Roberto Sadovski

Roberto Sadovski

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

O desastroso 'Five Nights at Freddy's' é manual de como não fazer um filme

Poucas vezes um filme pareceu tão à deriva quanto este "Five Nights at Freddy's - O Pesadelo Sem Fim". Adaptação do jogo que se tornou fenômeno da cultura pop moderna, essa produção da BlumHouse não sabe se quer ser um terror para a geração do novo milênio, uma alegoria sobre abuso infantil ou simplesmente um filme divertido com monstros. Em meio a essa salada, triunfa em ser absolutamete nada.

A culpa, se é que já podemos apontar o dedo, é justamente de seu criador. Scott Cawthon teve a ideia que se tornaria "Five Nights at Freddy's" em 2014, lançando o game como um terror de sobrevivência que saía levemente da caixa. Em vez de zumbis ou alguma outra criatura sobrenatural, a ameaça surgia na forma de bonecos animatrônicos avantajados, mascotes mecânicos de uma pizzaria que animavam festas de crianças.

Criados como animais infantis antropomórficos, os robôs ganhavam vida e basicamente perseguiam o segurança noturno do lugar — ou seja, você! Com o sucesso do primeiro jogo e sua transformação em série, Cawthon criou uma mitologia macabra, em que crianças assassinadas pelo dono da pizzaria tinham seus corpos colocados nas máquinas, posteriormente animadas por suas almas amaldiçoadas.

A trama bobinha colou, em especial pelo design das figuras imensas, construídas como um urso, um coelho, uma galinha e uma raposa. O visual fofo contrastava com a violência absurda do jogo, explorada em um clima agudo de suspense como nos melhores exemplares de "Resident Evil", somado a sustos rápidos que faziam os jogadores saltarem nas poltronas. Mais de uma dúzia de continuações seguiram o rastro de "Five Nights at Freddy's", consolidando o fenômeno.

Siga o Splash no

Quando gameplays e cosplays ajudaram a popularizar ainda mais o jogo na internet, e ele expandiu sua mitologia em livros e revistas em quadrinhos, Hollywood já estava de olho, com uma adaptação colocada em desenvolvimento em 2015. De lá para cá, um punhado de roteiristas e diretores tentaram traduzir o clima anárquico do game para a narrativa cinematográfica, mas sempre esbarravam na presença constante de Cawthon, que terminou assinando o roteiro e a produção do filme.

Aqui vale ressaltar uma regra que vale apara a vida: videogames (ou livros, ou histórias em quadrinhos) não são cinema, e seu conceito precisa ser adaptado para outra mídia de forma coerente. No caso de "Five Nights at Freddy's", coerência passou longe.

A diretora Emma Tammi demonstra total inépcia para encontrar o tom certo, e seu trabalho termina como um suspense sem suspense, com cenas de terror que não assustam, em uma tentativa de ser divertido que, bom, nunca é.

Continua após a publicidade

A trama segue Mike Schmidt (Josh Hutcherson), que vive sozinho com a irmã mais nova, Abby (Piper Rubio), e topa o emprego de segurança noturno na antiga pizzaria Freddy Fazbear para garantir um teto sobre sua cabeça. O lugar está abandonado desde os anos 1980, e logo uma policial esperta (Elizabeth Lail) surge para convenientemente lhe contar toda a história do lugar, sobre crianças desaparecidas e o dono que nunca foi acusado de nada.

John Hutcherson e Piper Rubio em 'Fine Nights at Freddy's': pessoas são chatas
John Hutcherson e Piper Rubio em 'Fine Nights at Freddy's': pessoas são chatas Imagem: Universal

Não tarda para Mike ser obrigado a carregar sua irmã para o trabalho, e bizarramente ela faz amizade com os quatro robôs animatrônicos que inexplicavelmente ganham vida. Veja bem, todos acompanham as máquinas zanzando para lá e para cá, entendem o absurdo da coisa e, mesmo assim, retornam à pizzaria na noite seguinte, como se fosse a coisa mais normal do mundo!

A essa altura a lógica foi comprar Fanta e nunca mais voltou, e ficamos à deriva com Mike, a pequena Abby e a policial Vanessa interagindo com quatro máquinas potencialmente assassinas. Por mais que os personagens tentem racionalizar toda a situação, absolutamente nada mais faz sentido — a trama, a mitologia, as reviravoltas. "Tudo bem", você pode pensar. "Ao menos agora a coisa vira um jogo de gato e rato pelo prédio abandonado, com sustos, sangue e mortes, certo?" Bom... não!

Porque "Five Night at Freddy's" está mais preocupado com os traumas de Mike, com sua tia malvada (oi, Mary Stuart Masterson, você estava sumida!) e com uma trama paralela enfadonha sobre crianças sequestradas, que mata qualquer tentativa de suspense. Sempre que o filme tenta engrenar, o roteiro ruim vai lá e puxa o freio de mão. As máquinas assombradas, principal motivo para a fama do jogo, passam a maior parte do tempo paradas, esperando que qualquer coisa aconteça. É irritante!

'Five Nights at Freddy's' sairia ganhando se seguisse o caminho de 'Jogos Mortais'
'Five Nights at Freddy's' sairia ganhando se seguisse o caminho de 'Jogos Mortais' Imagem: Universal
Continua após a publicidade

É compreensível que "Five Nights at Freddy's" seja voltado para o público adolescente, única faixa etária com qualquer conexão com a marca. Por isso, o filme tenta injetar algum senso de humor para suavizar a violência, mas é uma escolha bisonha, já que o resultado nunca é intenso o bastante ou engraçado o suficiente. O filme então fica lá, inerte, como um pedaço de sucata caríssimo que ninguém tem coragem de jogar no ferro-velho.

É possível que, nessa temporada de Halloween, "Five Nights at Freddy's" se torne o programa de preferência para a família curtir uma tarde/noite assustadora no cinema. Mas é um desserviço para os fãs do jogo ou fãs de qualquer coisa que tenha vida.

Fica a lição, que o cinema devia ter aprendido depois de J.K. Rowling passar vergonha como roteirista dos três "Animais Fantásticos": criar um produto pop de sucesso, seja uma série de livros, seja um videogame, não qualifica ninguém para fazer um filme. Melhor pintar uma parede e ver a tinta secar. Pelo menos não é tempo perdido.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

Deixe seu comentário

Só para assinantes