'A Noite das Bruxas': Kenneth Branagh acerta em novo mistério de Poirot
Kenneth Branagh parece estar sempre trabalhando. Fez filmes para a Marvel ("Thor"), para a Disney ("Cinderela") e compensou escorregões homéricos ("Artemis Fowl") com produções premiadas ("Belfast"). Nesse meio tempo, encontrou espaço para ser o segundo amuleto de Christopher Nolan (o primeiro ainda é Michael Caine), atuando em "Dunkirk", " Tenet" e "Oppenheimer".
Mesmo com a agenda sempre tomada, Branagh ainda achou tempo para emplacar uma trilogia para chamar de sua. Novamente na frente e atrás das câmeras, ele retoma o papel do detetive Hercule Poirot em "A Noite das Bruxas", em mais uma adaptação da obra de Agatha Christie tão coalhada de astros como os anteriores "Assassinato no Expresso do Oriente" e "Morte no Nilo".
A boa notícia é que, se a fórmula permanece a mesma, o resultado é um filme mais redondo. Talvez a escala modesta da nova produção tenha feito Branagh operar de forma mais coesa. Em vez de depender de um cenário suntuoso - seja um trem transcontinental, seja uma viagem de navio pela costa do Egito -, "A Noite das Bruxas" limita-se a um único cenário. É um filme que não faria feio num palco.
Quando a trama começa, Hercule Poirot vive um exílio auto imposto em Veneza. Ele não quer saber de trabalhar em novos casos, mesmo procurado constantemente por anônimos em busca de resolver mistérios. Sua vontade de manter uma rotina modorrenta é tamanha que Poirot contratou um segurança para manter afastados os candidatos a cliente mais desesperados e insistentes.
Quem fura esse bloqueio é sua velha amiga Ariadne Oliver (Tina Fey), escritora que ajudou a construir a fama do detetive com romances inspirados em suas investigações. Ela lhe traz um desafio: desmascarar uma médium que, pela quantia certa, parece capaz de conversar com os mortos. Intrigado, Poirot topa acompanhar uma sessão espírita encomendada por uma socialite cuja filha aparentemente cometeu suicídio.
Esse preâmbulo serve para posicionar os jogadores no tabuleiro. A ricaça, Rowena Drake (Kelly Reilly), promove uma festa de Halloween para crianças em seu palazzo. Quando os pequenos são despachados depois de uma noite de gostosuras e travessuras, começa a sessão comandada pela sensitiva Joyce Reynolds (Michelle Yeoh).
Além de Poirot, que não esconde seu completo ceticismo ante a existência de fantasmas, a reunião macabra é também acompanhada por pessoas do círculo de Rowena, entre eles um médico traumatizado pelos horrores da Segunda Guerra (Jamie Dornan), a governanta assustada com histórias da mansão decrépita (Camille Cottin) e o noivo da jovem morta (Kyle Allen).
Kenneth Branagh demorou para encontrar o tom certo em suas adaptações de Agatha Christie. "Assassinato no Expresso do Oriente", de 2017, buscou o espírito das superproduções dos anos 1970, em que o elenco estelar se reunia em torno de uma trama popular - no caso, os romances da "Rainha do Crime". O charme cafona ajudou no sucesso do filme.
A boa vontade, entretanto, evaporou em "Morte no Nilo", que trouxe uma produção artificialmente extravagante em torno do assassinato da inexpressiva Gal Gadot. Apesar do entusiasmo de Branagh, o filme parecia inchado, pouco inspirado e assumidamente tolo: até o bigodão de Poirot ganhou uma "história de origem".
Em "A Noite das Bruxas", a produção enxuta e o cenário compacto trabalham a favor do diretor. Ele parece mais à vontade ao adaptar "Hallowe'en Party", lançado em 1969 e uma obra menor da escritora. Essa liberdade permitiu ao roteirista Michael Green sugerir um elemento sobrenatural, que Kenneth Branagh costura com habilidade neste mundo de fumaça e espelhos.
É o tempero perfeito para uma fórmula que, como sempre, é disparada por um assassinato, mistério aos poucos descortinado pela infinita habilidade dedutiva de Poirot. Sem grandes virtudes criativas, "A Noite das Bruxas" triunfa como entretenimento sólido, encabeçado por um artista que claramente está se divertindo. Nessa terceira adaptação de Agatha Christie, finalmente nos juntamos a ele.
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