'Os Mercen4rios' é um dinossauro anacrônico que perdeu o gancho da piada
Quando Sylvester Stallone dirigiu "Os Mercenários" em 2010, a ironia não se perdeu. Afinal, um dos maiores astros de ação da história criava, ali, uma nova série que apontava os exageros do gênero ao mesmo tempo que os abraçava em modo turbo. Tinha lá seu charme cafona e funcionou como diversão ligeira.
Sua continuação, lançada dois anos depois, aprimorou a fórmula com mais nostalgia e humor. Anabolizou os papéis dos parças Bruce Willis e Arnold Schwarzenegger, adicionou Chuck Norris à mistura e fez de Jean-Claude Van Damme um vilão chamado Vilain. Com o experiente Simon West ("Con Air", "Tomb Raider") na direção, a segunda dose ganhou mais charme e, confesso, três estrelinhas em meu Letterboxd. Coisa fina.
Qualquer piada, contudo, tem seu limite antes de estourar a corda. Se o terceiro filme já era uma bagunça que tentou ganhar pontos com puro volume (Mel Gibson, Harrison Ford, Antonio Banderas e Wesley Snipes se juntaram à trupe), a aventura número quatro, tardiamente batizada "Os Mercen4rios", é a prova que todo carnaval, de fato, tem seu fim.
Não há aqui mais nenhum sinal de ironia, muito menos do senso de humor autodepreciativo de seus antecessores. O que resta é um filme de ação de segunda linha, que usa os excessos do gênero como muleta narrativa. Não rimos mais com o filme, mas dele. O potencial ainda está lá, mas quando nem o anfitrião tem vontade de participar da festa, é sinal de quem algo está de fato muito errado.
A ordem de chamada nos créditos já entrega: o mote de "Mercen4rios" é o protagonismo da série sendo passado de Stallone para Jason Statham. Mais do que uma decisão criativa, a manobra soa como desculpa para o astro de Rocky e Rambo sair de cena de forma suave, sem ter de apelar para as famosas "diferenças criativas". Não se sabe, afinal, o quanto Sly é "dono" da série, especialmente quando o novo filme conta com um rol de mais de trinta produtores.
Picuinhas de bastidores à parte, a aventura não é um total desperdício, sendo tão somente um dinossauro tentando faturar em cima de tiques narrativos embolorados de tão velhos. O vilão desta vez é um traficante de armas (Iko Uwais, de "Operação: Invasão"), que por sua vez recebe ordens de um chefão misterioso. Ele rouba detonadores nucleares, arma uma ogiva em um navio e planeja uma explosão na costa da Rússia, culpando os Estados Unidos e disparando uma guerra mundial.
Com Barney Ross (Stallone) no escanteio, e Christmas Lee (Statham) de castigo após desobedecer ordens em outra missão, uma nova equipe é montada pelo agente da CIA Marsh (Andy Garcia), com veteranos (Dolph Lundgren e Randy Couture) e novatos (Curtis "50 Cent" Jackson, Jacob Scipio e Levy Tran) sob o comando de Gina, agente especial defendida por Megan Fox.
Nem vou ofender sua inteligência descrevendo a trama além disso, até porque os realizadores de "Mercen4rios" não se empenharam em ir um milímetro além dos clichês mais rasteiros. Na prática, as mulheres voltaram a ser objetificadas (o "traje de combate" de Megan Fox é um cropped), existe um traidor entre os heróis (ele poderia se chamar Capitão Óbvio) e o plano explosivo dos vilões não faz nenhum sentido (o "disfarce" do navio-bomba não passa de uma bandeira americana hasteada).
A maior ausência é sem dúvida o desfile de astros dos filmes anteriores. O diretor Scott Waugh já trabalhou com Jackie Chan, John Cena e Josh Hartnett, mas ele sequer chegou a pegar seu caderninho de telefones. O astro convidado aqui é o grande Tony Jaa, como um ex-mercenário com medo de voltar a matar e "perder sua alma". Lamento informar que ele não ganha uma sequência decente para mostrar suas habilidades marciais.
"Os Mercen4rios", portanto, se arrasta como um cadáver a céu aberto até o clímax explosivo e, honestamente, meio picareta (você vai saber quando ver, pode confiar). Seu único predicado para fechar a metragem com algum fiapo de dignidade é o charme brucutu de Jason Statham. Existem, claro, maneiras melhores de investir duas horas. Mas nenhuma, garanto, tem uma piada recorrente envolvendo o termo golden shower. Nem o primeiro filme, que foi rodado aqui na terrinha, tem um momento tão tragicamente brasileiro.
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