Roberto Sadovski

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Opinião

'Oldboy': 20 anos do filme que colocou o cinema coreano moderno no mapa

Quando "Parasita" ganhou o Oscar de melhor filme em 2020, não foi um golpe de sorte ou uma conquista aleatória. O prêmio para o drama sul-coreano assinado por Bong Joon-ho representou, na verdade, o ápice de uma jornada de aprendizado, paciência e muito trabalho iniciada em 2003 por "Oldboy".

Dirigido por Park Chan-wook, segundo em sua "trilogia da vingança", o filme atravessou fronteiras e colocou, com sofisticação e intensidade, o cinema da Coreia do Sul no mapa.

Duas décadas depois de seu lançamento, "Oldboy" agora retorna aos cinemas em cópias restauradas e remasterizadas, sem perder absolutamente nada de seu impacto original. Vou além: é impossível assistir ao filme de Park sem sentir um certo constrangimento ao constatar que, nesse hiato de 20 anos, pouquíssimos filmes chegaram perto de espelhar sua brutalidade elevada ao estado de arte.

Até porque a violência é parte integral do vocabulário do filme. Não só como instrumento narrativo, mas também como ferramenta para amortecer nossos sentidos até o ponto em que concordamos que consumar sua vingança é o melhor epílogo para a jornada de seu protagonista. As revelações que o filme dispara em seu clímax, porém, estilhaçam qualquer sugestão de empatia. Quando os créditos sobem, estamos tão devastados quanto as almas condenadas que sofreram a história.

"Oldboy" desafia rótulos, indo sem cerimônia da comédia à ação antes de mergulhar no horror mais abjeto. Essa habilidade em sobrepor diferentes tons e gêneros, fugindo do rigor da produção do lado de cá do mundo, mostrou a força criativa do cinema sul-coreano. É uma característica que não surgiu como geração espontânea, mas como fruto de um projeto gerado em 1988, quando o país abriu suas portas para o cinema internacional.

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A chegada maciça de Hollywood na Coreia do Sul terminou por fomentar a criação de órgãos reguladores para proteger a produção local. Ao mesmo tempo, a linguagem e a tecnologia do cinemão ianque estimularam o desenvolvimento de uma nova geração de cineastas. O período de recuperação econômica vivido pelo país resultou em investimento para que jovens diretores estudassem cinema. A indústria local, por óbvio, floresceu.

Depois de um boom de produções que buscavam referências no cinema "importado" vorazmente consumido pelo público, artistas como Kim Jee-won e Lee Chang-dong passaram a estruturar suas histórias respeitando a cultura e o legado do país. A ideia de iluminar a linguagem de uma tribo com símbolos universais trouxe sofisticação, ousadia e reconhecimento aos filmes sul-coreanos, movimento cujo ápice foi "Oldboy".

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Depois de uma estreia de sucesso em seu país natal, Park Chan-wook levou seu filme para o Festival de Cannes em 2004, onde ele foi recebido com entusiasmo por Quentin Tarantino, que então presidia o júri. "Oldboy" não levou a Palma de Ouro (que ficou com "Fahrenheit 11 de Setembro", de Michael Moore), mas deixou a Riviera com o Grand Prix, segundo prêmio mais importante do festival.

O diretor Park Chan-wook nas filmagens de 'Oldboy'
O diretor Park Chan-wook nas filmagens de 'Oldboy' Imagem: Pandora

Mais importante, "Oldboy" ganhou os holofotes com o aval de Tarantino e, com isso, a vitrine do mundo. Nos meses seguintes, disparou a busca por mais títulos sul-coreanos, especialmente por distribuidores americanos, no começo do novo século. Filmes como "Medo" (de Kim Jee-woon), "Memórias de Um Assassino" e "O Hospedeiro" (ambos de Bong Joon-ho) ganharam lançamento mundial. O jogo logo seria invertido, com diretores em Hollywood fascinados com o vigor do cinema sul-coreano, sua linguagem e estética.

"Oldboy" é exemplar nessa influência. É possível conectar parte do cinema de ação das últimas duas décadas a escolhas artísticas feitas por Park em seu filme. Às vezes, como na primeira temporada de "Demolidor", da Netflix, a homenagem flerta com a cópia: a sequência em que o herói cego enfrenta uma legião de capangas em um corredor mal iluminado espelha o momento em que Oh Dae-chu destrói seus adversários usando nada além da brutalidade de um martelo.

Dae-chu é, no caso, o protagonista de "Oldboy". Interpretado com desespero no limite da sanidade por Choi Min-sik, ele é um idiota mulherengo que, trocando o aniversário da filha por uma tarde de bebedeira, é sequestrado e aprisionado em uma cela que lembra um quarto de hotel. Nos 15 anos seguintes, ele acompanha no noticiário a morte de sua mulher e sua própria acusação de assassinato, contempla o suicídio e enlouquece, por fim canalizando sua fúria em limpar e treinar seu corpo para um dia empreender sua vingança.

O momento exato em que você percebe que perdeu a bolinha do apito
O momento exato em que você percebe que perdeu a bolinha do apito Imagem: Pandora
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Esse dia chega quando Dae-chu, drogado e colocado em uma mala, é finalmente solto de sua prisão. O mundo agora navega no novo milênio, e ele tem pistas tênues para descobrir quem, afinal, o aprisionou. Embora sua lista de suspeitos seja considerável, Dae-chu logo percebe que está fazendo a pergunta errada: mais importante do que descobrir quem o aprisionou é saber o motivo pelo qual ele foi solto. E chega: contar qualquer coisa além desse parágrafo é arriscar estragar a experiência.

Uma experiência, vale ressaltar com força, absolutamente assustadora e desconfortável. "Oldboy" tem lugar na mesma prateleira de filmes como "Chinatown", "Inverno de Sangue em Veneza", "Violência Gratuita" e "Seven". Park descortina um mundo grotesco e fascinante em uma história não só sobre vingança, mas também sobre o potencial para crueldade e desumanização aparente infinito em todos nós.

O desconforto não se dissipa quando a escuridão da sala de cinema é substituída pela rotina confortável do mundo real. É uma sensação que se retroalimenta quando inevitavelmente refazemos os passos dos personagens, constatando com angústia que eles nunca tiveram a menor chance. Voltar a "Oldboy" duas décadas depois é perceber que o tempo não conseguiu suavizar sua intensidade, brutalidade e horror. O cinema nem sempre é um lugar seguro.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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