Roberto Sadovski

Roberto Sadovski

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

Por que tantos filmes têm fracassado nos cinemas em 2023

O mês de agosto vai chegando ao fim, e o filme que ainda domina as bilheterias é "Barbie". Em sua sexta semana em cartaz, a fantasia encabeçada por Margot Robbie e Ryan Gosling não só garantiu seu lugar como o maior filme do ano, como também deixou um rastro de fracassos pelo caminho. O problema é que o cinema 2023 já não parecia bem das pernas antes mesmo de o mundo ser pintado de rosa.

Embora a temporada do verão americano esteja terminando com números sólidos, encostando na marca mágica dos US$ 4 bilhões, não foram poucos os candidatos a blockbuster que simplesmente não encontraram seu público.

Se os recentes "Besouro Azul" e "Gran Turismo" apresentam resultados tímidos dentro de sua expectativa (já baixa), fracassos como "Indiana Jones e a Relíquia do Destino" e "Mansão Mal-Assombrada" abalam toda a estrutura da indústria. "The Flash" foi o maior fiasco do ano, conseguindo arrecadar nos EUA menos que "Lanterna Verde", uma bomba lançada há mais de uma década. São os exemplos mais gritantes, mas não são os únicos.

Antes de mais nada, é bom dar uma olhada nas apostas que deram muito certo. "Barbie", claro, é um fenômeno no nível "Batman", "Titanic" e "Os Vingadores". Em sua cola está a adaptação de um game de sucesso ("Super Mario Bros."), dois filmes com o selo Marvel ("Guardiões da Galáxia - Vol 3" e "Homem-Aranha Através do Aranhaverso") e um drama de grife ("Oppenheimer", de Christopher Nolan, sua maior bilheteria fora da trilogia "O Cavaleiro das Trevas").

Os filmes estão muito caros

Foi pouco, contudo, para incendiar as bilheterias. Como comparação, em 2019, ano anterior à pandemia que deixou o planeta em casa por pelo menos dois anos, nove das dez maiores bilheterias do ano faturaram mais de US$ 1 bilhão, com "Vingadores: Ultimato" no topo do pódio com US$2.8 bilhões. Este ano dificilmente teremos um terceiro filme cruzando os dez dígitos na esteira de "Barbie" e "Super Mario Bros.". O alerta vermelho está apitando feito doido.

A baixa performance de produções consideradas "infalíveis" - o que inclui os novos "Missão: Impossível", "Homem-Formiga" e "Transformers" - tem como uma de suas explicações um fator ridiculamente óbvio: fazer um filme está incrivelmente caro, com orçamentos muitas vezes totalmente fora da realidade.

Há alguns anos seria ridículo afirmar que um filme que faturasse US$ 500 milhões nas bilheterias estaria com uma performance abaixo das expectativas. Mas quando um estúdio desembolsa ao menos US$ 300 milhões em uma única produção, o régua se torna proibitiva e ridiculamente alta. Sem falar que é totalmente irreal esperar que todo filme tenha de entrar na casa do bilhão de dólares para ao menos se pagar.

O jogo do cinemão, entretanto, parece ser justamente esse. Não existe explicação racional para "Velozes & Furiosos 10" torrar US$ 340 milhões para sair do papel. Os próprios estúdios transformaram números de orçamento em marketing e agora pagam o preço de seu próprio gigantismo. Enquanto isso, produções baratas como "Sobrenatural: A Porta Vermelha", "O Exorcista do Papa", "Que Horas Eu te Pego?" e, principalmente, "Fale Comigo", deixam os cofres de seus produtores cheios.

Continua após a publicidade

A pandemia e os novos hábitos

O preço é um fator, mas é inegável que a pandemia alterou os hábitos de boa parte do público. Enquanto o mundo estava em lockdown, o streaming cresceu absurdamente em importância, oferecendo um cardápio tão infinito quanto eclético. Assistir a filmes se tornou sinônimo de "consumir conteúdo", com o esforço para sair de casa e encarar um cinema sendo justificado unicamente por conta de algum evento imperdível ("Hi, Barbie").

Esse hiato em casa também prejudicou a confiabilidade de séries até então sólidas, como os filmes da Marvel. Se até "Ultimato" cada nova aventura era um pedaço saboroso de um enorme quebra-cabeças, o aumento da oferta na forma de séries nem sempre tão bem lapidadas, somado à qualidade flutuante de suas ofertas para o cinema (não há como defender "Eternos", "Thor: Amor & Trovão" ou "Wakanda Para Sempre") interrompeu uma sequência vencedora.

A Marvel é o sintoma mais evidente de um desinteresse que abraça a Disney ("A Pequena Sereia"), propriedades intelectuais fortes ("Dungeons & Dragons"), a DC ("Shazam: Fúria dos Deuses", "The Flash" e "Besouro Azul") e até o imbatível cinema de terror ("Renfield" e "A Última Viagem do Demeter" mostram que até Drácula anda mal das pernas). Nem Tom Cruise, que ano passado teve sua maior bilheteria com "Top Gun: Maverick", saiu ileso, com a primeira parte de "Missão: Impossível - Acerto de Contas" fechabndo as contas muito abaixo das expectativas.

A sombra da greve

Os estúdios também não ajudam. A Lionsgate cnseguiu queimar uma comédia de potencial enorme - a divertidíssima "Loucas em Apuros" - com uma campanha anêmica. Já "Asteroid City", de Wes Anderson, fez barulho quando estreou em poucas salas, mas no momento em que expandia seu circuito a Focus concentrou os esforços para seu lamçamento em streaming. Sem fôlego e sem foco em exibição nos cinemas, produções menores não conseguem acertar o passo.

Continua após a publicidade

Nos últimos três meses, o ecossistema hollywoodiano também foi abalado pela greve de roteiristas, seguida por uma paralização de atores. O impacto econômico na Califórnia jé é gigantesco, e o fim da temporada de verão sinaliza a estreia de produções menos dependentes de marcas. A participação dos atores em sua divulgaçao é essencial, o que simplesmente não vai acontecer.

Assim, filmes com sua data de lançamento cravada, como "A Noite das Bruxas", "Resistência" e "Assassinos da Lua das Flores", chegam em cartaz contando com, na falta de uma palavra melhor, a sorte. "Lua das Flores" traz menos pressão por ser uma produção AppleTV+ e ter os nomes de Martin Scorsese, Leonardo DiCaprio e Robert De Niro como maiores atrativos.

Contabilidade criativa

As bilheterias em 2023 ainda devem sofrer pela evasão de títulos enquanto as greves não se resolvem. "Duna - Parte 2" já trocou uma data em novembro deste ano para março de 2024. "Rivais" (com Zendaya) e "Kraven, o Caçador" (do universo do Homem-Aranha da Sony) também foram reagendados para o ano que vem. Algo me diz que "Aquaman e o Reino Perdido", ainda marcado para dezembro, também deve pisar no freio.

Quando a poeira assentar, talvez o maior vencedor de 2023 nas bilheterias seja também seu filme mais improvável. "O Som da Liberdade", thriller que espelha dúzias de outros que lotam o streaming para fazer volume, foi "abraçado" por entidades da extrema direita nos Estados Unidos e ganhou divulgação em cultos religiosos.

Boa parte de seus ingressos foram vendidos num esquema de doação, em que entidades adquiriam pacotes para, em teoria, distribuir para quem não poderia bancar alguns dólares da entrada. Os cinemas podiam não estar cheios, mas o dinheiro foi contabilizado do mesmo jeito. Com um orçamento de US$ 14,5 milhões, "O Som da Liberdade" abocanhou US$ 180 milhões nos Estados Unidos (o resto do mundo não deu muita bola). Contabilidade criativa é isso aí!

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Deixe seu comentário

Só para assinantes