'Estranha Forma de Vida', de Almodóvar, só tem um defeito: é muito curto!
Quentin Tarantino uma vez disse que todo diretor precisa, ao menos uma vez, rodar um western. Mesmo se referindo a cineastas norte-americanos, esse desejo respingou no espanhol Pedro Almodóvar, que se rendeu ao gênero com este "Estranha Forma de Vida". A boa notícia é que o criador de "Tudo Sobre Minha Mãe" e "Dor e Glória" não abriu mão de fazer as coisas à sua maneira.
Na prática, isso significa que "Estranha Forma de Vida", embora abrace símbolos e signos tão caros ao faroeste, desenvolve-se como estudo de personagem, uma reflexão sobre masculinidade e sexualidade em um ambiente historicamente dominado por homens. Almodóvar parte de uma situação de extrema intimidade antes de expandir seu escopo para a violência inerente à fronteira.
A maestria de sua narrativa é, aos poucos, revelar camadas de seus protagonistas. O primeiro é Silva (Pedro Pascal), caubói que atravessa o deserto para encontrar o xerife de uma cidadezinha, Jake (Ethan Hawke). A reunião fortuita dispara lembranças de quando eles viveram, 25 anos antes desse reencontro, um relacionamento intenso.
A câmera de Almodóvar flutua delicadamente pela casa do xerife, quando um jantar e uma viagem pelo túnel da memória reacendem o desejo. É com a força dos diálogos que percebemos Silva como o sujeito passional, disposto a se entregar sem hesitar, em contraponto ao mais racional Jake. Não é ao acaso que este percebe que a volta do antigo amante não traz nada de casual, e pode ter impacto no caso de assassinato que ele está investigando.
Pedro Almodóvar encontra no mais masculino dos gêneros espaço para diálogos naturais, um de seus maiores predicados, que expressam o desejo entre dois homens. Mesmo o western americano hesitou em explorar a complexidade de alguns de seus personagens, cuja sexualidade muitas vezes era sugerida, mas nunca explicitada — como no clássico "Os Brutos Também Amam".
Somente quando o cinema contemporâneo observou o gênero por essa lente, notadamente em "O Segredo de Brokeback Mountain" e no brilhante "Ataque dos Cães", o faroeste conseguiu quebrar suas próprias convenções.
O diretor espanhol conta como maiores trunfos a dupla Pedro Pascal e Ethan Hawke. Sua entrega ao texto soma credibilidade à narrativa, e sua química natural faz com que uma paixão engavetada por um quarto de século pareça orgânica e inevitável. Quando Almodóvar coloca sua câmera no espaço aberto, a belíssima fotografia de José Luis Alcaine mostra não só a habilidade que o cineasta expressa ao construir um western clássico, como também nos faz querer passar mais tempo naquele mundo.
O tempo, por sinal, parece ser o único revés de "Estranha Forma de Vida". A exemplo de "A Voz Humana", de 2020, com Tilda Swinton e primeiro trabalho do diretor em língua inglesa, este novo filme é um curta-metragem, cravando exatos 31 minutos de duração. É um formato compacto com o qual Almodóvar se sentiu confortável para contar essa história, nascida de uma cena esboçada há alguns anos e recuperada de sua gaveta.
A metragem reduzida é suficiente não só para Almodóvar subverter um gênero americano por excelência como também para homenagear sua imensa influência em artistas de todo o mundo. Como é regra em seu cinema, ele não foge de polêmicas, mas as apresenta de forma natural, tornando impossível não se envolver com o que ele tem a dizer. O que, mesmo em econômicos trinta minutos, ainda é bastante.
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