Roberto Sadovski

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Reportagem

Como o prólogo de 'O Exorcista' se tornou dois filmes ruins

"O Exorcista: O Devoto" chega aos cinemas com a missão de ressuscitar uma marca tradicional do terror. Não é a primeira vez. Entre a "trilogia original" e o novo filme, Hollywood arriscou produzir um prólogo ambientado antes dos eventos do clássico de 1973. O que era para ser um projeto terminou gerando dois produtos — não por ímpeto criativo, e sim por lambança de executivos em Hollywood.

Tanto "O Exorcista: O Início" quanto "Domínio: Prequela de O Exorcista" são o melhor exemplo do que acontece quando os engravatados, que entendem tanto de cinema quanto eu de neurocirurgia, interferem em decisões artísticas sobre os rumos de uma produção cinematográfica. O circo de achismos terminou por sepultar o que, no papel, parecia uma ideia bacana.

Essa ideia era explorar o primeiro encontro do padre Lankester Merrin, interpretado por Max von Sydow no filme original, com uma entidade demoníaca. O projeto estava com a produtora Morgan Creek, detentora dos direitos da criação de William Peter Blatty desde 1990, quando lançou "O Exorcista 3".

O primeiro roteiro, desenvolvido entre 1997 e 1999, seria dirigido por Tom McLoughlin, que não inspirava confiança com a pérola "Sexta-Feira 13 Parte 6" no currículo. Talvez por bom senso, McLoughlin saiu do projeto, que foi para as mãos de John Frankenheimer. Com a saúde debilitada, o diretor de "Operação França 2" se viu obrigado a desistir do filme, que passou para Paul Schrader. Foi quando os problemas realmente começaram.

Stellan Skarsgård em 'Domínio: Prequela de O Exorcista', de 2005
Stellan Skarsgård em 'Domínio: Prequela de O Exorcista', de 2005 Imagem: Warner

Parceiro de Martin Scorsese no texto de "Taxi Driver" e "Touro Indomável", e cineasta habilidoso com filmes como "City Hall" e "Temporada de Caça" em sua filmografia, Schrader escalou Stellan Skarsgård como o padre Merrin e passou dois meses em 2003 filmando no Marrocos e em Roma. Ao fim do processo, que passou por seis roteiristas, ele montou uma versão de 130 minutos do filme, então batizado "O Exorcista: O Início", e mostrou aos executivos do estúdio. Foi um completo desastre.

O filme de Schrader era uma reflexão sobre a natureza da fé, um thriller psicológico ambientado em 1949 e costurado com uma trama sobre templos sagrados, possessão demoníaca e, claro, um exorcismo. Os produtores, por sua vez, queriam um terror mais tradicional, com ação, sangue e violência, com demônios materializados e sustos a cada minuto.

Para piorar ainda mais os ânimos, eles exigiram que o diretor refilmasse boa parte de seu trabalho seguindo a nova orientação, ao mesmo tempo em que remontavam o filme sem sua presença. Quando a situação ficou insustentável, Paul Schrader foi demitido e seu filme, engavetado. Mesmo com o investimento de US$ 30 milhões, a vida útil deste prólogo de "O Exorcista" parecia ter chegado ao fim.

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A partir daí a coisa tomou rumos... hollywoodianos. O diretor Renny Harlin, acostumado a comandar blockbusters como "Duro de Matar 2", "Risco Total" e "Do Fundo do Mar", foi contratado para assumir o projeto. Ele viu a versão de Paul Schrader e comentou que o melhor era jogar no lixo e começar do zero. A Morgan Creek topou e lhe deu US$ 90 milhões para torrar na nova empreitada.

Renny Harlin reescreveu o roteiro com o novato Alexi Howley, adicionou novos personagens e manteve Stellan Skarsgård como protagonista. Mesmo refazendo 90% do material dirigido anteriormente por Paul Schrader, sua versão era basicamente o mesmo filme com uma nova mão de tinta. Não importava. O estúdio, por fim, tinha seu produto de terror com ação, sangue e violência.

Depois de uma campanha agressiva, que bizarramente usou o material filmado por Schrader no trailer, "O Exorcista: O Início" finalmente chegou aos cinemas em agosto de 2004... e foi um desastre completo! Enquanto a crítica massacrou o filme sem dó, o público basicamente deu de ombros, com um resultado nas bilheterias mal recuperando metade do orçamento. Não era para menos. Tudo que Renny Harlin conseguiu foram sustos baratos em uma produção medíocre.

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Hollywood, claro, não se deu por vencida. A Warner, responsável pela distribuição do projeto, havia flertado com a possibilidade de lançar a versão de Paul Schrader direto no mercado de home video. Com o fracasso do filme de Harlin, o plano mudou. No mês seguinte ao lançamento de "O Início" nos cinemas, a Morgan Creek contratou o editor Tim Silano para remontar o material de Schrader, trazendo por fim o diretor de volta ao projeto.

A fonte, porém, estava mais seca que o deserto desbravado pelo padre Merrin. Os produtores alocaram minguados US$ 35 mil para Paul Schrader completar seu trabalho — basicamente bancar efeitos visuais e a pós produção de som e cor. Não houve dinheiro para a trilha sonora, que foi reciclada do trabalho de Trevor Rabin em "O Início", com material adicional de Angelo Badalamenti (que não recebeu um centavo) e da banda de heavy metal Dog Fashion Disco.

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Aos trancos e barrancos, o filme, agora batizado "Domínio", teve lançamento limitado em 20 de maio de 2005, batendo cabeça com "Star Wars: A Vingança dos Sith". Faturou US$ 250 mil antes de ser lançado em DVD e VHS cinco meses depois. Mesmo fruto dessa operação de guerrilha, a versão de Paul Shrader para o prólogo de "O Exorcista" é melhor do que o filme de Renny Harlin. Melhorar uma catástrofe, contudo, não é exatamente um grande feito.

O que nos traz a 2023. A criação de William Peter Blatty, que não participou de nenhum projeto após "O Exorcista 3", traz um ar nostálgico que casa bem com o cinemão moderno — ao menos comercialmente. Mesmo que o cinema não veja uma interpretação decente desse mundo desde 1990, a Universal pagou US$ 400 milhões pelos direitos da série para arriscar seu "O Exorcista: O Devoto". O otimismo dos executivos dos estúdios em Hollywood é algo a ser estudado.

Errata:

o conteúdo foi alterado

  • John Frankenheimer dirigiu 'Operação França 2'. A informação foi corrigida no texto

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