolar um simulador de corridas perfeito, em que a empolgação de pilotar em pistas ao redor do mundo se emparelhava com o desafio técnico de montar o carro perfeito.

Dos circuitos aos veículos, licenciados das maiores montadoras do mundo, a palavra de ordem era "precisão". Gran Turismo foi um sucesso e atraiu uma legião de entusiastas. Um deles era justamente o britânico Jann Mardenborough. Fissurado no jogo desde os oito anos, ele exercitou sua paixão pelo automobilismo nas pistas do simulador, ciente que os custos exorbitantes para se profissionalizar impediriam que ele se tornasse um piloto.

O cenário mudou radicalmente em 2011 quando, aos 20 anos, Jann se classificou em uma competição online de Gran Turismo para a GT Academy, uma parceria da Nissan com a Sony, cujo vencedor ganharia um contrato com a escuderia da montadora japonesa. O sonho materializado tornou-se, portanto, material perfeito para um filme.

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O roteiro de "Gran Turismo", escrito por Jason Hall, Alex Tse e Zach Baylin, resultou numa cinebiografia com todas as convenções dos "filmes de esporte". A história de Mardenborough (interpretado aqui por Archie Madekwe) ganhou os chavões dramáticos inerentes ao gênero, da hesitação à falta de apoio iniciais (seu pai, papel de Djimon Honsou, não bota fé que um videogame possa escalar para uma carreira como piloto), passando por uma tragédia até o inevitável triunfo. É "Rocky", trocando as luvas de boxe por um foguete com rodas e colocando Ginger Spice como mãe do protagonista.

Para dar mais nuance à história de Mardenborough, "Gran Turismo" aposta na figura de Jack Salter (David Harbour e seu indispensável peso dramático). Ex-piloto que guarda seus traumas no armário, ele é convocado pelo diretor de marketing da Nissan, Danny Moore (Orlando Bloom, que trocou o charme de outrora por caretas), para treinar os gamers na GT Academy e termina como mentor de Jann. Partem de Salter os discursos motivacionais e os momentos de redenção do filme.

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Buscar uma história real para emoldurar sua narrativa foi uma opção esperta para diferenciar "Gran Turismo" da avalanche de adaptações de propriedades intelectuais para o cinema. O problema é que essa escolha não disfarça a vocação do filme como um comercial gigante para o jogo, hoje em sua oitava versão.

Na verdade, todo o primeiro ato, pelo menos até Jann conquistar seu contrato como piloto, pode ser fatiado como publicidade multiplataforma — eu mesmo cogitei tirar a poeira de meu PlayStation 2 (sou um idoso) e arriscar umas corridas. A coisa funciona!

O diretor Neill Blomkamp e Orlando Bloom nas filmagens de 'Gran Turismo'
O diretor Neill Blomkamp e Orlando Bloom nas filmagens de 'Gran Turismo' Imagem: Sony

Passada a fase "este é nosso comercial", "Gran Turismo" evolui para a cinebiografia esportiva padrão. Blomklamp tem a vantagem de contar com um grande personagem e sua trajetória de altos e baixos, mesmo que sua habilidade como cineasta seja freada pelas amarras trazidas por um produto popular.

Qualquer tentativa em criar uma linguagem cinematográfica esbarra na obrigação de inserir a iconografia do game em meio às provas, resultando em um híbrido estranho, em que a tensão de uma corrida real é mitigada pelo artificialismo do simulador.

Um problema ainda maior surgiu com a dramatização da carreira de Jann Mardenbotough. Ao reorganizar eventos fora da ordem cronológica, o que é natural para obedecer a uma estrutura dramática, o filme termina por usar um acidente sofrido pelo piloto, que resultou na morte de um espectador da corrida, como gatilho motivacional para sua própria jornada. Foi uma opção de mau gosto, mesmo que tivesse o aval do próprio Jann.

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Fosse conduzido por um cineasta menor, "Gran Turismo" se perderia mais ainda na exploração gratuita de uma tragédia real e do melodrama que se seguiu. Mesmo que o filme perca a aura de novidade quando a história do gamer que se tornou piloto se torna uma trama convencional, Neill Blomkamp mostra ser um autor capaz de lapidar as arestas com sensibilidade.

Em alguns momentos, ele chega a transcender o papel de diretor de aluguel. Ainda que imperfeito, "Gran Turismo" consegue subir ao pódio depois de cruzar a linha de chegada — garantindo ao menos um terceiro lugar.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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